A palavra é um direito, mas o silêncio não deixa de ser um dever.
É sabido que os direitos só estão assegurados quando os deveres são cumpridos.
Na hora que passa, a turbulência das palavras é tal que um pouco de silêncio teria o sabor de um oásis. E o efeito de um bálsamo.
A realidade reclama o maior cuidado, mas as atenções concentram-se nas palavras. Nas palavras que todos dizem, mas que ninguém parece querer ouvir.
O frenesim é de tal ordem que a vontade de ser conhecido supera a necessidade de conhecer.
As palavras, sem o tempero que lhe advém de um pouco de silêncio, correm o risco de se sobrepor ao real, criando uma espécie de carapaça.
Há palavras que ferem. E não apenas os ouvidos. Há palavras que massacram o espírito, porque escondem em em vez de revelar. Porque desviam em vez de encaminhar. Porque obscurecem em vez de iluminar.
O silêncio pode ser, pois, uma forma de higiene. E uma terapia urgente.
A alma já não aguenta esta tempestade de palavras.
Umberto Eco põe-nos de sobreaviso ao alertar para o poder perverso da linguagem. Esta tanto serve «para dizer a verdade como para criar coisas que não existem, fazendo crer que têm existência real».
A força da falsificação - exorta o sábio - é muito grande e deveras tentadora. No princípio, desconfia-se. Mas, à força da insistência, acolhe-se.
Estes são tempos em que a imprevidência nos tenta e nos arrebata. Tudo entra em nossa casa sem filtro, sem critério e sem selecção. Damos crédito a qualquer coisa. Os vendedores de ilusões e os pregadores de catástrofes sabem disso.
Um pedido, por isso, aos que nos aparecem, a cada passo, com declarações, réplicas e tréplicas. Se não nos podem oferecer a verdade nas palavras, não nos privem, ao menos, da serenidade do silêncio.
É em alturas como esta que mais razão dou a Kahlil Gibran: «O silêncio dos homens está mais próximo da verdade do que as suas palavras».
Senhores governantes, políticos, economistas e comentadores: moderem as vossas palavras e oiçam o eco do nosso silêncio.
No que não é dito jaz muita dor. E subjaz muita desesperança.
Não deixem de ouvir quem já só espera nada esperar.
(a última expressão é adaptada de José Régio)