«Há duas coisas que ninguém perdoa: as nossas vitórias e os nossos fracassos».
Assim escreveu (subtil e magnificamente) Millôr Fernandes.
«Há duas coisas que ninguém perdoa: as nossas vitórias e os nossos fracassos».
Assim escreveu (subtil e magnificamente) Millôr Fernandes.
Confesso que me tem marcado bastante o caso de José Mestre.
O seu tumor no rosto pesava mais de cinco quilos!
Como é que este ser humano conseguia viver?
Finalmente, foi erradicado numa sequência de quatro intervenções.
O seu rosto estava tapado. O rosto de muitos também está escondido pela violência, pela duplicidade.
José Mestre sofreu não apenas com o tumor. Também sofreu com a insensibilidade de muitos circunstantes, que se metiam com ele.
Como é possível?
Este caso é uma realidade e funciona como um sinal. Como um sinal do nosso ser e sentir, da nossa decadência, da nossa insensibilidade.
O rosto do nosso mundo também tem de extirpar o tumor que o afecta.
Vai longa e promete arrastar-se a conversa sobre o orçamento.
A crispação dilata-se e empobrece o diálogo.
Regra geral, é sempre assim: quando a voz é alta, a razão é baixa.
Os cidadãos começam a interrogar-se sobre o papel do Estado nas suas vidas.
É claro que não cabe ao Estado substituir-se às pessoas. Mas o que não pode é asfixiá-las com uma intromissão desmedida.
Há uma espécie de contrato em que o cidadão contribui com algo do que recebe e o Estado assegura-lhe muito do que necessita.
Sucede que, na hora que passa, o Estado exige cada vez mais e oferece cada vez menos.
Ao contrário do que acontece na França, em que as pessoas se revoltam em conjunto, nós, portugueses, vamo-nos desmobilizando nas teias do torpor e do desencanto.
Mas esta atitude até pode ser mais pedagógica. Com efeito, mais importante do que explodir (a violência nunca resolve nada) é reflectir.
É fundamental que se dê vez às capacidades de tantos. E que dê voz às necessidades de muitos.
O Estado está mais magro na sua despesa. Mas, mesmo assim, ainda se encontra bastante obeso na sua estrutura, no seu funcionamento.
Magras começam a estar muitas pessoas. O pão começa a escassear em muitos lares.
Enquanto não houver o essencial em todas as casas, escusado será entoar loas a qualquer política.
Um quinto das nossas crianças (sobre)vive em condições de pobreza. Pior, há crianças que são abandonadas pelas próprias mães nos hospitais!
As relações familiares estão em acelerada mudança, em perturbadora combustão e em perigosa erosão.
Filhos abandonados pelos pais. Pais abandonados pelos filhos. A família está em desestruturação galopante.
Não radicará a desestruturação do mundo na desestruturação da família? Como pensar em resolver as situações mundiais se não nos debruçamos sobre a família?
Já os Sete Sábios diziam que tudo depende do pequeno, inclusive o grande. O macro depende do micro.
Se olharmos para a família como um pequeno mundo, estaremos a contribuir para que o mundo se torne uma grande família.