Não se acredita em ninguém, hoje em dia.
Acredita-se em tudo, hoje em dia.
A facilidade com que se acredita em tudo quanto é veiculado é directamente proporcional à facilidade com não se acredita em ninguém.
É uma contradição insanante.
Tornámo-nos demasiado crédulos em relação aos rumores e excessivamente cépticos em relação às pessoas.
Nem sequer reparamos que os boatos são veiculados por pessoas.
Que se passa, então?
Os rumores atingem pessoas. Muitas vezes, denigrem o seu carácter e fazem implodir a sua honra.
Ao darmos crédito ao rumor, estamos a dar crédito ao seu autor e a colaborar na desestruturação de muitas vidas.
Facilmente, fazemos o papel de juízes implacáveis e dizemos não acreditar em ninguém.
Só que, por incrível que pareça, estamos a acreditar em quem levanta os rumores.
Afinal, ao dizer que não acreditamos em ninguém, estamos a acreditar em alguém. Em alguém que fez com deixássemos de acreditar em alguém.
Tudo isto é deveras estranho e desolador.
É por isso que tem razão quem asseverou que os insultos dizem pouco de quem é insultado e dizem muito de quem insulta.
Há factos que, a serem verdadeiros, deviam ser tratados com decoro e pruridos de discreção.
Nota: Esta reflexão foi suscitada por algo que os meus olhos viram à hora de almoço na tv. Uma associação que acolhe crianças foi acusada por alguns dos seus funcionários. A informação pode ser dada. Com sobriedade. Bastava dizer algo do género: há uma acusação a decorrer relativamente a determinada colectividade. Parece-me que julgar é para os juízes. Não é para mais ninguém. Nem para jornalistas. Não sei onde está a verdade. Alguém terá de averiguar. Mas trazer tudo isto para a praça pública não resolve nada e pode complicar muito.