1. Por muito que cada homem viva, por muito que o mundo dure, ninguém põe em causa que tudo caminha para o fim.
Mas fim pode não ser somente termo. Pode (e deve ser) sobretudo finalidade, realização conseguida, objectivo alcançado.
É por isso que tudo caminha para o fim é uma frase que há-de ser complementada com uma outra, da autoria de Maurice Blondel, segundo o qual tudo tende para o cume.
Nem sempre, porém, o sentido destas duas afirmações está em sintonia. Na hora que passa, elas parecem ter entrado em colisão. Uma espécie de paralelismo assimptótico ameaça desencontrá-las.
Afinal, o progresso não é universal, nem unívoco nem irreversível.
Não é universal porque continua a deixar muita gente de lado. Não é unívoco porque aquilo que para uns é um elemento de crescimento, para outros é um factor de retrocesso. E não é irreversível porque há recuos onde até pouco só parecia haver avanços.
2. Este último ponto, aliás, está atravessado no interior de muitos e a levar muitas vidas à beira do precipício.
Houve conquistas ao longo de décadas que, de repente, começaram a ruir como um castelo de cartas.
Já não são apenas os pobres de outrora que continuam a lidar com a indigência. São os, até agora, remediados e prósperos que começam a ser afectados pela miséria.
A classe média, considerada motora para o desenvolvimento de um país, depara-se com uma situação de ruptura.
Começa a ser frequente ver pessoas com bons carros e óptimas moradias bater à porta de instituições de solidariedade, mendigando bens essenciais. É que o desemprego entra em todas as casas e envolve todas as famílias.
O progresso não satisfaz, assim, todas as necessidades. Para nosso pesar, ele cria muitas lacunas.
3. O problema é que, mesmo no seu (suposto) auge, não nos apercebemos de que o progresso não é possível se não for global.
A sociedade, não só a classe política, estacionou numa concepção economicista do progresso.
O dinheiro abre muitas janelas, mas está longe de preencher todas as ânsias.
E quando se desliga o progresso da justiça, abrem-se feridas que, mais cedo ou mais tarde, acabam por sangrar.
Daí que, desde algum tempo, a ideia de progresso comece a ser associada à ideia que, à partida, mais oposta parece: a ideia de decadência.
Luís Racionero escreveu, de resto, um livro muito pertinente a que deu o sintomático título de O progresso decadente.
Fazendo uma revisão sobre os últimos cem anos, sintetiza: «O século XX abriu-se com teorias sobre a decadência e fechou-se com teorias sobre o caos. Pelo meio, topamos com um colossal progresso tecnológico».
Acontece que já Edgar Morin tinha observado que todo o progresso acarreta sempre um retrocesso.
E o certo é que o progresso tecnológico tem acarretado (ou coexistido com) um retrocesso humanístico.
Como o deslumbramento é, quase sempre, ofuscante, o enamoramento pelas tecnologias não nos deixaram ver devidamente o logro em que estávamos a cair.
4. Preocupante não é só, agora, a falta de dinheiro em muitos lares.
Preocupante (e aflitiva) é a colossal insensibilidade que, desde há muito, se tinha instalado em imensos corações.
Houve alturas em que se pagava para não produzir em vez de se pagar para distribuir.
Houve momentos em que se obrigava a lançar sobras alimentares no lixo, apesar da fome.
Luis Racionero anota que «o desenvolvimento moral não seguiu o ritmo de desenvolvimento material. O material progrediu, o moral estagnou».
A factura está aí. Com a estagnação da moral, o desenvolvimento material começa a ser uma recordação.
É curioso que, já há mais de trinta anos, o Padre Manuel Antunes, pressentia «a falta de uma revolução moral».
Esta falta é, hoje, mais gritante do que nunca. Para poder supri-la, todos têm de ser mobilizados.