O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Sábado, 30 de Abril de 2011

Cada progresso acarreta sempre um retrocesso, avisa Edgar Morin.

 

Sempre terá sido assim, mas, presentemente, o saldo negativo parece mais notório.

 

A net constitui um avanço, mas não deixa de trazer alguns alertas preocupantes.

 

A pressa com que tudo ocorre, a falta de profundidade do pensamento e a ausência de um raciocínio sustentado obtêm uma exposição como nunca se tinha visto.

 

Há quem esteja desapontado. Mário Vargas Llosa, não poupando nos termos, entende que a net «está a liquidar a gramática», provocando uma espécie de «barbárie sintáctica».

 

Nada macio, avisa: «Se escreves assim é porque falas assim; se falas assim é porque pensas assim; e se pensas assim...» (não cito o resto).

 

É possível, continua, «que as pessoas sejam mais felizes assim. Não sei». 

publicado por Theosfera às 11:58

«Era necessário que o heróico se tornasse quotidiano e o quotidiano heróico».

Assim escreveu (intensa e magnificamente) João Paulo II.

publicado por Theosfera às 11:55

Um quinto das crianças vive na pobreza. Trata-se, afinal, do mesmo indicador que já se verificava me 1993.

 

No que toca aos salários mais altos, registou-se um crescimento. Ou seja, o fosso social dispara.

 

Será que as pessoas que estão a decidir o nosso destino pensam nisto?

publicado por Theosfera às 11:38

Sexta-feira, 29 de Abril de 2011

«Os tempos actuais são tempos de aurea mediocritas e de indiferença, de paixão pela ignorância, de preguiça, de incapacidade para o trabalho prático e da necessidade de receber tudo já pronto. Ninguém raciocina, será raro alguém elaborar uma ideia pessoal».

Assim escreveu (pertinente e magnificamente) Fiódor Dostoiévsky.

publicado por Theosfera às 20:59

Real porque tem que ver com a realeza. Não tanto com a realidade.

 

O cenário que as televisões nos mostram, a partir de Londres, parece demasiado irreal.

 

Convidados são quase dois mil. A segurança é apertada. A despesa é enorme.

 

Mesmo assim, há sorrisos para as câmaras. Que haja felicidades nos corações.

 

Longa vida aos príncipes. Que sejam felizes. Na realidade de cada instante. E não apenas na irrealidade aparatosa deste dia.

publicado por Theosfera às 10:29

Por muito imaginativa que seja uma narrativa, ela não pode eximir-se a um mínimo de ética. E o principal ingrediente da ética é a verdade.

 

Por uma estranha coincidência, parece que as conquistas de Abril vão ser imoladas em Maio. Para a semana, pelos vistos, iremos saber o preço a pagar pela ajuda que vamos receber.

 

Um povo sacrificado terá de se sacrificar ainda mais?

 

Um povo que trabalha tanto terá de trabalhar ainda mais?

 

Qual o limite da propaganda? Qual o limite da realidade?

 

Precisamos de quem aponte um rumo. De quem priorize a justiça. De quem não esqueça os mais pobres.

 

A nossa passagem da cidadania para a política faz-se, habitualmente, pelo lado do deslumbramento, do deleite. Parece que o poder é um fim em si mesmo.

 

O trânsito da cidadania para a política tem de fazer-se pelo lado do serviço. O poder não pode ser visto como um fim, mas como um instrumento.

 

Este salto epistemológico está ainda por dar. Este sobressalto cívico está ainda muito longe de acontecer.

publicado por Theosfera às 10:21

Há uma narrativa que descreve a realidade, que a interpreta e que pode ajudar a transformá-la.

 

E há uma narrativa que se sobrepõe à realidade. Que a ficciona.

 

Uma vez que a realidade tende a ser aferida, cada vez mais, pela comunicação, quem comunica melhor ganha vantagem.

 

Em tempos de pensamento débil (conferir o diagnóstico de Lyotard ou Vattimo), as pessoas olham mais para a comunicação.

 

Não é a comunicação que é vista a partir da realidade. É a realidade que é vista a partir da comunicação.

 

A propaganda vive disto. Cria uma realidade apelativa. Distorce os factos. E despacha a culpa. 

 

Numa sociedade plastificada, será com dificuldade que quem tem espessura e densidade consiga um espaço mediático.

 

É por isso que a ilusão tende a substituir a esperança. Enquanto esta não desiste de porfiar pela mudança do real, aquela faz crer que já se vive no melhor dos mundos.

 

As pessoas têm uma grande dificuldade em lidar com a realidade. Preferam que lhes vendam ilusões. 

publicado por Theosfera às 09:47

«O mistério da existência humana não consiste em viver por viver, mas em ter um sentido para a vida».

Assim escreveu (pertinente e magnificamente) Fiódor Dostoiévsky.

publicado por Theosfera às 05:49

Será o ateísmo uma pura negação? Ou não será, antes, uma ânsia de purificação?

 

Traduzirá ele uma ruptura? Ou não constituirá, em vez disso, uma nostalgia, uma espécie de saudade que Andrés Torres Queiruga descreve como sendo «a presença na ausência»?

 

Surgiram, neste dia, dados atinentes a uma sondagem segundo a qual a descrença vai crescendo na Europa.

 

Só que este tipo de estudos tende a fundir elementos que importaria distinguir.

 

Como é que se avalia um comportamento ateu? Pelo afastamento da Igreja? Por um estilo de vida meramente consumista, etsi Deus non daretur? Mas não é isso também o que acontece com muitos que se dizem crentes?

 

Já agora, não seria interessante incluir, nesses estudos, uma pergunta relativamente à relação com Jesus?

 

Não escondo a minha curiosidade em comparar os resultados. A resposta à questão sobre Deus será exactamente a mesma que a resposta à questão sobre Jesus?

 

No fundo, não estaremos diante de um problema de credibilidade? Será que a forma como as igrejas falam de Deus corresponde ao modo como Jesus deixava transparecer o Pai?

 

No limite, não poderá Deus ser vítima das próprias igrejas?

 

O ateísmo leva-nos sempre muito longe. E, como advertem os melhores teólogos, ele acaba por ser um irmão gémeo da fé. Irmão talvez desavindo, mas muito próximo.

 

A interacção entre a fé e a descrença é um tópico que não podemos negligenciar.

publicado por Theosfera às 00:00

Quinta-feira, 28 de Abril de 2011

Diante de uma tragédia como a que, esta noite, ceifou a vida a seis compatriotas nossos nas estradas da França, Deus é imediatamente convocado.

 

João Paulo II, na Salvifici doloris, reconhecia que o sofrimento é não só uma questão colocada a Deus, mas, muitas vezes, contra Deus.

 

O dilema vem da antiguidade. Já Epicuro o enunciava com um brilho perturbante. Uma síntese pode ser elaborada do seguinte modo. Se Deus é omnipotente, porque é que não actua? Se não actua, como é que é Deus?

 

Não raramente, a tendência é tudo remeter para a esfera do mistério. E não há dúvida de que nem a mais elaborada teodiceia consegue oferecer uma explicação cabal para a origem do mal. Nem para o mal físico nem para o mal moral. Porque é que temos de sofrer? Então acerca das crianças, quem não sente um aperto na alma diante do seu sofrimento?

 

Os especialistas, como Walter Kasper, apontam mesmo o protesto contra o mal como uma das variáveis mais poderosas do ateísmo.

 

Andrés Torres Queiruga, na sua mais recente obra, enceta uma reflexão entre a ponerologia e a teodiceia.

 

Para ele, o mal, enquanto carência, decorre da finitude estrutural do mundo. Por muito que nos doa, estamos num mundo finito, imperfeito. Temos de conviver com a contingência.

 

Deus, a partir do testemunho de Jesus, não é uma explicação para a origem do mal. É sobretudo uma presença na luta contra o mal. Inspirando-se em Alfred Withead, Torres Queiruga apresenta Deus como o Anti-Mal.

 

É certo que os problemas não ficam superados nem as perguntas respondidas.

 

Uma coisa é certa. Urge abandonar, de vez, o discurso sobre um Deus que castiga. Como compaginar tal discurso com a imagem de um Deus Pai?

 

Um Pai nem sempre consegue impedir o sofrimento dos filhos. Mas está com eles quando sofrem. Está com eles para vencerem o sofrimento.

