Naquele dia, Francisco Cardoso tinha uma única preocupação: fazer tudo bem, fazer tudo perfeito, sem falhas.
A pontualidade, para ele sagrada, foi respeitada ao minuto. Saiu cedo de casa, evitando o maior fluxo do trânsito.
Pediram-lhe boleia. Mas nem sequer olhou. Ou, melhor, mal acabou de passar, ficou com a sensação de que era uma mãe com seu filho no colo.
Tinha ar aflito, perturbado. Voltar atrás era uma possibilidade. Mas o relógio acusava sem contemplações: faltavam cinco minutos para as nove. Não podia ser. Não podia parar.
E continuou. O trabalho foi igual ao de sempre: rotineiro, mas competente. Hoje, porém, iria caprichar.
Nem os olhos abriu. Olhos só havia para o trabalho. Ainda houve quem tentasse dialogar, mas sem efeito.
Francisco parecia hirto, inflexível, implacável. A certa altura, aquela criança ao colo daquela mãe não lhe saía da cabeça. Que terá acontecido? Iria ao médico?
Sabia que não tinha procedido bem, mas não queria falhar em nada, até porque a carreira depende destas coisas, da pontualidade, da eficácia.
Só que a sua fé, a sua condição de crente pedia-lhe mais, pedia-lhe atenção, afecto, solidariedade. E Deus não haveria de o julgar pelo amor? Porquê só a preocupação pela eficiência?
Bom, mas tinha de ser, pensava. O pragmatismo vence sempre e, desta vez, também.
O dia passou num ápice. Faltava ir à Igreja. Como sempre fazia, aliás. Também aqui, gostava de ser pontual.
E foi. Muito antes da Missa, já se fazia à estrada. Os pensamentos multiplicavam-se. A certa altura, alguém pede boleia. Duas crianças, desta vez. Hesita: paro, não paro.
Não parou Francisco, apesar de chover a cântaros. Deus estava primeiro, assim se consolou.
Estacionou. Entrou na Igreja. Concentrado, vai a caminho do sacrário. Quando se prepara para ajoelhar, apercebe-se de um pequeno bilhete em cima de um banco.
Por mera curiosidade, toma-o e lê: «Estou aqui à tua espera. Mas já passaste por Mim hoje e não paraste. Nem sequer viste que, neste momento, estou a apanhar chuva»!
Francisco ficou lívido. Virou costas, fez um sinal da cruz à pressa e saiu. Pegou no carro e não levou muito tempo a reencontrar as crianças. Levou-as a casa. Olhou para o relógio e, afinal, ainda estava a tempo de participar na Missa.
Que grande lição aprendera naquele dia. Cristo está mesmo em toda a parte: na Igreja e fora da Igreja, nos grandes e nos pequenos.
Há tempo para tudo. Não podemos desperdiçar nenhuma oportunidade. Ele, Jesus Cristo, espera-nos em qualquer lugar. Até à chuva!