O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Terça-feira, 04 de Janeiro de 2011

Os sábios costumam avisar antes da hora. O poder costuma reconhecer (e pedir perdão) depois do tempo.

 

A história está repleta deste desencontro estrutural.

 

Há obras e autores que são condenados quando quando surgem. Mais tarde, muitas vezes após a morte, é feito o reconhecimento de que tinham razão. Só que o pedido de perdão já não tem interlocutor.

 

Não seria possível encontrar um kairós pautado pela escuta e pelo acolhimento?

 

A época é o tempo qualificado, como dizia Zubiri. As propostas rejeitadas teriam feito a diferença na altura própria.

 

Cedo vem o alerta. Tarde chega a aceitação.

 

As memórias dos poderosos estão cheias de reconhecimentos de decisões erradas que, na altura própria, magoaram as pessoas e arruinaram percursos.

 

A sabedoria nem sempre está no poder. Se, ao menos, estivesse a humildade...

publicado por Theosfera às 19:06

Creio que foi Mário Cuomo (antigo governador de Nova Iorque) que disse que as campanhas eleitorais são feitas em verso e a governação em prosa.

 

Olhando para o cenário das eleições presidenciais, dir-se-ia, com pesar, que já nem as campanhas são feitas em verso.

 

É como se a pobreza, que afecta tantos portugueses, contaminasse o debate. Tão pobre tem sido, de facto, a discussão, inclusive (ou sobretudo) quando o tema é...a pobreza.

 

É certo que os tempos já não correm de feição para a agilidade do pensamento e para o manuseio da palavra.

 

Ainda assim, podia haver um esforço no sentido de requalificar a intervenção política. E nem sequer me reporto à retórica, coisa secundária. Refiro-me, antes, ao porte, à substância, às propostas.

 

Com todo o respeito, subsiste a impressão de que os candidatos estão muito cheios de si e bastante vazios de ideias.

 

Parece que a estratégia se resume à agressividade, à desmontagem do adversário e ao auto-elogio fácil. Parte-se do princípio de que é isso que rende.

 

Falta um debate mais pró-activo, com mais propostas e com mais elevação e serenidade.

 

Confesso que de Cavaco Silva esperava mais. De Manuel Alegre aguardava melhor. E de Fernando Nobre desejava diferente.

 

Regresso a Cuomo. Se já nem a campanha é feita em verso (apesar de haver um grande poeta), que prosa teremos no exercício do poder?

 

Que, ao menos, os dias que distam da eleição possam compensar, em substância, o que até agora se desperdiçou em pura propaganda.

 

Acima de tudo, que prevaleça a paz.

publicado por Theosfera às 16:27

Numa altura em que se fala tanto de défice, importa não esquecer onde ele se encontra com maior nitidez.

 

O maior défice não é de dinheiro. É de humanidade.

 

As pessoas estão a morrer cada vez mais nos hospitais, dizem alguns estudos.

 

É claro que, nalguns casos, é inevitável. Mas será norma para todas as situações?

 

Morrer sozinho terá de ser a fatalidade que se segue a quem tem de viver sozinho?

 

A família torna-se, amiúde, um labirinto de sentimentos, onde o ódio acaba por decapitar o amor.

 

Ontem, houve mais um fratricídio. Um irmão matou o irmão por causa das partilhas.

 

Os bens tornaram-se mais importantes que o bem.

 

Precisamos de nos (re)educar para o sentido das prioridades.

 

As coisas são necessárias. Mas só a pessoa é sagrada.

publicado por Theosfera às 11:22

Não é preciso ser muito versado em semântica para perceber que obediência vem de escuta. Na sua raiz está o verbo audire, ouvir.

 

Ela ocorre, portanto, no plano da relação pessoal. Pressupõe sempre uma iniciativa e anela por um acolhimento. Parte de uma proposta que espera por uma resposta.

 

A obediência não está, pois, do lado da imposição nem da correspondente submissão. Ela não dispensa a mediação da consciência.

 

Se a obediência implicasse a anulação da vontade, como poderia ser humana? Tratar-se-ia de um acto nulo.

 

Isto não contende, obviamente, com a generosidade que se dispõe a aceitar o que é proposto.

 

A obediência, assim entendida, não menoriza nem infantiliza. Pelo contrário, ajuda a crescer.

 

É preciso reconhecer que, muitas vezes, se apelou à humildade como pretexto para encobrir muita desumanidade.

 

Nunca percamos de vista, com efeito, que Deus não fala apenas pela consciência de uns. Fala na consciência de todo o ser humano.