 

O sofrimento transforma a questão de Deus. Deus transforma a questão do sofrimento.

 

As questões não ficam apagadas. Porventura, até ficarão mais adensadas. Mas o caminho que resta é a certeza de que um Deus solidário e, quase sempre, silencioso habita a nossa alma na hora da nossa dor.

publicado por Theosfera às 22:37

Há quem se espante por não notar diferenças de vulto entre crentes e não crentes na vida pública.

 

A diferença pode estar entre quem assume os comportamentos em nome próprio e quem os atribui a Deus.

 

Só que, sem se aperceberem, tratar-se-á mais de uma divindade construída do que de uma inspiração acolhida.

 

E é assim que encontramos perseguições e condenações tanto no âmbito religioso como no espaço irreligioso.

 

Deus não é a justificação dos nossos actos, mas o estímulo para que possamos superar muitos deles.

 

Deus é o que nos leva a superar-nos, não a justificar-nos.

 

O mundo das religiões nem sempre oferece a melhor guarida ao divino.

 

O silêncio da procura fá-lo aspirar mais que a torrente de muitos discursos.

publicado por Theosfera às 22:00

Já Agostinho da Silva assinalava que Deus é logos, mas, muitas vezes, parece a-logos, isto é, longe das palavras, habitante dos silêncios.

 

De uma coisa estamos seguros: não é pelas palavras que muitos Lhe atribuem que Ele mais vem ao nosso encontro.

 

Parafraseando uma conhecida máxima bíblica, seria tentado a dizer que é mais fácil encontrar Deus nas profundezas do silêncio do que na suposta eloquência de muitas palavras pronunciadas em Seu nome.

publicado por Theosfera às 19:31

Zubiri disse o óbvio quando afirmou que «viver é optar».

 

As nossas opções revelam a nossa identidade, o nosso ser, o nosso carácter.

 

Na sua variedade, se repararmos bem, as escolhas tendem a aproximar-nos dos vencedores.

 

Elaine Pagels alerta que a própria história tende a ser feita a partir de quem vence.

 

Deus não é assim. Só que nós não nos apercebemos. E até cometemos o topete de instrumentalizarmos Deus como um escudo para as nossas opções.

 

A imutabilidade de Deus consiste, acima de tudo, na Sua fidelidade.

 

Deus não é neutro. Mas a Sua opção não é difícil de apurar.

 

O Talmude judaico apresenta-nos o seguinte:

 

«Deus está sempre ao lado do perseguido.

 

Se um justo persegue outro justo, Deus põe-Se ao lado do perseguido.

 

Se um perverso persegue um justo, Deus põe-Se ao lado do perseguido.

 

Se um perverso persegue um perverso, Deus põe-Se ao lado do perseguido.

 

Se um justo persegue um perverso, Deus põe-Se ao lado do perseguido».

 

Deus não está com o justo só por ser justo. Deus está com ele desde que ele não persiga ninguém. O perseguido pode nem ter sido justo, mas nada justifica que seja perseguido.

 

Mesmo quando está em causa a verdade ou a razão, tudo cai diante da força ou da violência. Quem se julga na posse da verdade ou da justiça e parte para a violência, não conte com o apoio de Deus.

 

Os perseguidos, sim. Podem não ter razão. Podem não ter apoios. Mas Deus está com eles.

 

Muito temos todos que aprender com Deus. A começar pelas próprias igrejas. Também nelas houve perseguições, perseguidores e perseguidos.

 

Os perseguidores invocam o nome de Deus. Mas só os perseguidos podem estar certos da Sua presença.

 

A história, segundo Deus, não é como a contamos.

publicado por Theosfera às 11:48

Há qualquer coisa de surreal na conjuntura que estamos a atravessar.

 

Se o nosso problema é a despesa, como entender esta aventura eleitoral? Os dois principais partidos estimam gastos na ordem dos quatro milhões de euros!

 

É claro que a democracia tem custos. Mas também tem benefícios.

 

Sucede que, na hora presente, só damos conta dos custos.

 

Mesmo assim, antes a pior das democracias que a melhor das ditaduras.

 

O fruto da democracia não se afere só pelos resultados. Afere-se, antes de mais e acima de tudo, pelos princípios, pela conduta, pelos valores.

 

Só que a democracia tem de ser permanentemente refundada até para não abrir as portas à sua negação.

 

O respeito pela lei em articulação com a justiça e a vontade das pessoas são as vértebras que nunca podem ser desatendidas ou negligenciadas.

 

A hora não é entusiasmante. Mas o momento que vivemos é uma oportunidade soberana para repormos o essencial na nossa vida cívica: decência, verdade e solidariedade.

 

A democracia está em crise. Mas não está moribunda.

publicado por Theosfera às 11:40

Quarta-feira, 27 de Abril de 2011

Vitorino Magalhães Godinho teve uma vida longa, legou-nos uma vasta obra, ofereceu-nos um perfil de excepção e deixou-nos também um aviso sério.

 

É quando morrem pessoas desta envergadura que melhor nos apercebemos de quão carentes estamos, hoje, de referências.

 

Esta é a nossa maior pobreza. A qual está na raiz de todas as outras.

publicado por Theosfera às 16:41

É prematuro antecipar os resultados, mas não é difícil imaginar o cenário.

 

Algures, num gabinete em Lisboa, alguém munido de uma tesoura vai fazendo cortes. Cortes nos salários, cortes nas reformas, cortes nas perspectivas.

 

Parece só não haver cortes na ambição, na vontade de poder. Já o discernimento também aparece a sofrer um grande corte.

 

Do que precisamos, nesta hora, é de espírito e de esperança. E, já agora, também de alguém que corporize as ânsias de um povo deprimido e os valores que configurem a mudança.

publicado por Theosfera às 10:31

Terça-feira, 26 de Abril de 2011

1. Não sou, por natureza e formação, sensível às teorias da conspiração.

 

Não creio, por isso, que haja uma intenção deliberada de explorar as fragilidades da Igreja.

 

O que existe resulta de um desconforto quando não se assume, com humildade e transparência, a ocorrência dessas fragilidades.

 

O que subsiste é uma amargura diante da presunção de uma força que quase não admite falhas. É por isso que, quando estas são conhecidas, a tendência é para as explorar até à exaustão.

 

Sucede que, olhando para Jesus, a Igreja não tem motivos para vacilar diante da fragilidade.

 

A salvação assenta, por muito que isso nos desconcerte, num mistério de fragilidade.  

 

Trata-se de uma fragilidade inteiramente assumida, francamente exposta e abertamente oferecida.

 

Não percamos de vista que nem Jesus esconde a Sua fragilidade. Quando Se apresenta pronto para sofrer a morte, confessa que «a carne é fraca» (Mt 27, 41).

 

 

2. No fundo e como reconheceu Tony Blair, «ser humano é ser frágil».

 

Jesus não fez exibições de força. A Sua maior força radicou na capacidade de encarar a fraqueza e de estender a mão aos mais fracos.

 

A Igreja de Jesus não é formada pelos melhores, mas por pessoas que se dispõem a dar o seu melhor. 

 

O ensinamento de Jesus é precioso também a este propósito. Ele não pressiona nem exclui. A própria pecadora é acolhida. E, no último instante, o paraíso é franqueado a um ladrão.

 

Será que já nos apercebemos de que, como lembra subtilmente Timothy Radcliffe, o primeiro cristão a ir para o céu foi um ladrão?

 

 É claro que, desde o princípio, não foi fácil aceitar isto. Segundo um poema siríaco muito antigo, houve um anjo que tentou impedir que o bom ladrão entrasse no céu!

 

 Só que Aquele que veio chamar os pecadores (cf. Mc 2, 17) não iria deixar ninguém de lado, muito menos «aqueles cujas vidas são um caos».

 

A virtude não é a ausência de falhas nem a isenção de erros. Ela assenta num esforço de autocrítica. E configura uma permanente tentativa de superação.

 

A virtude não exclui a falha. Inclui, sim, o recomeço após todas as falhas.

 

 

3. É por isso que a exibição de virtude é pouco apreciada. Pressupõe uma superioridade que nem sempre encontra o devido enquadramento na vida.

 

 Acresce que um discurso que não tolere a falha tem, inevitavelmente, o efeito contrário: torna intolerável a falha de quem não tolera a falha.

