1. A Páscoa é sempre na Primavera, muitas vezes em Abril e, este ano, na véspera do 25 de Abril.
Nada disto é por acaso. Nada, aliás, acontece por acaso. Tudo isto tem um sentido. Poderemos captá-lo?
Para já, até o sol está a ajudar, conseguindo romper o negrume da crise.
Esta luminosidade primaveril deixa-nos entrever melhor o liame entre os dois acontecimentos.
A Páscoa é, antes de mais, libertação. E o 25 de Abril é, acima de tudo, liberdade.
Sem liberdade, ainda que se tenha tudo, subsiste a sensação de não se ter nada. Daí a confidência de Miguel Torga: «Só presto para ser livre».
O povo judeu prosperava no Egipto. Era admirado pela sua capacidade empreendedora. Tinha tudo. Só não tinha liberdade.
Apesar das vicissitudes, preferiu a inclemência do deserto à pretensa tranquilidade da escravidão. A Terra Prometida é, no fundo, o chão da liberdade.
Esta, porém, teve de ser conquistada com suor, com persistência, com altos e baixos, avanços e recuos.
Páscoa vem de peshah e significa passagem. A liberdade é um percurso que se trilha, uma estrada em que se corre.
Tudo é oferecido à partida. Mas nada está garantido sem caminhada. É necessário ter muita energia para não perder o caminho da liberdade.
2. Jesus Cristo é, todo Ele, um evento de liberdade.
S. Paulo percebeu isso e não se esqueceu de anotar que «foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou» (Gál 5, 1).
A libertação é abrangente e não deixa de lado a própria liberdade. Também a liberdade precisa de ser libertada.
É que a liberdade tende a ser conectada com mera ilusão de fruição pessoal. No limite, tal liberdade pode contender com a liberdade dos outros.
A liberdade, segundo Jesus, é a mais poderosa vacina contra a pior das doenças: o egoísmo.
O vértice da liberdade não está em fazer o que me apetece. O vértice da liberdade consiste na entrega voluntária da minha vida pelos outros.
De resto, Jesus teve o cuidado de advertir que, antes de ser alguém a tirar-Lhe a vida, era Ele que dava a Sua vida (cf. Jo 10, 18).
Jesus instaura, assim, um paradigma de existência radicalmente inovador.
3. Deste modo, toda a opressão é profundamente anticristã.
Em nome de Cristo, não pode haver a menor conivência com a exploração, com a escravização seja de quem for.
A mensagem de Cristo também reclama a libertação da ordem social injusta.
Não se pode ser cristão e, a pretexto de uma suposta neutralidade, patentear indiferença em relação às pessoas exploradas e aos povos oprimidos.
Muitas vezes, esta dimensão da liberdade foi esquecida e até contrariada.
Os seguidores de Cristo terão de ser paladinos da liberdade. Da liberdade integral.
4. Neste mês, em que até a natureza se liberta da prolongada sonolência do Inverno, há sobejos motivos para celebrar a liberdade.
Tal celebração não dispensa, entretanto, uma cuidada atenção e uma constante vigilância.
A liberdade, que é um dom e uma conquista, pode ficar em perigo quando a desligamos da justiça.
No nosso país, que reencontrou a liberdade há trinta e sete anos, há quem não se sinta livre.
Os constrangimentos à liberdade começam a alastrar. Há muitas condicionantes que entravam a sobrevivência e a auto-realização de cada um.
Quando se tolera que poucos possuam muito e muitos tenham pouco (ou quase nada), não é a liberdade que está a funcionar. É a liberdade que está a definhar.
Só há liberdade quando o essencial está à disposição de todos: alimento, habitação, saúde, educação.
A liberdade não obriga a que sejamos todos iguais. A liberdade é o que nos oferece a possibilidade de sermos diferentes. E o que garante que ninguém será prejudicado por essa diferença!