1. Não é por falta de bons textos que não temos melhores práticas.
Se pretendermos encontrar o discurso mais belo de sempre, muitos apontarão o Sermão da Montanha, indicando, especialmente, as Bem-Aventuranças.
Ali estão, com efeito, as bases da maior revolução. Ali, a vida é vista ao contrário.
Para Jesus, felizes não são os ricos, os que vencem as guerras ou os que dominam as situações de modo controlador.
Para ele, felizes são os pobres, os construtores da paz e os puros de coração, que não poucos chamarão ingénuos.
De facto, o Sermão da Montanha, como reconhece Heiner Geibler, «virou do avesso tudo aquilo que era considerado válido no Estado e na sociedade já que pretendia criar uma ordem radicalmente nova na convivência entre os seres humanos».
Contrariando o Mestre a ordem vigente, é, no mínimo, estranho que a Igreja apareça, tantas vezes como suporte dessa mesma ordem.
Nesse caso, Jesus surge não apenas como subversivo para o mundo, mas também como um permanente incómodo para a própria Igreja.
2. É, pois, enorme a pertinência de um conhecido conto de Dostoievski.
O grande inquisidor andava a perseguir os hereges para (supostamente!) defender a doutrina de Jesus. Mas eis que o próprio Jesus lhe aparece, censurando o seu comportamento.
O inquisidor não foi de modas. Mandou prender Jesus, porque — imagine-se — achava que Ele estava a perturbar a Igreja!
Os ideais de Jesus eram bons, mas irrealizáveis. Os homens não eram capazes de construir um reino de amor com a liberdade que Deus lhes dera.
A liberdade deveria ser retirada aos seres humanos. A Igreja asseguraria pão para as pessoas, mas estas deveriam submeter-se à sua autoridade.
3. Decididamente, Jesus não caiu nas boas graças dos poderosos.
Hitler considerava a Sua mensagem um veneno pois vinha estragar «os maravilhosos instintos dos seres humanos».
Alguns círculos marxistas olhavam para o Sermão da Montanha como um obstáculo para as mudanças revolucionárias de cariz violento.
Tão revolucionário foi Jesus que até recusava os métodos habituais das revoluções. Jesus propugnava a mudança, mas rejeitava a violência. A paz era a regra. O amor tinha de ser a lei.
Não faltou também quem optasse pela simples troça. Bismark afirmou, várias vezes, que não é possível fazer um Estado com o Sermão da Montanha.
E até Martinho Lutero sustentou que o lugar do Sermão da Montanha não era a câmara municipal porque não se pode governar com ele!
É que, de novo segundo Bismark, sem a norma do Sermão da Montanha, é possível fazer política de forma mais aliviada, isto é, com menos escrúpulos!
4. Reconheçamos que o Sermão da Montanha incorpora um patamar de conduta de altíssima exigência.
Daí que subsista como um ideal, para muitos, inatingível. Mas não. O Sermão da Montanha é realizável. Mais, é inadiável. Ele é opção para todos e terá de ser prioridade para muitos.
A chave de interpretação poderá ser encontrada na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10). Todos são convidados a estar próximos de quem está em dificuldade, de quem sofre a injustiça.
Esta proximidade samaritana não passa apenas pela ajuda imediata. Passa também (e bastante) pela mudança das estruturas.
Há, com efeito, situações de injustiça, de abuso de poder, de opressão e de desumanização que contrariam frontalmente o amor ao próximo.
Não basta identificar estas situações. É fundamental ajudar a transformá-las.
O Sermão da Montanha instaura um perfil de vida feliz e felicitante. Não somente para amanhã. Mas para hoje. Para agora. Para já.
Impossível é o que não existe para Deus. Nem para os que estão em Deus.