 

O exibicionismo não é, ao contrário do que se possa pensar, uma forma de revelação. Acaba por ser um modo de encobrir. O problema é que, nos tempos que correm, torna-se cada vez mais difícil encobrir.

 

Um banho de humildade é sempre purificador. Uma certa animosidade para com a Igreja não está tanto nas falhas que nela ocorrem. Radica na pretensão (implicitamente sugerida) de que os seus membros são melhores.

 

 Nenhum exibicionismo aproxima de Cristo. E para quem se julga superior não deixe de pensar que foi um ladrão o primeiro cristão a subir ao Céu.

 

 

4. Tudo isto mostra que não é quando nos distanciamos do humano que nos aproximamos de Deus.

 

Pelo contrário, é quando aterramos na profundidade do humano que melhor tocamos o divino.

 

 Para Deus sobe-se descendo. Foi das profundidades da terra que Jesus irrompeu para Deus.

 

Divino, a partir de Cristo, não é, pois, a distância ontologicamente intransponível entre Deus e o Homem.

 

 O divino está também no humano que se transcende, no humano que se dá, no humano que se entrega.

 

 Haverá algo mais divino do que a humanidade doada de Jesus?

publicado por Theosfera às 11:29

Num tempo de tumulto verbal permanente, parece que temos resposta para tudo, menos para uma questão: a questão do mal.

 

O mal põe tudo em causa. Nem as palavras ficam de fora. Não explicam nada. Só parecem complicar tudo.

 

O próprio crente vê-se em apuros para lidar com este problema de supina gravidade.

 

Repensar o mal torna-se, por isso, uma tarefa pertinente.

 

É a proposta de Andrés Torres Queiruga na sua mais recente publicação. A não perder.

publicado por Theosfera às 10:11

O cidadão não pede muito aos actores políticos.

 

O mínimo que lhes solicita é que não digam por que não devemos votar nos outros; digam, sim, por que deveremos votar neles.

 

Não avaliem as propostas dos outros. Essa é uma tarefa nossa.

 

Apresentem os vossos projectos. Essa é uma missão vossa.

 

Será esperar muito? 

publicado por Theosfera às 09:40

Segunda-feira, 25 de Abril de 2011

Há 37 anos, neste dia, devia estar na escola, mas fiquei em casa. Não foi por causa da revolução. Foi devido a um acidente que tivera no dia 7 de Abril, no qual fracturei o braço direito.

 

Como não podia escrever, o professor achou melhor que recuperasse em casa.

 

Mas, mesmo assim, durante a maior parte do dia ninguém na aldeia se apercebeu de nada. 

 

As pessoas estavam nos campos e a televisão só se ligava à noite.

 

Só a meio da tarde, por volta das quatro horas, a minha Madrinha passou por casa e disse que alguma coisa estava a acontecer em Lisboa.

 

Nesses tempos, os telejornais eram às nove e meia da noite.

 

No entanto, nesse dia, começaram a surgir informações mais cedo. Anunciava-se, a qualquer momento, um comunicado da Junta de Salvação Nacional.

 

Apesar de cansados, os meus Pais foram ficando à espera e, apesar dos meus nove anos, fiquei com eles.

 

Até que, penso que já perto da meia-noite, a referida Junta apareceu. As atenções estavam fixadas no General António Spínola.

 

A única coisa que retenho do discurso foi a sua alusão à defesa da moral. Nessa altura, o meu saudoso Pai disse: «Podemos ir dormir, porque tudo vai correr bem».

 

E lá fomos descansar. Nos dias seguintes, tudo na aldeia continuou igual.

 

Havia um ambiente de incerteza, mas também uma sensação de descompressão. 

 

A canção de Paulo de Carvalho E depois do adeus passava com insistência. Tinha sido a vencedora do Festival, ocorrido uns dias antes. Recordo que a música preferida na aldeia tinha sido No dia em que o rei fez anos, de José Cid.

 

Hoje em dia, por muito desinformado que alguém esteja, é impensável que aconteça uma revolução de madrugada e uma aldeia inteira só dela saiba a meio da tarde.

 

Outros tempos. Mas aquele dia inicial nunca se apagou da minha memória.

publicado por Theosfera às 09:34

1. O ideal do 25 de Abril é belo, é cristão. Não o deixemos amordaçar. Nem adiar.

 

 A liberdade é um tema essencialmente bíblico e marcadamente cristão. Se amputássemos da Sagrada Escritura o vocabulário relativo à liberdade ficaríamos, seguramente, com menos de metade do texto sagrado.

 

 Cristo é o paradigma da liberdade porque é o paradigma da verdade. Só na verdade há liberdade (cf. Jo 8, 32)

 

Uma vida de mentira não é uma vida livre. Pelo contrário, é uma vida oprimida e opressora.

 

Jesus pagou um alto preço por causa do Seu compromisso com a verdade. Nunca seguiu a corrente. Nunca pactuou com interesses. Era verdadeiro. Era livre.

 

 

2. Em nome de Cristo, a Igreja nunca se pode calar quando a liberdade está em risco.

 

A Igreja nunca pode estar do lado dos opressores. E o silêncio, como é óbvio, pode ser interpretado como conivência com os opressores.

 

A liberdade está ameaçada quando os direitos não são respeitados e quando as injustiças são promovidas.

 

Não havia liberdade em Portugal antes do 25 de Abril. Mas será que, hoje, há liberdade?

 

Haverá liberdade quando uma parte significativa da população é impedida de aceder ao trabalho, à saúde e à educação?

 

Haverá liberdade quando o delito de opinião dá sinais de ter regressado, quando uma pessoa é estigmatizada por assumir o que pensa e por dizer o que sente? Não será, por isso, altura de, também em Portugal, libertar a liberdade?

 

 

3. Em nome de Cristo, a Igreja não se pode limitar a dar o pão aos famintos. Tem de ser também a voz dos espezinhados, dos explorados.

 

A Igreja não pode ter medo das reacções. Só há reacção perante uma acção. Antes a crítica por causa da intervenção corajosa do que a censura por causa do silêncio cúmplice.

 

Em nome de Cristo, a Igreja não pode pairar sobre a vida. Tem de aterrar na vida. Na vida das pessoas, especialmente das pessoas pobres.

 

Na hora que passa, a Igreja tem o dever de ajudar a reconduzir a liberdade ao seu ambiente natural.

 

É preciso recolocar a liberdade na verdade, na justiça e no desenvolvimento.

 

Necessitamos de liberdade para procurarmos a verdade. E necessitamos da verdade para crescermos em liberdade. Sem liberdade não há verdade. Sem verdade não há liberdade.

 

Enquanto esta associação não estiver bem assimilada, a corrupção continuará a crescer. Por muitas leis que se façam, só quando a consciência estiver predisposta para a verdade é que a vida será lisa, limpa.

 

A justiça é, porventura, o domínio onde mais temos falhado. Falo da justiça processual e sobretudo da justiça existencial.

 

A nossa justiça é lenta, não estimula o cumprimento do dever. Pior, quase incentiva o seu incumprimento.

 

Quem tem princípios, parece não prosperar. Há que apostar na transparência de métodos e na equidade de tratamentos.

 

Hoje em dia, Portugal é um país muito injusto. As assimetrias entre o litoral e o interior são mais que muitas. O desnível entre classes é aflitivo. A disparidade de salários é chocante. Um país injusto é um país livre?

 

 

4. O desenvolvimento é visto numa perspectiva prioritariamente física, estrutural. Há, de facto, obra feita: estradas, edifícios, serviços.

 

É importante, mas não basta. É imperioso apostar nas pessoas, na sua qualificação.

 

O desenvolvimento é, sobretudo, abrir oportunidades. Que desenvolvimento há num país onde o salário médio é tão baixo, onde as listas de espera na saúde são tão extensas, onde ainda há pessoas que não sabem ler, onde o consumo de jornais e de livros é tão reduzido?

 

O 25 de Abril não está concluído. É preciso que todos peguemos nele. 

publicado por Theosfera às 00:01

Haverá um fundamento teológico da democracia?

