1. Preocupante é a crise. Mas a pior crise não é a crise. É a falta de rumo perante a crise.
É o desnorte cívico, o descarrilamento político e a desnatação ética. É a incerteza que se abate sobre o futuro. É a descrença que tolhe os espíritos. É a desmotivação que esgana a vontade. É o deslaçamento afectivo que entorpece a convivência.
Andamos abatidos. Vemo-nos desmobilizados. Não descortinamos uma direcção. Somos cada vez mais tentados pelo torpor e pela desesperança.
É, no limite, esta crise que provoca a outra crise, a crise económica. E que dificulta (ou impede) o seu tratamento e a sua superação.
Tenho, por isso, para mim que concentrarmo-nos apenas na resolução da crise económica é um logro que só acaba por prolongá-la.
2. Passamos o tempo (e gastamos a vida) com variações em torno do mesmo: mais impostos, aumento do custo de vida.
O imediato sufoca-nos. A pressa oprime-nos. A serenidade escasseia. A situação agrava-se.
Sem tempo (nem disponibilidade) para reflectir, atolamo-nos no mais perturbador labirinto.
O Estado controla a vida dos cidadãos. Os cidadãos tentam escapar ao controlo do Estado.
As restrições não param. E já se acena com a recessão.
Tudo isto para quê? Quem sai beneficiado? Os pobres não são com certeza.
Mas será que a solução passará também por estigmatizar os ricos?
Ficou célebre uma resposta que Margaret Thatcher terá dado há décadas: «Sem os ricos não haverá esperança para os pobres».
Com efeito, para que os que têm menos possam vir a ter mais, impõe-se que os que têm mais aceitem ter menos.
Nesse sentido, é preciso deixar que a sociedade funcione. Ao Estado cabe regular, mas não asfixiar.
Se os mais ricos são hostilizados, que estímulo poderão sentir na promoção de empregos para os mais desfavorecidos?
A riqueza tem de ser repartida por todos. Não pode ser tutelada.
O Estado não pode estar no centro. No centro tem de estar a pessoa.
3. Há que ter presente que por cada ganho que se obtém, há uma perda que se averba.
Costumo fixar-me, desde há muito, numa máxima de Edgar Morin. Cada progresso acarreta sempre um retrocesso.
O progresso tecnológico, que é notório, não tem evitado um retrocesso humanista, que é igualmente visível.
Como notava o Padre Manuel Antunes, «no oceano da abundância, da riqueza em maré cada vez mais cheia, mesmo que o oceano pareça inesgotável — não o sendo, de facto —, continua a haver ilhas de miséria, rochedos desolados batidos pelas ondas da adversidade».
E o problema é ditado não somente pela indigência de muitos, mas também pela ausência de horizontes.
Muitos de nós sentem-se caminhantes de uma viagem incerta, em que vão contabilizando sobretudo perdas e angústias.
A desmotivação parece que se apoderou da comunidade, pairando sobre os nossos espíritos fatigados.
4. O país carece de um desígnio. Os cidadãos precisam de uma esperança. A sociedade necessita de voltar a acreditar.
É fundamental não fechar janelas nem tapar caminhos. É urgente dar oportunidade a outros. As ideias são indispensáveis, mas as pessoas são imprescindíveis.
Não se trata de suspirar por explosões sebastiânicas, mas de dar um rosto à esperança.
A comunicação não pode circunscrever-se à propaganda ou ser reduzida ao ruído da intriga, da insinuação e da calúnia.
Todos são bem-vindos. Ninguém pode ser desperdiçado. Há que puxar pelas energias do nosso povo.
Há quem tema que a falência não esteja longe. Importante é sentir que a capacidade de a evitar está perto, dentro de cada um de nós.
Se fomos capazes no passado, por que haveríamos de ser incapazes no presente?
Eterna não será a recessão. Perene tem de ser a esperança.