São vários os domingos em que nos são servidos, na mesa da Palavra da Eucaristia, excertos do Sermão da Montanha.
Ele abre, como é sabido, com o enunciado das Bem-Aventuranças e prossegue com uma série de apelos à mudança de vida.
Acontece que a beleza desta mensagem parece inversamente proporcional à nossa disponibilidade para a respectiva vivência.
O Sermão da Montanha ecoa no nosso coração, mas parece distante da nossa vida.
Muitas vezes, optamos por acrescentar uma torrente de conceitos sem que nos dediquemos a viver a mensagem de Jesus.
Mais, passamos grande parte do tempo a arranjar justificações para o seu incumprimento quando o normal seria procurar forças para a sua aplicação.
Pertinente é, por isso, o conto de Dostoievski, que nos apresenta o encontro entre o grande inquisidor e o próprio Jesus, que lhe aparece em Sevilha no decurso de uma perseguição aos hereges.
O inquisidor achava que Jesus estava a perturbar a Igreja! Por isso, mandou prendê-Lo, alegando que os homens não eram capazes de construir um reino de amor com a liberdade que Deus lhes dera.
A liberdade deveria ser retirada aos seres humanos. A Igreja asseguraria pão para as pessoas, mas estas deveriam submeter-se à sua autoridade.
Ou seja, Jesus era não só um problema para muitos interesses do mundo como estava a tornar-Se subversivo para a Sua própria Igreja.
A Sua mensagem era excelente, mas inaplicável.
E, de facto, o Sermão da Montanha, como reconhece Heiner Geibler, «virou do avesso tudo aquilo que era considerado válido no Estado e na sociedade já que pretendia criar uma ordem radicalmente nova na convivência entre os seres humanos».
Hitler achava tudo isto um «veneno» pois vinha estragar «os maravilhosos instintos dos seres humanos». Também o marxismo considerava o Sermão da Montanha um obstáculo para as mudanças revolucionárias de cariz violento. Jesus propuganava a mudança, mas rejeitava a violência. A paz era a regra. O amor tinha de ser a lei.
Não faltou quem optasse pela simples troça. Bismark afirmou, várias vezes, que não é possível fazer um Estado com o Sermão da Montanha. E até Martinho Lutero sustentou que o lugar do Sermão da Montanha não era a câmara municipal porque não se pode governar com ele!
É que, de novo segundo Bismark, sem a norma do Sermão da Montanha, é possível fazer política de forma mais aliviada, isto é, com menos escrúpulos!
Muitas vezes, a própria Igreja se inclinou a sugerir o Sermão da Montanha como opção apenas ao alcance dos monges, os únicos que poderiam alcançar a perfeição. Já os cristãos que vivem no mundo estariam fora do seu alcance.
É indiscutível que o Sermão da Montanha é incómodo para todos, desde logo para a Igreja. Nem sempre o compromisso com a pobreza, a justiça e a paz é notório. Nem sempre tem estado ao lado dos perseguidos. Não raramente, é conivente com os perseguidores e indiferente às perseguições.
O Sermão da Montanha subsiste como um ideal, para muitos, inatingível. Daí a tendência para ser colocado no puro domínio da retórica.
Mas não. O Sermão da Montanha é realizável. Mais, é inadiável. Tem de despontar como a prioridade para todos.
Como bem anota Heiner Geibler, a chave de interpretação do Sermão da Montanha encontra-se na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10). Todos são convidados a estar próximos de quem está em dificuldade, de quem sofre a injustiça.
Esta proximidade samaritana não passa apenas pela ajuda imediata. Passa também (e bastante) pela mudança das estruturas.
Há, com efeito, situações de injustiça, de abuso de poder, de opressão e de desumanização que contrariam frontalmente o amor ao próximo.
Não basta identificar estas situações. É fundamental ajudar a transformá-las.
O Sermão da Montanha instaura um perfil de vida feliz e felicitante. Não somente para amanhã. Mas para hoje. Para agora. Para já.
O Sermão da Montanha não pertence ao irrealizável. Pode parecer irrealizado. Mas não é impossível.
Impossível é o que não existe para Deus.