 

Eis o que nos diz António Sérgio que, não sendo teólogo, faz teologia neste campo: «A criação é como é porque o Criador Se quis obrigar a respeitar a liberdade da criatura. Deus enunciou a lei; não instituiu, porém, a censura; deixou-nos a liberdade de proceder, com a responsabilidade pelos nossos actos. É blasfémia para todo o cristão o colocar-se um homem acima de Deus negando-se a respeitar o que Deus respeitou. O verdadeiro religioso não pode ser senão democrata».

 

Eis, entretanto, as razões que ele apresenta para que seja tão difícil viver sob este regime: «O que mais dificulta que a boa semente democrática germine é a terrível falta constante de autodomínio e de "assessego", de esforço para a objectividade e para a ordenação do espírito. Expressamo-nos de maneira cálida e explosiva, com muita impetuosidade e em voz alta, sem querer ouvir quem nos fala, sem rebates de consciência quanto à exactidão do que afirmamos».

publicado por Theosfera às 00:00

Domingo, 24 de Abril de 2011

É um facto.

 

A pessoa mais importante da História não tinha cursos de marketing, não usava técnicas sofisticadas para atrair multidões e até acabou condenado e morto.

 

Qual o segredo, então, para, passados dois mil anos, continuar a ser a pessoa mais influente do mundo?

 

A Sua autenticidade!

publicado por Theosfera às 00:01

Sábado, 23 de Abril de 2011

 

Mons. Eduardo António Russo foi um homem de dedicação extrema e generosidade ilimitada.

 

Quanto aos problemas, a sua grande preocupação era: evitá-los, enfrentá-los e resolvê-los.

 

Procurou sempre amortecer ânimos mais exaltados.

 

Apesar da idade, nunca regateou esforços, trabalhando até ao último dia e entregando-se até ao derradeiro instante.

 

No trato com os sacerdotes era afável, recto e verdadeiro. Teve como objectivo prioritário ajudá-los na sua acção pastoral e auxiliá-los nas mais diversas questões que lhes surgiam.

 

Devoto de Nossa Senhora dos Remédios, foi d’Ela um fiel servidor. O serviço como Juiz da Irmandade entusiasmava-o e mobilizava-o por dentro e por fora.

 

Morreu há quatro anos.

 

Mantinha um bom relacionamento com toda a gente. Era de Soutelo por nascimento, tornou-se lamecense por adopção.

 

Sentiremos muito a sua falta. Sentiremos sempre a sua intercessão.

publicado por Theosfera às 20:12

Os sábios conseguem as palavras certas (até) para as atitudes erradas.

 

O que vou contar refere-se a um ilustre professor universitário, falecido no início de 2010.

 

Trata-se do Padre Manuel Barbosa da Costa Freitas e a evocação pertence a José Rosa, na revista da Sociedade Científica da Universidade Católica.

 

Diz o articulista que, na personalidade do mestre, coexistiam uma inteligência fulgurante e uma inocência pura. Estes são, de facto, os maiores ingredientes da sabedoria.

 

Sem bondade, que por vezes aparenta rasar a ingenuidade, é a própria inteligência que fica obscurecida.

 

Era com este espírito que o Padre Costa Freitas costumava repetir quando sentia aproximar-se o ocaso da sua peregrinação terrena: «As pessoas perdoam-nos facilmente o mal que fazemos; mas algumas nunca perdoam o bem que lhes fizemos».

 

Porquê? Aí é que está a dificuldade. Não há qualquer vislumbre de explicação. Nem os sábios a lobrigam. Será que tal resposta existe?

 

Trata-se de um facto que está na vida. Inexplicável. Mas presente. Há,pois, que contar com ele.

 

Há que pense que isto é uma simples boutade. Mas trata-se de uma enorme verdade. Há quem nunca perdoe o bem...

publicado por Theosfera às 20:06

Hoje é o dia mundial do livro. A melhor forma de o celebrar é ler.

 

É bom que se leia.

 

Podemos ler o jornal, ler pela net. Mas confesso que ler o livro conserva um sortilégio indescritível.

 

A leitura de um livro é uma emanação que replica a leitura da vida.

 

Num livro palpita a vida.

 

É preciso tempo e também paciência para escrever e para ler.

 

Um livro anda, muitas vezes, na vida antes de aparecer em livro.

 

Sucede igualmente que, ao folhearmos um livro, ficamos com a sensação de que era aquilo mesmo que nós gostaríamos de escrever. Só que houve alguém que o captou primeiro.

 

Um livro tem de ser um acto de sinceridade. Tem de ter alma. Isso é muito mais importante que ter estilo.

 

É com pesar que leio a notícia de um possível plágio numa tese de doutoramento.

 

Espero que seja mentira.

 

Citar é uma coisa, é pedir e é reconhecer o mérito a quem nos facultou a ideia.

 

Plagiar é outra coisa, é furtar e é tentar iludir. É dar a entender que uma coisa nos pertence quando ela foi subtraída a outrem.

 

Reconheço que, hoje em dia, não é fácil ser original.

 

Às vezes, em nome de uma pretensa originalidade, cometem-se os maiores dislates.

 

O importante é ser autêntico. É que se vislumbre a alma daquele que, sob uma palavra, quis estar perto de nós.  

publicado por Theosfera às 20:04

É para o alto que vamos.

 

É do fundo que partimos.

publicado por Theosfera às 10:20

Onde esteve Jesus desde a Sua morte até à Sua ressurreição?

 

Eis um dos mais estimulantes convites à procura do saber e, ao mesmo tempo, um dos mais poderosos certificados do não-saber. Não é ilícito procurar aquele, mas é importante aceitar este: não é o não-saber uma das expressões mais vivas do saber?

 

Escutemos o que diz Hans Urs von Balthasar: «Eloquentes quando descrevem a paixão de Jesus vivo até à morte e sepultura, os Evangelhos tornam-se naturalmente silenciosos quando se trata do tempo

que medeia entre o sepultamento e a ressurreição.

 

Devemos estar-lhes gratos por isso. O silêncio pertence à morte, não apenas no que se refere à tristeza dos que sobrevivem, mas, principalmente, em relação ao paradeiro e à situação do morto».

 

Mas, sinceramente, quem lê este magnífico texto fica com a impressão de que von Balthasar até presenciou o que aconteceu.

 

O saber que resulta deste não-saber primordial permite-nos chegar ao essencial: este acontecimento (descida de Jesus à terra) «é sobretudo salvífico, significa a introdução dos frutos da Cruz no abismo da perdição e da morte».

 

Há uma passagem no Evangelho de Nicodemos que ilustra esta afirmação: «À meia-noite, um clarão de sol penetrou naquelas trevas e todos os recantos do Hades tornaram-se luminosos»!

 

Mas, amigo leitor, leia mesmo este texto de von Balthasar. Ficará como eu: extasiado!

publicado por Theosfera às 09:42

No Sábado Santo não há nenhuma liturgia oficial. As igrejas estão vazias. Os altares desnudados. Os tabernáculos abertos e vazios. As velas apagadas. O silêncio pervade todos os ambientes. É uma experiência de recolhimento e atitude de espera.

Tudo para lembrar que Cristo desce à mansão dos mortos e assume o destino e a limitação do ser humano. Ele é solidário até o fim e faz a descida da morte, entra no seu mistério, para sair vitorioso e abrir para todos um caminho de luz e esperança.

 

Não é, por isso, sábado de aleluia: aleluia é só a partir de Domingo.

 

A Vigília Pascal, cronologicamente, começa no sábado. Mas, kairologicamente, decorre já no Domingo.

 

Isto porque o povo a que Jesus pertenceu considera que o dia começa quando o sol se põe. 

 

Portanto, o sábado é um dia de reflexão, meditação e expectativa.

 

O Senhor ressuscitará.

publicado por Theosfera às 09:40

Sexta-feira, 22 de Abril de 2011

É ali, na Cruz, que se encontra a dura cátedra e a última lição.

 

Olhamos para ela. Mas será que aprendemos com ela?

 

O que vem da Cruz é despojamento, humildade. É presença. E é também abandono. É o divino que reluz numa humanidade que resplandece mesmo quando se apaga.

 

A Igreja, segundo um teologúmeno muito antigo, nasce aqui: numa morte, portanto.

 

Também a Igreja existe para morrer. Ou seja, para se descentrar. Ela existe não para si, nem por causa de si. Ela existe para ser aquela respiração divina na humanidade dos seus membros.

 

É por isso que só o poder desfigura a Igreja. Não é a humanidade.

