1. Ninguém questiona que Cristo está sempre na Igreja. Seria, porém, oportuno que perguntássemos se a Igreja procura estar sempre com Cristo.
Antes de mais e acima de tudo, Cristo apontou-nos uma vivência. Sucede que a preocupação de apresentar a vivência dentro de uma doutrina não foi acompanhada pela mesma vontade de reconduzir a referida doutrina à indispensável vivência.
A doutrina é necessária. Permite conhecer, ajuda a assimilar e, como é óbvio, não impede de viver.
A experiência certifica, porém, que uma demasiada insistência nos aspectos doutrinais não é imune a disputas, a processos e a conflitos que dilaceram e fazem vítimas.
Toda esta situação, no limite, está nos antípodas do que se pretende. É que se a doutrina existe por causa da vivência, como compreender que ela própria possa conduzir à respectiva negação?
2. Se repararmos, Jesus não pediu tanto que repetíssemos a Sua mensagem. Ele apelou, sobretudo, a que a puséssemos em prática.
Quase no final da Sua vida, foi muito claro com os que haviam de ser os Seus continuadores: «Como eu fiz, fazei vós também» (Jo 13, 15).
No Seu discurso de despedida, deixou-nos um único imperativo: que nos amássemos uns aos outros (cf. Jo 13, 34).
O amor, que corresponde à natureza de Deus (cf. Jo 3, 16; 1Jo 4, 8.16), desponta, pois, como o único sinal de que nos portamos como filhos de Deus.
Foi por amor que Deus Se fez Homem. Foi por amor que o Deus feito Homem aceitou morrer na Cruz. É que «ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).
A esta luz, o amor surge não como um mandamento, mas como o mandamento.
É, de facto, o amor que tudo compendia, que tudo congrega, que tudo desencadeia.
Não admira, por isso, que, na pauta que nos deu para o juízo final (cf. Mt 25, 31-46), o amor apareça como o único critério.
A aprovação será dada não aos que mostrarem mais ciência, nem aos que tiverem acumulado maior riqueza.
Nem tampouco são destacados os que melhor balbuciam a doutrina. A recompensa será atribuída apenas aos que tiverem revelado a vivência do amor.
São esses, no fundo, os que patenteiam a fé no grau mais elevado, já que conseguem ver Cristo onde Ele parece mais escondido: na pessoa dos pobres, dos simples, dos pequenos.
Na verdade, tudo o que é feito ao mais pequenino dos seres humanos é ao próprio Deus que se faz (cf. Mt 25, 40).
3. No exame de consciência que não podemos deixar de fazer, uma interrogação salta logo para o centro: que temos feito do amor?
Outra, entretanto, segue conexa. Que temos feito da pessoa humana?
Há, sem dúvida, muitas luzes. Mas não haverá também muitas sombras?
Quando Jesus quis fazer uma descrição de Deus, usou a imagem que considerou mais expressiva: a do Pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32).
O Deus, que Jesus deixa transparecer, resplandece pela misericórdia, pela compaixão, pela ternura.
O amor consegue aproximar os que estão desavindos. Pelo contrário, certas disputas acabam até por afastar os que se mostravam unidos.
A este propósito, valerá a pena recordar o que, uma vez, disse o cardeal Newmann. Para ele, uma pequena acção feita com amor revela maior e mais verdadeira fé do que a mais fluente conversa religiosa ou o mais profundo conhecimento da Bíblia Sagrada.
4. Não se infira daqui uma desvalorização da doutrina. Pelo contrário, trata-se de recolocar a doutrina a partir da sua nascente e no seu autêntico espaço: o amor.
O amor é a síntese e a coroa da doutrina. Em si mesmo, ele é mais que uma doutrina.
O amor não evita as discussões. Diria que até as promove e estimula.
O amor não obriga a ver tudo da mesma forma. Ele mantém-se mesmo quando vemos as coisas de modo diferente.
Kurt Westergaard vaticina pouco futuro para «as religiões totalitárias».
Pela minha parte, anseio pela erradicação do totalitarismo de todas as religiões.
Daí que seja prioritário transportar o amor para o centro. Só pelo amor, o testemunho da fé se torna credível.