 

É bom não esquecer que, como dizia Joseph Ratzinger em 1968, «acima del Papa está a própria consciência, à qual há que obedecer antes de mais, ainda que seja contra o que diz a autoridade eclesiástica».

 

Confesso que até a mim me surpreendem estas palavras do actual Papa, que acrescenta: «O que falta na Igreja não são panegiristas da ordem establecida, mas homens cuja humildade e obediência não sejam menores que a sua paixão pela verdade, e que amem a Igreja mais que a comodidade da sua própria carreira».

 

O interpelante estudo que vem hoje no El País deve levar-nos a pensar na interlocução que conseguimos entre os membros do Povo de Deus.

 

Jesus foi sempre humilde e nunca pressionou a consciência de ninguém. Porque humilde, não humilhava. Respeitou a identidade das pessoas.

 

Com serenidade, creio que, um dia, nos aproximaremos da conduta do Mestre dos mestres.

publicado por Theosfera às 11:03

1. Nunca o homem deixou de se relacionar com Deus.

 

 O divino ocupou-o a partir do princípio e preocupou-o desde sempre.

 

Basicamente, o ser humano filiou a sua (incessante) busca do divino em dois tipos de preocupação: a explicação da realidade e a justificação do poder.

 

Deus é a resposta àquilo que nos preocupa de forma última: o porquê e o para quê. Ele é, por isso, a origem primeira e o fim definitivo de tudo quanto existe.

 

Nada fica de fora da intervenção de Deus. Nem sequer a visão do poder.

 

A Deus era aplicada toda uma terminologia aparentada com a política: soberania, majestade, trono, glória, etc.

 

Como facilmente se compreende, o exercício do poder tendia a ser sacralizado.

 

Deus é o todo-poderoso que, digamos assim, delega o Seu poder no rei, no imperador.

 

Daí a tendência para considerar o soberano como sendo de condição divina e os seus actos como vindo (automaticamente) do próprio Deus!

 

O poder é sagrado porque a fonte do poder é sagrada. A etimologia indica precisamente que hierarquia significa poder sagrado, embora haja quem defenda que quer dizer princípio sagrado.

 

A teologia política, durante séculos, inspirava-se nesta sequência: um só Deus, um só imperador, um só papa, um só bispo.

 

Dissentir do poder equivaleria a desobedecer ao próprio Deus!

 

 

2. Nos seus começos, o Cristianismo apresentou uma concepção totalmente diversa da divindade.

 

Deus não era apenas a resposta às inquietações do Homem. Era também — e bastante — o questionamento de muitas certezas.

 

Jesus falou-nos de Deus não somente como a origem e o fim de tudo, mas, acima de tudo, como uma luz inspiradora do agir humano.

 

O Deus que Jesus deixa transparecer não é o alicerce de um projecto de poder. Pelo contrário, Ele está descomprometido com os poderes e comprometido com as vítimas dos poderosos.

 

Jesus incorpora Deus como fonte de liberdade e não como cerceamento da liberdade.

 

Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou, como reconhece Paulo (cf. Gál 5, 1).

 

Por aqui se vê como Deus não é uma mera explicação do que existe. Ele é, sobretudo, a fonte de transformação da existência.

 

 

3. Esta nova afirmação de Deus foi vista como revolucionária e considerada perigosa.

 

Este Deus contendia com a ordem vigente. Irmanava as pessoas numa igualdade fundamental.

 

Os últimos eram os primeiros. Os preteridos passavam a preferidos. Os escravos eram acolhidos como irmãos. Os pobres estavam no centro.

 

A subversão era notória. As discussões tornaram-se constantes. As perseguições multiplicaram-se.

 

Foi então que veio Constantino e ofereceu a paz à Igreja. Só que o preço foi elevado.

 

A Igreja integrou-se no império e começou a organizar-se de modo imperial.

 

Aquilo que tinha constituído um avanço sofreu um claro retrocesso. Assistiu-se, assim, a mais uma contrafacção do conceito de Deus.

 

Deus voltou a ser involucrado na linguagem do poder. O clímax chegou com a querela em torno do poder supremo.

 

O papa foi ao ponto de invocar um poder superior ao do rei. A história está cheia de disputas neste campo com desfechos pouco edificantes.

 

 

4. O regresso às fontes tem sido empreendido. Mas reconheça-se que ainda estamos distantes do objectivo.

 

Uma Igreja fiel a Jesus não estabelece relações de poder, mas de serviço. A sua preocupação não é mandar, mas servir.

 

Uma Igreja fiel a Jesus pugnará sempre pela justiça entre os homens.

 

Uma Igreja fiel a Jesus não permite que alguém se considere superior ou que alguém seja considerado inferior.