 

A Igreja trouxe-nos Cristo. Levar-nos-á, hoje, até Cristo?

 

Não são as palavras que depõem. É o amor (ou a sua ausência) que decide.

 

O mundo continua a estremecer diante do Crucificado. E há uma luz de encantadora humanidade que se desprende de uma vida que se entrega.

 

A morte de Cristo é morticida. Mata a morte. Até a morrer se pode oferecer um autêntico padrão de vida.

 

Numa altura em que a questão de sentido adquire novos patamares de dramaticidade, eis uma preciosa oferta que nos vem da Cruz. De uma vida que se dá.

publicado por Theosfera às 12:02

Quinta-feira, 21 de Abril de 2011

Queixa-se o poeta de que gastamos as palavras pela rua.

 

Há sinais de desgaste do discurso.

 

Aquelas palavras que, há anos, mobilizavam agora parecem provocar tédio.

 

Nem sequer as palavras outrora mais acarinhadas suscitam qualquer ponta de entusiasmo.

 

Precisamos também de uma nova narrativa. De palavras que não insistam no mesmo, que não sejam repetitivas. Precisamos de palavras que, evocando o essencial de sempre, não se arrastem pelo tempo, mas infundam novos impulsos de esperança.

publicado por Theosfera às 16:42

Uma hetero-avaliação pressupõe sempre uma disponibilidade para a autocrítica.

 

Verdade seja dita que o Papa não se tem poupado a este duplo esforço.

 

Do que disse esta manhã fica o reconhecimento de muita dedicação, mas ecoa também uma pergunta inquietante: «Porventura nós, povo de Deus, não nos tornamos em grande parte um povo marcado pela incredulidade e pelo afastamento de Deus?»

 

Esta interpelação pode ser lida em ligação com a afirmação de Pacheco Pereira («Quanto mais perto da Igreja, mais longe de Deus»).

 

Há, sem dúvida, muitas luzes no caminhar do Povo de Deus e o Papa não deixa de as apontar. Mas o que mais interpela nesta hora é a sombra da incredulidade.

 

A impressão que, muitas vezes, subsiste é que, dentro do próprio Povo de Deus, a fé está obscurecida. Aliás, já há décadas, Ratzinger ventilava a possibilidade de a Igreja ser não um anúncio, mas um obstáculo.

 

Nesta hora, entremos no silêncio da meditação, do exame, da autocrítica.

publicado por Theosfera às 16:24

Há lágrimas que, não correndo pela face, escorrem pela alma.

 

A humildade de Jesus, o amor de Jesus, o despojamento de Jesus, a paz de Jesus não são apenas para ser evocados em rituais. São, acima de tudo, alicerces para uma vivência.

 

Muito se fala de Jesus por estes dias. Que se viva Jesus em cada dia.

 

Ele morre por nós. Que Ele viva em nós.

 

Muitas vezes, a presença de Jesus é percebida em forma de uma ausência, de uma distância. Não d'Ele em relação a nós, mas de nós em relação a Ele.

 

Muito há para celebrar, sem dúvida. Muito mais há para viver. Inquestionavelmente.

publicado por Theosfera às 09:53

Disse Zubiri, e creio que com razão, que as maiores criações do espírito humano eram a filosofia grega, o direito romano e a religião cristã.

 

O Cristianismo posiciona-se talvez como a síntese, já que assimilou os outros dois elementos. Foi à filosofia grega que recorreu para se explicitar e foi o direito romano que assimilou para se organizar.

 

Só que, a páginas tantas, o que seria chamado a ter uma função instrumental começa a exercer um papel preponderante. Muitas vezes sem nos apercebermos, estamos mais a discutir conceitos filosóficos e normas jurídicas do que a escutar a Palavra de Jesus.

 

A helenização da doutrina e a romanização da organização constituem, por um lado, um sintoma de força e configuram, por outro lado, um perigo. Mostram que o Cristianismo tem uma grande capacidade de adaptação, mas assinalam também o perigo de um certo desfiguramento.

 

Por estes dias, volta a discutir-se muito a situação da Igreja. De novo se fala da doutrina e organização. É importante que, pelo menos neste tríduo pascal, reaprendamos a olhar para Jesus na Sua inteireza e na Sua (digamos) transcendência em relação a tantas palavras.

 

Deixemos ressoar os Seus gestos como o lava-pés ou o Seu apelo a que nos amemos uns aos outros.

 

Não são precisos grandes comentários. Só é necessária uma grande disponibilidade para a vivência, para o testemunho.

 

Este é o tempo de fazer ressoar a palavra, amassada em vida e regada com sangue, de Jesus.

 

N'Ele existe sempre uma interacção simbiótica entre a palavra dos lábios e a palavra da vida.

 

Quem mais ama é quem melhor cumpre.

 

Só o amor é digno de fé, dizia o teólogo.

publicado por Theosfera às 00:00

Quarta-feira, 20 de Abril de 2011

Nos grandes momentos costumam emergir grandes personalidades.

 

Todos nos lembramos de um Churchill, de um Adenauer, de um Jacques Delors ou, entre nós, de um Mário Soares, de um Ramalho Eanes, de um Freitas do Amaral, de um Ernâni Lopes.

 

Cada um a seu modo, marcaram as suas épocas pela determinação, pela seriedade, pela capacidade de agregar vontades.

 

Quem emerge agora?

 

A televisão está a ouvir personalidades que se destacaram no passado. Mas já não estão no activo. Ou por falta de vontade ou porque os caminhos estão tapados. Ou, pura e simplesmente, porque o ar do tempo favorece estilos mais vaporosos.

 

Faltam lideranças fortes, que apontem caminhos, que antecipem cenários e, sobretudo, que puxem pela população. 

 

Estamos carentes de ideias e órfãos de líderes.

 

E é assim que, à força de tanta reportagem, já não falta muito para nos habituarmos à ideia de que Paul Thomson, delegado do FMI, é quem está à frente dos nossos destinos.

 

É por ele que tudo parece passar. Na pasta que o acompanha está o nosso futuro mais próximo.

publicado por Theosfera às 21:27

Um trabalhador português trabalha, em média, mais que qualquer outro trabalhador europeu e ganha, em média, metade do que este ganha.

 

Já um gestor público português chega a ganhar, em média, 30%, 40% ou até 50% mais que um gestor público americano, finlandês ou espanhol.

 

Os decisores internacionais, que vão tomar medidas para nós cumprirmos, deviam fazer o que os decisores nacionais não têm feito: cortar em quem ganha mais e aumentar a quem ganha menos. Não se vê outro modo de encurtar distâncias e anular assimetrias.

 

Mas o que se anuncia difere só em grau (não em substância) do que tem sido realizado: cortes para todos. Sendo assim (e se for assim), quem mais sofre é quem já mais tem sofrido.

 

Não admira que as pessoas tendam a desfrutar dos feriados e que até queiram acrescentar ainda mais tolerâncias de ponto. O impacto do real é demasiado doloroso. Este descanso não será tanto para repor energias, mas para esquecer (por instantes) a ditadura do real.

 

É por isso que temos dificuldade em ouvir quem nos alerta. E quando ficámos estupefactos com aquela senhora que defendeu a suspensão da democracia por seis meses, mal imaginávamos que ela estava a pecar por defeito.

 

É claro que um bastonário da Ordem dos Advogados não deve fazer exortações à abstenção. Só que, ganhe quem ganhar as eleições, o nosso futuro já está decidido. E não será decidido por nós.

 

Um dos partidos até já disse que o seu programa era o do FMI. Se isto não é uma capitulação...

 

A democracia ficará suspensa não por seis meses, mas por alguns anos.

 

Apesar de o resultado estar decidido, é importante participar.

 

A democracia pode não funcionar. Mas é fundamental que a não deixemos extinguir.

 

A voz do povo pode não contar. Mas é bom que, mesmo assim, ela se faça ouvir.

 

A democracia pode desistir de nós. Mas nós não podemos desistir da democracia. 

publicado por Theosfera às 16:22

A fé não é só o lugar das respostas. Também pode ser o espaço das perguntas.

 

Ela acolhe não tanto quem sabe, mas quem procura, quem não desiste de procurar.

 

Mesmo quando nos capacitamos de que é pouco (ou quase nada) o que sabemos, a percepção continua a ser estimulante.

