A hora que passa até pode ser benéfica para a Igreja. Neste krónos sombrio, ela até poderá vislumbrar um kairós luminoso.
Quem sabe se esta não será uma oportunidade de reencontrar o paradigma perdido: o paradigma das origens, o paradigma do despojamento, o paradigma da simplicidade e do serviço?
Numa altura destas, o mais habitual é enveredar por uma atitude reactiva. Estudos sérios atestam esta tendência, este perigo.
Assim, Alfredo Teixeira considera que a Igreja Católica enfrenta «tendências de guetização da experiência cristã», que exigem uma «reconstrução criativa».
Num texto publicado na mais recente edição do semanário Agência Ecclesia, o professor da Universidade Católica fala de um «processo de desagregação a que Michel de Certeau chamou o fim do cristianismo objectivo».
Há quem fique assustado perante as interpelações do tempo e desate a insistir nas fórmulas que fizeram escola, mas que estão, também elas, tingidas pelo desgaste.
Não falta quem, apelando muito para a história, acabe por fazê-la estacionar numa determinada época. Daí a propensão para confundir fidelidade com mera repetição e objectivação.
Voltando a Alfredo Teixeira, é «talvez por isso que nos encontramos perante algumas tendências de guetização da experiência cristã e as perplexidades dos que escolhem a ambiguidade do mundo como lugar do testemunho».
Achamos que toda a novidade é dissolvente e estigmatizamos toda a criatividade como infiel.
Por sua vez, o Padre José Frazão Correia diz que o «acto de fé e as práticas crentes deixaram de contar com a protecção de um centro reconhecido e incontestado, bem delimitado e seguro».
Ora, isto até pode ser positivo. Jesus nunca apelou para qualquer segurança. Pelo contrário, expôs-se corajosamente a todos os perigos.
Nunca alimentou qualquer compromisso com os poderes. Pelo que espanta que, por vezes, a Igreja tenda não só a estar próxima do poder como a conceber-se, ela mesma, em estrutura de poder.
Jesus, não excluindo ninguém, sempre Se identificou com os mais pequenos (cf. Mt 25, 40). Acontece que alguns, em Seu nome, parecem distantes daqueles de quem Ele sempre esteve próximo.
Assim, diz o Padre José Frazão Correia, «o que estamos a perder não parece essencial à fé em Jesus. Será, antes, uma falsa segurança (cultural, política, ética, etc.) que, em muitos casos e momentos, parece ter obscurecido e enfraquecido o Evangelho».
Neste sentido, «a fé em Jesus de Nazaré não quer ser sem a diversidade de pessoas, tempos e modos, os seus dramas e êxitos».
A experiência de Jesus não é monolítica. É saudavelmente pluriforme. Tem a forma das pessoas que a fazem. De todas.