1. A presente crise não é a primeira nem terá sido a pior. Mas é bastante grave.
Não haverá, pois, motivos para que andemos alarmados. Mas também não há razões para que nos mostremos distraídos.
Acontece que, por uma espécie de torpor que se abateu sobre nós, parecemos deprimidos como (quase) sempre e desleixados como (praticamente) nunca.
Apesar dos avisos, tudo indica que a actual situação nos apanhou desprevenidos e completamente impreparados. Daí a necessidade de recorrer ao auxílio exterior.
Só que este é o medicamento para aliviar a dor. Mas não constitui a terapia para vencer a doença.
Não são os comportamentos que nos trouxeram até aqui que nos ajudarão a sair daqui.
Só uma atitude radicalmente nova nos abrirá as portas a um futuro diferente. A um futuro que seja não a repetição, mas a transformação do presente.
Não é isso, porém, o que se desenha. Preparam-se medidas novas, ainda por cima austeras, mas mantêm-se as atitudes de sempre. Respira-se a mesma desconfiança e até se cavam mais divisões.
2. Um problema global não se resolve com uma solução parcial. Um problema global precisa de uma solução global.
Precisamos de reduzir a despesa, mas também de gerar riqueza. Precisamos de economia, mas também de moral. Precisamos de competências, mas também de valores. Precisamos de respostas, mas também de perguntas. Precisamos de capital, mas também de espírito. Falta dinheiro e faz falta um rumo.
Será que estamos dispostos a transformar o problema em oportunidade?
Convenhamos que os sinais não são muito alentadores. A ambição do indivíduo e o interesse do partido aparecem antes de tudo e parecem contar mais que tudo.
O todo continua a ser sacrificado pela parte quando o necessário é que a parte se sacrifique pelo todo.
É bom que as perspectivas sejam múltiplas. Mas porque é que da multiplicidade só pode advir afastamento?
O que é comum a todos não deverá superiorizar-se ao que é diferente entre todos?
Porque é que só se admite a maioria de um partido ou de um quadrante ideológico?
Porque é que o caminho não há-de passar pelo envolvimento de todos?
Parece-me, por conseguinte, que a lição não está a ser devidamente apreendida.
Na altura em que mais carecemos de convergência é que mais estão a aparecer as divergências. E o mais preocupante é que estas tendem a ter a forma de contradições insanáveis e de incompatibilidades invencíveis.
Será legítimo antepor o benefício de uns ao bem de todos?
3. O que, no fundo, faz falta é uma atitude verdadeiramente católica e genuinamente religiosa.
Não uso estes termos no seu sentido habitual, institucional, mas proponho estas palavras a partir do seu significado original.
Uma atitude católica levar-nos-á a perceber que a verdade está na totalidade.
Foi isso, aliás, que impeliu Aristóteles a dizer que «a verdade é católica».
Ser católico é, antes de mais, ver segundo o todo. É aí que está a verdade.
Cada ponto oferece-nos uma vista. Mas a verdade está na totalidade do que é visto.
O todo está em cada parte, mas nenhuma parte, por si só, permite avistar o todo.
4. É aqui que entra em campo a pertinência de uma perspectiva genuinamente religiosa ou, melhor, religacional.
Religião tem que ver com ligação, não com separação. Religioso é o que liga, não o que separa.
E não há dúvida de que este é o tempo não só de propor, mas também de articular todas as propostas.
Isto requer não só conhecimentos nem apenas competências. Tudo isto clama por uma grandeza de alma que ainda estamos longe de revelar.
Precisamos de medidas novas, mas necessitamos sobretudo de um espírito renovado.
Seremos capazes de transformar mais um problema numa nova oportunidade? Ou iremos converter esta oportunidade na eternização dos nossos problemas?