 

É que o não-saber é o primeiro saber. É o saber árquico, primordial. É ele que nos permite ter acesso a todo o outro tipo de saber. Sem o não-saber não há qualquer outro saber.

 

Os últimos tempos têm feito chover, em catadupa, perguntas sobre Jesus.

 

Onde terá estado nos 17 anos da vida privada? Em Nazaré? No Egipto? Na Índia? No Tibete? O relatório de Nicolas Notovitch, a partir de uma investigação no mosteiro budista de Himis, é muito insinuante.

 

Santo Issah (o nome dado a Jesus) era uma figura venerada pelos budistas. Como o era pelos muçulmanos.

 

Os manuscritos de Qumran, os textos de Nag Hammadi e outros vieram levantar muitas interrogações. Mostram que, desde sempre, houve uma curiosidade imensa em torno de Jesus.

 

Mesmo esta discussão em torno da data da Última Ceia não deixa de ser interpelante. Trata-se de um físico que se lança neste esforço.

 

O mais importante é a profundidade da mensagem e o alcance dos gestos.

 

De todos os pontos é possível ver Jesus. Nenhum nos desaponta.

publicado por Theosfera às 13:55

«Laico é quem não é religioso», diz o articulista de um conhecido jornal.

 

É a definição mais vulgar. Será a mais genuína?

 

Laico vem de laos e laos significa povo.

 

Trata-se, por isso, de uma noção abrangente.

 

Laico é quem faz parte de uma comunidade. É quem assume e expressa a sua identidade e aceita a expressão da identidade dos outros.

 

A laicidade é, neste sentido, o sintoma da maturidade de um povo. É a capacidade de conjugarmos as nossas diferenças sem nelas vermos antagonismos.

 

Não são as diferenças que afastam. Para Unamuno, até reforçam a união.

 

As diferenças são uma escola. Aprender é abrirmo-nos ao que não sabemos, é integrarmos a diferença.

 

Na vida, não aderimos a tudo. Mas não podemos excluir a manifestação de nada. O único limite é a perturbação da paz e da convivência.

 

Numa correcta laicidade ninguém se sobrepõe. Todos se irmanam.

 

O sinal da laicidade não é quando alguns apontam o dedo. É quando todos dão as mãos.

 

publicado por Theosfera às 10:54

Faz, hoje, cem anos que foi promulgada a célebre Lei da Separação entre a Igreja e o Estado.

 

A República marcava, assim, o seu espaço e definia um alvo bem preciso.

 

O ambiente era tudo menos pacífico.

 

Os bispos tiveram de sair das dioceses. As paróquias eram dirigidas por comissões nomeadas pelo poder local (as famosas cultuais). Os bens da Igreja foram expropriados. Roma reagiu e a tensão cresceu.

 

Houve, em tudo isto, muita dor, muita divisão, mas também muita purificação.

 

A reacção, de um lado e de outro, não foi uniforme.

 

Apesar da crispação, a prática religiosa manteve-se e, em alguns sectores, até se intensificou.

 

Houve, nos últimos dias, quem aventasse a hipótese de um pedido de perdão por parte do Estado.

 

Creio que o mais importante é o clima de pacificação. Hoje, há novos problemas que precisam de ser equacionados.

 

O pedido de perdão pressupõe uma vontade de mudança. Ora, a mudança, em relação a 1910, está consubstanciada.

 

Mais difícil é pedir perdão por aquilo que ainda está em curso.

 

A própria Igreja já pediu perdão pela Inquisição, pelas Cruzadas. Foi há cerca de dez anos. Os factos em apreço sucederam há séculos.

 

Mais vale tarde que nunca. Desejável é não chegar tão tarde à avaliação dos acontecimentos.

 

Basta que haja mais Evangelho e menos apego ao poder.

publicado por Theosfera às 10:44

Em tempos, esta era a Quarta-Feira de Trevas.

 

E, de facto, o ambiente está a condizer.

 

As negociações com a troika prosseguem e os sinais são pouco encorajadores.

 

A austeridade vai atingir toda a gente, mas irá doer mais a quem já tem menos.

 

Fala-se na redução do subsídio do desemprego, em alterações ao mercado laboral. Será inevitável. Mas é também o mais fácil.

 

Difícil seria moralizar os gastos públicos, rever algumas parcerias público-privadas, retirar o Estado da televisão e da rádio, etc.

 

Só que isto não vai apenas com medidas. E temos de convir que quem nos vem ajudar terá difículdade em lidar com certas situações.

 

Num momento tão aflitivo e em que vamos ter dois feriados seguidos (sexta e segunda), como entender mais meio feriado na tarde de amanhã?

 

Se temos de produzir mais, como perceber que, nos próximos dias, produzamos ainda menos?

 

O povo precisa de descomprimir, mas o trabalho não deixa de ser uma prioridade.

 

E nem sequer está em causa a participação nas celebrações destes dias. Elas, na maior parte dos sítios, já estão agendadas para o fim do dia.

 

Nesta altura, este não é o sinal mais positivo que podemos dar.

 

Precisamos de esperança. Mas esta só germina no colo da responsabilidade.

 

Já agora, outro dado que os nossos parceiros não compreenderão é que como é que estamos a contratar médicos quando muitos dos nossos estudantes de medicina têm de ir lá para fora?

 

Como produzir se nem conseguimos planificar?

publicado por Theosfera às 10:33

Terça-feira, 19 de Abril de 2011

Passados vinte séculos, ainda é possível que alguém nos surpreenda?

 

É.

 

Jesus nunca deixa de nos surpreender.

 

Quanto mais nos aproximamos d'Ele, tanto mais nos consciencializamos de que é tanto o que não sabemos sobre Ele.

 

Há uma profundidade enorme nas Suas atitudes, nos Seus ensinamentos, na Sua vida e na Sua morte que qualquer palavra parece ofuscar mais que revelar.

 

Jesus é palavra que até o silêncio faz ecoar.

 

Respiremo-lo.

publicado por Theosfera às 23:14

Bento XVI foi eleito Papa há seis anos.

 

Ele é o timoneiro visível de uma barca que, como diziam os antigos, vacila mas não cai.

 

Porquê? Porque, repetiam os mesmos escritores de antanho, o seu piloto é Cristo e o seu mastro é a Cruz.

 

Como escreveu Peter Seewald, Sua Santidade «está a arranjar um novo som como Papa. Trabalha numa melodia para o novo século. O novo tom que ele encontrou lembra, apesar do carácter decidido da sua doutrina na Fé, a mansidão do Evangelho. Não quer o pormenor, quer o todo».

publicado por Theosfera às 13:45

Uma das figuras mais sinistras da história é, sem dúvida, Judas Iscariotes.

 

Judas é, aliás, um nome que depressa se transformou num adjectivo. Qualquer traidor é apodado como sendo um judas!

 

Não faltou, porém, quem, ao longo dos tempos, tentasse reabilitá-lo. Existe mesmo um Evangelho de Judas e há quem faça dele o verdadeiro discípulo predilecto.

 

O ponto de partida é que Jesus veio para dar a vida pela humanidade sacrificando-Se na Cruz. Daí a tendência para apontar Judas como uma espécie de colaborador do plano de Deus!

 

É intrigante verificar que o Evangelho, quando fala do acto de Judas, usa não o verbo trair (prodotês), mas entregar (paradidonai). Trata-se do mesmo verbo atribuído a Jesus e ao Pai!

 

Tudo neste homem é obscuro. O seu apelido, Iscariotes, evocará a sua proveniência: provavelmente uma aldeia chamada Kerioth. Não se sabe, porém, onde fica.

 

Talvez Iscariotes tenha que ver com sicarius, que indica um grupo terrorista que, no século I, actuava na Palestina.

 

Não há certezas, contudo. O Evangelho diz que ele se arrependeu e se terá enforcado.

 

A participação no plano de Deus não retira peso à responsabilidade pessoal de cada um. Mas tudo toca o mistério.

 

O mistério de Judas é sumptuosamente eloquente. Ele mostra que a infidelidade pode morar muito perto.

 

O inesperado é uma constante que nunca pode ser posta de lado.

publicado por Theosfera às 12:13

Segunda-feira, 18 de Abril de 2011

A nossa vida acaba por ser a história dos nossos encontros.

 

A proximidade é um laço que não conhece fronteiras.

