Tão grande tem sido o esforço da RTP em promover o Festival da Canção e foi o público a devolver-lhe algum do impacto que já teve.
Diga-se que o festival deste ano se encaminhava para não se afastar da sensaboria habitual.
O júri distrital, constituído por especialistas em música, inclinava-se para premiar, uma vez mais, um género estilizado.
Via-se a preocupação dos compositores em decalcar estereótipos que já alcançaram êxito.
Tudo muito esgotado. Tudo muito estafado. Sem o menor índice de criatividade.
Confesso que, desde 1981, nunca mais consegui ver um festival da canção.
Naquele tempo, o país parava. Agora, quase ninguém liga.
Ontem, porém, o público, chamado a pronunciar-se por telefone, baralhou todas as contas e deu a vitória aos Homens da Luta.
Hoje, não se falou de mais nada. O Festival da Canção voltou a ser assunto dominante.
A canção é para ser cantada lá fora, mas o efeito está a fazer-se sentir cá dentro.
Salvas as devidas distâncias (no tempo e na densidade), a comparação com Paulo de Carvalho, em 1974, é inevitável.
A classificação no Eurofestival foi medíocre, mas o impacto no país foi enorme.
A canção dos Homens da Luta é uma paródia de pendor nihilista, muito ao jeito dos tempos que vivemos.
Não deixa de ser curioso notar o anúncio, feito em palco, da participação na manifestação do próximo sábado.
Espanta a onda de críticas à qualidade da composição vencedora.
A canção, em si, não é nada de especial. Mas as outras também não eram, propriamente, um primor.
Mas o que mais se destaca é a intuição do povo.
Os Homens da Luta são um típico produto da nossa época.
O povo percebeu isso mais depressa que os especialistas, ainda prisioneiros de baladas que fazem eco de um tempo que já lá vai.