Não é só pelo facto de os transportes terem aderido à greve. O certo é que o país, hoje, acordou quase parado.
Não é só, porém, neste dia que o país está parado. Ele está parado hoje porque, desde há muito, se encontra paralisado e até parasitado. Paralisado nas suas energias e parasitado por um torpor inabilitante.
É por isso que o que se passa hoje é uma realidade e funciona como um sinal. O país há muito que não anda. Ou, então, só anda para trás.
É doloroso as pessoas esforçarem-se, darem o seu melhor e, depois, alguém vir dizer (aqui ou em Bruxelas) que estamos a recuar.
Tudo está concentrado nas finanças. A economia surge quase destroçada. Mas sem crescimento da economia, como equilibrar as finanças?
A greve geral deste dia, com a qual em consciência me solidarizo, desponta na prática como um grito de desespero.
As pessoas sabem de antemão que ninguém sai a ganhar. Não ganha a comunidade porque há serviços que não funcionam.
Há consultas que não são feitas. Há trabalhos que não são realizados.
Não ganham os grevistas porque lhes é descontado um dia de salário, o que, na actual conjuntura, é relevante. Daí que seja de enaltecer o seu espírito de sacrifício e militância.
O êxito desta greve estava já condicionado à partida. Ele não é mensurável pela taxa de adesão, por muito elevada que seja. O êxito só seria assegurado se houvesse uma alteração efectiva das políticas. Mas é isso que, para mal de todos, não irá acontecer.
Ainda ontem, foi dado mais um sinal perturbador. Afinal, a redução de salários na função pública não será para todos. Há quem fique de fora. Dizem-nos que são as regras do mercado.
É triste quando a justiça fica sempre à porta da política sem que esta lhe franqueie a entrada. Se os sacrifícios são para todos, porquê excepções para quem, de resto, aufere vencimentos altíssimos? Orwell continua a ter razão. Todos os homens são iguais, mas uns são mais iguais que outros.
Isto leva-nos para uma outra questão sensível. A governação não entusiasma, mas a alternativa também não convence. As diferenças entre os dois principais partidos parecem similares às que existirão entre Dupont e Dupond.
O ar vagamente teenager da actual classe política não instila especial confiança na população. Na hora que passa, do que mais precisamos é de maturidade, de profundidade, de criatividade.
Há muita redundância e quase nenhuma diferença. Tudo surge estilizado, pré-formatado, standard.
Amanhã, tudo voltará ao normal. Talvez uma greve à escala europeia e por mais que um dia tivesse mais efeito.
Mas o que mais impressiona (e fere) é a greve da esperança. Grave é essa greve.
A vida dos cidadãos parece amarrada por teias incontáveis de interesses em que alguns justificam o muito que acumulam e muitos são atirados para a periferia, sem quase nada.
Precisamos de um novo discurso. De uma outra ética.
Comecemos pelo básico. Que em nenhum lar falte o pão. E que em nenhum coração feneça a esperança. Não deixemos que ela faça greve.
Grave é mesmo a greve da esperança.