E eis que, de repente, dou comigo a pensar em Sócrates.
O pretexto é a discussão em torno do Orçamento de Estado.
O contraste não pode ser mais flagrante.
Hoje, toda a gente sabe. Mesmo antes de saber. Pelo contrário, o filósofo grego, que era sábio, achava que não sabia. Mesmo depois de mostrar imenso saber. Já na maturidade, quando a sua sabedoria era muito conhecida e celebrada, embora também contestada.
Teimosamente, Sócrates achava sempre que não sabia. A sabedoria atirava-o, ainda mais, para os braços da ignorância: «Quanto mais sei, mais sei que nada sei».
Porque a sua ignorância era sábia, a sua sabedoria não era ignorante, ainda que assim a julgasse.
O seu saber não era diletante, nem era aferido à partida. Sócrates fazia questão de testar, de se testar.
A sabedoria de Sócrates não advinha apenas do intelecto. Ela assentava, antes de mais, numa ética. Numa ética emoldurada pela humildade, pela consciência de que os outros são companheiros da mesma jornada, parceiros da mesma busca.
Sócrates impôs-se porque nunca impôs. Ele tinha consciência de que o esplendor da verdade não estacionava em nenhuma mente. Brilhava em todos os espíritos.
Sócrates convivia e confrontava-se. Não fugia ao debate. E, maieuticamente, procurava envolver os outros no acesso à verdade. Esta vinha à luz não através da imposição, mas mediante o comum encontro.
Agora, para meu espanto e minha perplexidade, tudo já é sabido, mesmo quando ainda nada se conhece.
O Orçamento só surgiu na sexta-feira, mas já há muito se teciam considerações sobre o seu conteúdo. E, mais, já se antecipava o seu resultado e as posições que se iriam tomar!
Sócrates resplandecia pela sabedoria da sua ignorância. Há quem prefira pairar pela ignorância da sua sabedoria.
É surpreendente (e temível) esta sabedoria por antecipação. É uma sabedoria deslumbrada de quem decide sem conhecer e, portanto, sem ceder.
Neste momento, o orçamento está disponível. Quem o elaborou que acolha sugestões. Quem está a estudá-lo que não se negue a oferecer contribuições.
A sabedoria não nos faz possuir a verdade. Deixa-nos ser possuídos pela verdade.
Depois do diálogo, então, sim, que cada um se posicione.
Antes, era precipitado. Agora, ainda é cedo. A sabedoria não é gémea da indecisão, mas também não anda de mãos dadas com a precipitação.
Há uma grande dose de prudência e discrição na sabedoria que o frenesim e o afã de aparecer nem sempre permite optimizar.
A sabedoria não deve ser arrastada, mas também não há-de ser espevitada aos empurrões. Ela flui na hora própria e no local certo.
A preocupação não deve ser, por isso, exibir sabedoria antes dos outros. A prioridade há-de ser, antes, acolhê-la e apresentá-la com os outros, para os outros.
Aprendamos com Sócrates. Permitamos que a sabedoria desabroche em cada um. Para poder florescer em todos!