Corre muito vento. Ameaça muita chuva. Insinua-se alguma neve.
A natureza parece querer dizer: pára; recolhe-te.
Mas a vida não se compadece com muitos destes apelos.
E lá nos fazemos às estradas. Nestes dias, muitos estão retidos em aeroportos e estações.
Viver é ultrapassar-se. É uma permanente lide com as dificuldades.
É preciso não descrer. É fundamental não desesperar.
A luz continua a espreitar. O seu brilho não desiste de descer à nossa alma.
... e foi por Tua causa, meu Jesus Menino.
Aliás, muitos dos Teus primeiros seguidores foram mortos sob a acusação de ateísmo.
Recusavam-se a venerar os deuses do império.
Só adoravam o Pai. Só adoravam o Espírito Santo. Só Te adoravam a Ti.
Havia quem enciumasse. Por isso, derramaram o sangue.
Acontece que, volvidos estes séculos todos, há quem construa imagens de Deus que nada têm que ver com aquilo que Tu mesmo nos mostraste de Deus.
Como bem notou González Faus, Tu, Senhor, falaste de Deus não tanto falando sobre Ele, mas tornando-O transparente.
O Deus que Tu, Jesus Menino, nos mostraste só tem um nome: Pai. E possui apenas um rosto: misericórdia.
Tanta violência em nome de Deus. Tanta arrogância em nome de Deus. Tanta apropriação de Deus.
Em relação a tantos discursos teístas, até Deus é o primeiro ateu.
Tentam impor-nos um Deus que não sorri, um Deus que não ama, um Deus que não chora, um Deus que não sofre, um Deus que não Se encanta, um Deus que castiga, um Deus que condena.
Tentam levar-nos por caminhos ínvios de condenações no tempo e na eternidade.
E não olham para o presépio. Ou, se olham, parecem não (querer) ver.
O Deus que Tu, Jesus, nos revelas é a paz, a simplicidade, a autenticidade.
Apetece, por vezes, repetir o pedido de Eckhart: «Meu Deus, livra-nos de "Deus"».
O Natal é oportunidade de purificar imagens de Deus que persistem em determinados discursos e não poucas atitudes.
O ateísmo não é, em primeira instância, negação de Deus. É negação de um certo ateísmo.
A sociedade não anda longe de Ti. Porque Tu, Jesus, não estás longe da sociedade.
Vejo este tempo excruciante como uma possibilidade que nos é oferecida.
Ensina-nos, Senhor, a optar por um certo ateísmo. Por um ateísmo que nos afaste de falsas imagens de Deus e que nos aproxime de Deus, do Deus que Tu nos mostras na simplicidade de Belém.
O Deus das pompas e das cátedras não é o Teu Deus. Como poderia ser o meu?
O sinal que os Teus enviados indicaram aos pastores é eloquente. É a simplicidadade de uma manjedoura.
Limpa-nos, Jesus, da presunção de sabermos muito sobre Ti. Só saberemos o suficiente quando nos voltarmos para a humildade em que Tu Te deixas envolver sempre que nos vens visitar.
Andamos todos (e com razão) preocupados com o progressivo esvaziamento do Natal.
Para muitos, o Natal é tudo menos o que está destinado a ser: festa do nascimento de Jesus, uma espécie de aniversário sem aniversariante.
Para superar este esvaziamento, não basta, porém, insistir nos conteúdos; é preciso também investir nas atitudes.
O Natal é Jesus e, nessa medida, é bondade, é amor, é perdão, é harmonia, é aceitação, é paz.
Confesso que, quando noto a maldade, o ressentimento ou o rancor apoderarem-se de uma ou outra pessoa, nem sequer consigo advertir. Retiro-me, desapareço. Creio sempre que isso é um momento apenas.
Deus semeou tanto bem no Homem. Como é que nós somos capazes de alojar o mal? Falamos melhor de Cristo com um coração bom do que com discursos sumptuosos e adornados. Deus é amor. Não deixes, Irmão, que o ódio te possua. Sejamos Natal.