 

Há instantes, foi-me oferecido um livro cujo autor se apresentava como irmão ateu.

 

António Oliveira Bento tinha estado comigo há pouco mais de um ano.

 

As Reflexões ao espelho, que editou, sinalizam uma inquietação muito viva e uma abertura muito grande.

 

Como se pode ver ao percorrer estas páginas, Deus não está longe de ninguém. Nem dos ateus.

 

Há, de resto, um ateísmo que é muito mais que negação. Trata-se de um apelo e de um estímulo à purificação.

 

O ateu acaba por ser o irmão gémeo do crente.

 

Nasce no mesmo mundo. Caminha na mesma vida. Não descola da mesma inquietação. E olha no mesmo sentido.

 

As perguntas que levanta enriquecem as respostas que espera.

 

Mesmo quando é percebido como ausência, Deus não deixa de estar presente.

 

Um ateu também se relaciona com Deus. A via adversativa não deixa de ser uma via de relação e pode enriquecer até o encontro.

 

Já Johannes Baptist Metz alertava, em 1965, que a relação com o ateísmo faz parte da realização do crente como crente.

 

Para um crente, Deus está em toda a parte. Gandhi assegurava que Deus estava na humanidade. Na humanidade de todos os homens. Incluindo na dos irmãos ateus.

 

Alguns objectarão: irmãos, mas ateus.

 

Prefiro replicar: ateus, mas irmãos.

 

Sempre!

publicado por Theosfera às 19:25

Viver é também andar quando tudo para. E é saber parar quando tudo anda.

 

Viver é não só acompanhar a corrente. É, acima de tudo, procurar um rumo, ainda que este se encontre no sentido contrário da corrente.

 

Viver é nunca deixar de ter vontade de viver.

 

Viver não é correr. É continuar, cada vez mais, a ser.

 

Só vive quem nunca deixa de ser.

 

Viver é testemunhar o sentido, construir uma esperança, oferecer uma oportunidade, abraçar uma causa.

 

Viver é dar a vida.

 

Quem só pensa em possuir acaba por não possuir a vida.

 

Viver é começar. É não desistir de esperar.

 

Viver é deixar que a eternidade habite cada instante.

publicado por Theosfera às 16:26

1. A presente crise não é a primeira nem terá sido a pior. Mas é bastante grave.

 

Não haverá, pois, motivos para que andemos alarmados. Mas também não há razões para que nos mostremos distraídos.

 

Acontece que, por uma espécie de torpor que se abateu sobre nós, parecemos deprimidos como (quase) sempre e desleixados como (praticamente) nunca.

 

Apesar dos avisos, tudo indica que a actual situação nos apanhou desprevenidos e completamente impreparados. Daí a necessidade de recorrer ao auxílio exterior.

 

Só que este é o medicamento para aliviar a dor. Mas não constitui a terapia para vencer a doença.

 

Não são os comportamentos que nos trouxeram até aqui que nos ajudarão a sair daqui.

 

Só uma atitude radicalmente nova nos abrirá as portas a um futuro diferente. A um futuro que seja não a repetição, mas a transformação do presente.

 

Não é isso, porém, o que se desenha. Preparam-se medidas novas, ainda por cima austeras, mas mantêm-se as atitudes de sempre. Respira-se a mesma desconfiança e até se cavam mais divisões.

 

 

 2. Um problema global não se resolve com uma solução parcial. Um problema global precisa de uma solução global.

 

Precisamos de reduzir a despesa, mas também de gerar riqueza. Precisamos de economia, mas também de moral. Precisamos de competências, mas também de valores. Precisamos de respostas, mas também de perguntas. Precisamos de capital, mas também de espírito. Falta dinheiro e faz falta um rumo. 

 

Será que estamos dispostos a transformar o problema em oportunidade?

 

Convenhamos que os sinais não são muito alentadores. A ambição do indivíduo e o interesse do partido aparecem antes de tudo e parecem contar mais que tudo.

 

O todo continua a ser sacrificado pela parte quando o necessário é que a parte se sacrifique pelo todo.

 

É bom que as perspectivas sejam múltiplas. Mas porque é que da multiplicidade só pode advir afastamento?

 

O que é comum a todos não deverá superiorizar-se ao que é diferente entre todos?

 

Porque é que só se admite a maioria de um partido ou de um quadrante ideológico?

 

Porque é que o caminho não há-de passar pelo envolvimento de todos?

 

 Parece-me, por conseguinte, que a lição não está a ser devidamente apreendida.

 

Na altura em que mais carecemos de convergência é que mais estão a aparecer as divergências. E o mais preocupante é que estas tendem a ter a forma de contradições insanáveis e de incompatibilidades invencíveis.

 

Será legítimo antepor o benefício de uns ao bem de todos?

 

 

3. O que, no fundo, faz falta é uma atitude verdadeiramente católica e genuinamente religiosa.  

 

Não uso estes termos no seu sentido habitual, institucional, mas proponho estas palavras a partir do seu significado original.

 

Uma atitude católica levar-nos-á a perceber que a verdade está na totalidade.

 

Foi isso, aliás, que impeliu Aristóteles a dizer que «a verdade é católica».

 

Ser católico é, antes de mais, ver segundo o todo. É aí que está a verdade.

 

Cada ponto oferece-nos uma vista. Mas a verdade está na totalidade do que é visto.

 

O todo está em cada parte, mas nenhuma parte, por si só, permite avistar o todo.

 

 

4. É aqui que entra em campo a pertinência de uma perspectiva genuinamente religiosa ou, melhor, religacional.

 

Religião tem que ver com ligação, não com separação. Religioso é o que liga, não o que separa.

 

E não há dúvida de que este é o tempo não só de propor, mas também de articular todas as propostas.

 

Isto requer não só conhecimentos nem apenas competências. Tudo isto clama por uma grandeza de alma que ainda estamos longe de revelar.

 

Precisamos de medidas novas, mas necessitamos sobretudo de um espírito renovado.

 

Seremos capazes de transformar mais um problema numa nova oportunidade? Ou iremos converter esta oportunidade na eternização dos nossos problemas?

publicado por Theosfera às 14:39

A virtude é, sobretudo, uma tentativa, um contínuo esforço e uma saudável teimosia.

 

Ela nunca exclui a falha e inclui sempre a insistência após a falha.

 

É por isso que a exibição de virtude é pouco apreciada. Pressupõe uma superioridade moral que nem sempre encontra o devido enquadramento na vida.

 

Um discurso que não tolere a falha tem, inevitavelmente, um efeito contrário: torna intolerável a falha de quem não tolera a falha.

 

O exibicionismo não é, ao contrário do que se possa pensar, uma forma de revelação. Acaba por ser um modo de esconder. O problema é que, nos tempos que correm, se torna cada vez mais difícil esconder.

 

Daí que um banho de humildade seja sempre purificador. Uma certa animosidade para com a Igreja não está tanto nas falhas que nela ocorrem. Radica na pretensão (implicitamente sugerida) de que os seus membros são melhores.

 

A Igreja não é formada pelos melhores, mas por pessoas que se dispõem a dar o seu melhor. Não se trata, pois, de alardear virtudes nem de esconder falhas. A transparência é o certificado da autenticidade.

 

O ensinamento de Jesus é precioso também a este propósito. Ele não pressiona nem exclui. A própria pecadora é acolhida. E, no último instante, o paraíso é franqueado a um ladrão.

 

Será que já nos apercebemos de que, como lembra subtilmente Timothy Radcliffe, o primeiro cristão a ir para o céu foi um ladrão?

 

É claro que, desde o princípio, não foi fácil aceitar isto. Segundo um poema siríaco muito antigo, houve um anjo que tentou impedir que o bom ladrão entrasse no céu!

 

Só que Aquele que veio chamar os pecadores (cf. Mc 2, 17) não iria deixar ninguém de lado, muito menos «aqueles cujas vidas são um caos».

 

Contundente foi Jesus para com aqueles que se julgavam superiores e humilhavam os humildes. O farisaísmo foi sempre o que mais espoletou sentimentos de revolta no Mestre dos mestres.

 

A presunção de superioridade moral leva as pessoas a investigar falhanços e a divulgá-los até com regozijo. O problema é que tal presunção de superioridade moral pode degenerar na presunção de veracidade de factos sem confirmação. Presunção atrai presunção e pode haver inocentes prejudicados.