 

Para um seguidor de Cristo, os outros não estão atrás nem em baixo. Os outros vivem ao lado e sobrevivem dentro de cada um.

 

Afinal, ainda não incorporamos totalmente o Deus de Jesus na nossa vida eclesial. Alguns passos têm sido dados. Mas subsiste um longo caminho a percorrer.

publicado por Theosfera às 09:56

1. A esta hora já nos apercebemos de que não é a simples passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro que opera a mudança por que tanto sonhamos.
 
A mudança no tempo não introduz, por si só, a mudança na vida. No fundo, o futuro acaba por ser uma sucessão do presente, quando devia ser uma construção do presente.
 
Já há muitos anos, Albert Camus nos alertara para o perigo da inércia: «A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo no presente».
 
Hoje em dia, o sentimento geral é de resignação. Basta olhar para a face das pessoas e para o esgar de abatimento que se desprende do olhar.
 
Tudo somado, acabamos por ser o que não queremos e acabamos por não querer o que somos.
 
A nossa maneira de ser — e de estar — é como o clima nesta época: frio. Aliás, não é preciso fazer grandes balanços. O nosso rosto diz tudo.
 
 
2. Sentimo-nos pequenos diante do peso da realidade. Arrepiamo-nos perante o mal e sobretudo perante a injustiça, mas que fazemos?
 
No fundo, entramos na engrenagem. Lamentamos a situação, mas a sua filigrana invade-nos e apodera-se de nós.
 
Não queremos o que somos nem somos o que queremos. Mas não saímos deste labirinto.
 
Temos uma espécie de calculadora interior que nos dita as regras. Ela diz-nos que, se não queremos ser postos de lado, temos de aceitar as regras do jogo. Mesmo que se trate de um jogo tecido pela iniquidade.
 
José Gil disse, há não muitos anos, que, «sem justiça, não é possível a democracia». Não é possível a democracia e é impossível a vida.
 
No entanto, que estamos dispostos a fazer para terminar com a justiça? Muitas vezes, acabamos por contribuir para que ela se alastre.
 
Umas vezes, é a indiferença filha do cálculo. Achamos que o mundo é uma máquina e não um corpo.
 
Um corpo tem coração. Uma máquina tem peças. Quando as peças não funcionam, deitam-se fora e substituem-se por outras.
 
O pragmatismo impõe-nos que aceitemos as coisas tal como elas aparecem. Nada disto é sadio, mas tudo isto é aceite.
 
Quem ergue a voz fica marcado e é rapidamente silenciado. O mais que fazemos, então, é partilhar as nossas mágoas em privado, aceitando a injustiça em público.
 
 
3. Edgar Morin afirmou que cada progresso acarreta sempre um retrocesso. Salta à vista que o portentoso progresso tecnológico tem acarretado um perigoso retrocesso espiritual.
 
André Comte-Sponville adverte-nos que, na actualidade, a questão prioritária é a espiritualidade. É ela que nos leva a aterrar na nossa humanidade e na humanidade dos outros. Mas o imediato não se compadece com estas considerações.
 
Para vencer a injustiça, é preciso, acima de tudo, vencer o medo. É preciso, com feito, vencer o medo de perder o lugar, o medo de perder o prestígio, o medo de perder o aplauso.
 
Muita gente me tem dito, certamente com o melhor propósito, que não vale a pena incomodarmo-nos com o mundo. Primeiro, porque somos poucos e pequenos para tarefa tão grande. E, depois, porque tudo acabará por melhorar.
 
 
4. Acontece que este é um grande equívoco. A injustiça não acaba por inércia. É preciso fazer muito para que ela termine. Já para que a injustiça continue, basta uma coisa: não fazer nada.
 
Nunca é demais lembrar a severa admoestação de Edmund Burke: «Tudo o que é preciso para que o mal triunfe é que as pessoas de bem nada façam».
 
Como referia Luther King, o que dói não é só o grito dos maus; é também — e bastante — o silêncio dos bons, das pessoas de bem.
 
Para vencer a injustiça é preciso vencer o medo. O medo de falar, o medo de sofrer, o medo de ser criticado.
 
Ninguém, por si, é capaz de acabar com a injustiça. Mas todos podemos contribuir, pelo menos, para que ela não fique no esquecimento.
 
Pertinente é, pois, o apelo de Shirin Ebadi: «Se não podeis eliminar a injustiça, pelo menos contai-a a todos».
 
A injustiça gosta do silêncio, da cumplicidade. Calar diante da injustiça é ser conivente com ela.
 
Ergamos a voz contra a injustiça. Ergamos a voz pela justiça. E pelas vítimas da injustiça!
publicado por Theosfera às 00:00

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