 

Nenhum exibicionismo é cristão. E para quem se julga melhor que os outros não deixe de pensar que foi um ladrão o primeiro cristão a subir ao Céu. Não são os pecadores que ficam de fora... 

publicado por Theosfera às 10:42

«Não serás um criminoso. Não serás uma vítima. Nunca serás um espectador passivo».

Assim escreveu (relevante e magnificamente) o redactor de uma inscrição no Museu do Holocausto em Washington.

publicado por Theosfera às 09:47

Sábado, 16 de Abril de 2011

Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais forças para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.

publicado por Theosfera às 22:27

Tudo o que se celebra nesta semana santa está sob o signo do mistério.

 

O omnipotente surge-nos sem poder. Ou, então, revestido do poder maior: o de Se entregar à morte.

 

Jesus está sempre com o Pai, mas confessa-Se abandonado pouco antes de expirar.

 

É por isso que as palavras deveriam estar amassadas em silêncio. As palavras, por vezes, podem apagar mais do que revelar.

 

Jesus aparece-nos descentrado de Si. Tudo n'Ele é amor, é dádiva, é entrega.

 

Importa não aprisionar Jesus em conceitos, até porque tudo em Jesus é libertação, justiça e verdade.

 

É nos caminhos da humanidade sofredora que, hoje, O voltamos a encontrar.

publicado por Theosfera às 22:17

A política é muito vasta para ficar circunscrita aos políticos.

 

Ao ouvir, esta noite, Alexandre Soares Santos, reparei que não estava diante apenas de um empresário de renome. Estava também diante de alguém com sensibilidade social, com uma percepção aguda da realidade e do rumo que deve ser seguido.

 

Acresce que se trata igualmente de alguém que não capitula.

 

A solução para o nosso país não passará, seguramente, por recriações de pendor sebastiânico. Mas não haverá forma de mobilizar pessoas como Alexandre Soares Santos para a condução do país?

 

Confesso que é preocupante a quantidade de pessoas que se recusaram a ser deputados.

 

É mais um sinal de desmobilização.

 

Temos de saber para onde vamos e o que queremos. Todos os contributos são necessários.

publicado por Theosfera às 22:00

Será que a solução passa por aqui?

publicado por Theosfera às 20:09

Era sábado santo, aquele 16 de Abril de 1927.

 

Às quatro e quinze da madrugada nasce um menino a quem puseram o nome de José.

 

Passadas quatro horas, já estava santificado pelas águas do Baptismo acabadas de benzer.

 

Tudo foi santo: o sábado santo, o baptismo santo, o padre santo e o santo padre.

 

José foi para o seminário. Foi ordenado presbítero em 1951 e bispo em 1977.

 

Em 1981 foi chamado para Roma a fim de colaborar com o Sumo Pontífice.

 

Quando pensava que a missão estava cumprida, viu que ela se tornou mais...comprida.

 

Faz, neste dia, 84 anos que nasceu o Santo Padre. Ontem José, hoje Bento.

 

publicado por Theosfera às 11:51

A economia da Suécia está a crescer mais de 4%. E os impostos estão a baixar.

 

É um país com um território muito maior que o nosso, mas com uma população ainda inferior à nossa.

 

Se eles conseguem, porque é que nós desconseguimos? 

publicado por Theosfera às 11:44

Muito criticado foi o Presidente da República pelo que disse no dia 9 de Março.

 

Muito criticado tem sido o Presidente da República pelo que não tem dito desde o dia 9 de Março.

 

Sinal dos tempos: as principais intervenções do Chefe de Estado têm surgido no Facebook.

 

Admitamos que não é fácil lidar com este tipo de reacção.

 

Mas fica no ar a ideia de que aquelas palavras não eram as mais adequadas para uma cerimónia de tomada de posse. E paira a sensação de que o actual silêncio também não é o mais ajustado à presente situação.

 

Falar daquela maneira não era para aquela data. Calar desta forma parece não ser para este tempo.

 

Este é o tempo de intervir. No recato das audiências, sem dúvida. Mas também nos púlpitos. O povo precisa de ser mobilizado, despertado, animado.

 

Coisa estranha esta: a população está tão cansada da verborreia de uns como do prolongado silêncio de outros.

 

Qual a medida justa?

publicado por Theosfera às 11:41

Por este dias só se fala de dívidas.

 

O paradoxo aparece.

 

Sendo o problema a dívida, o caminho passa por nos endividarmos ainda mais.

 

Além de novo empréstimo, temos os juros nada suaves.

 

Numa altura em que a execução orçamental parecia correr bem e em que o montante apurado pelos impostos estava a crescer, eis que tudo se desmorona.

 

E, como num castelo de cartas, nada aparenta resistir.

 

Até a Maternidade Alfredo da Costa está a pedir dinheir às pessoas. Também há hospitais onde já se exige caução para vistar os doentes.

 

Entretanto, uma dívida não devemos negligenciar: a de nos apoiarmos uns aos outros.

 

Há que reduzir as desigualdades e encurtar as assimetrias.

 

Enquanto o essencial não for asseguerado, ocioso será falar de desenvolvimento.

publicado por Theosfera às 11:34

Sexta-feira, 15 de Abril de 2011

Sonhamos tanto com o futuro e andamos, cada vez mais, a hipotecá-lo.

 

Em vez de nos comprometermos com o futuro, estamos a comprometer o futuro.

 

Para Max Weber, a principal tarefa da política devia ser responsabilizarmo-nos pelo futuro.

 

Nunca, porém, terá havido tanta irresponsabilidade em relação ao futuro como hoje.

 

O curto prazo asfixia-nos e parece esgotar-nos.

 

O futuro tem, por isso, inimigos.

 

Eis o tema do excelente ensaio do Prof. Daniel Innerarity, que acaba de aparecer entre nós.

 

Apesar de tudo, o subtítulo não fecha todas as portas: uma defesa da esperança política.

 

A edição é da Teorema.

publicado por Theosfera às 11:53

Se tudo correr bem, a ajuda internacional vai resolver uma parte do nosso problema: reduzir a despesa.

 

Mas continua por resolver a parte essencial do problema: gerar riqueza.

 

Gastar menos vai ser inevitável. Produzir mais é prioritário.

 

Acontece que se da primeira parte estamos seguros, quanto à segunda não estamos certos.

 

Que te fizeram, terra amada, para que te cortem tantas asas e te fechem tantas janelas?

publicado por Theosfera às 11:24

Disseram-nos que era muito mau se o país tivesse de recorrer à ajuda internacional.

 

Asseguraram-nos alguns que nunca governariam com o FMI.

 

A ajuda já está a ser negociada e, queiram-no ou não, alguém vai ter de governar com o FMI.

 

O que tudo isto revela é uma completa falta de rumo. Que, ao menos, não haja uma total falta de direcção.

 

Que queremos com esta ajuda? Apenas pagar as dívidas?

 

Era por este meridiano que poderia passar a discussão.

 

Numa campanha, devia haver lugar não apenas para acções de rua e palavras de ordem.

 

Acima de tudo, precisamos de um novo paradigma. Este passa por outros comportamentos e por outras pessoas.

 

É importante que os partidos se abram à sociedade civil e agreguem figuras independentes.

 

Não podemos reclamar tal abertura e, depois, estigmatizar os que aceitam aderir a ela.

 

Mas também é verdade que, como a experiência documenta, é mais fácil os partidos moldarem os independentes do que os independentes moldarem os partidos.

 

Quase quarenta anos depois da instauração da democracia, não seria despropositado que aparecessem outros movimentos, que pudessem federar vontades, mobilizar energias e concitar protagonistas.

 

As palavras dos senadores, como as de Jorge Miranda esta manhã, deviam ser degustadas com serenidade e digeridas com atenção.

 

No fundo parece que já estamos. Importa ir às raízes. E propor algo verdadeiramente novo.

publicado por Theosfera às 11:14

A amizade é uma constante que se testa sobretudo na adversidade. Há um dito japonês que assegura que «uma amigo na necessidade é um amigo de verdade».

 

Já agora, o japonês tem uma palavra que reforça a importância da amizade nas horas difícieis: kizuna.

 

Kizuna designa os laços da amizade.

 

A amizade é um laço que une. Sem nunca asfixiar.

publicado por Theosfera às 10:44

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