1. O desencontro de Lamego com os tempos modernos vem de meados do século XIX.
De facto, é preciso ter presente que, nessa altura, Lamego ainda era uma cidade que se impunha. A sua população era maior, por exemplo, que a da cidade de Viseu!
Entretanto, vieram os distritos e Lamego, que constava no projecto inicial, ficou de lado.
Chegaram os comboios e Lamego, apesar de algumas tentativas, ficou de fora.
Não admira que a implantação da República deparasse com pouca mobilização. Em compensação, houve bastante moderação.
Esta deveu-se a vários factores, mas sobretudo a uma figura: Alfredo de Sousa.
2. Republicano por convicção, era um conciliador por natureza.
Em plena efervescência revolucionária, foi posta à discussão na Câmara a escolha de um feriado municipal.
A maioria optou por 1 de Maio, dia do trabalhador. Alfredo de Sousa, sem contender com a importância desta efeméride, chamou a atenção para a necessidade de um feriado que tivesse em conta festas tradicionais de Lamego.
Foi então que o 8 de Setembro, dia de Nossa Senhora dos Remédios, se tornou feriado municipal.
Gonçalves da Costa, outro lamecense ilustre, reconhece que foi, particularmente, a Alfredo de Sousa que ficou a dever-se o facto de «a proclamação da República em Lamego se ter processado sem qualquer género de perseguições ou perturbações públicas».
Em resposta a um inquérito do governo civil, Alfredo de Sousa assegurou não haver em Lamego conflitos de maior.
Apesar do clima de hostilidade em relação à Igreja, ele mesmo assinalou a percepção de que «o povo sente e manifesta a necessidade do culto religioso».
Indo mais longe, afiançou que «a República só lucrará facilitando o culto, pois tornar-se-á mais amada pelas classes populares».
3. A moderação de Alfredo de Sousa não o impedia de ser empreendedor.
Cônscio da importância, na altura, do distrito, apresentou no Parlamento uma proposta para a criação do distrito administrativo de Lamego.
Dele fariam parte, além de Lamego, Resende, Cinfães, Castro Daire., Tarouca, Armamar, Pesqueira, Penedono, Sernancelhe, Moimenta e Foz Côa.
Apesar da oposição de Viseu, o projecto encontrou boa aceitação em Lisboa.
Só que uma série de factores de ordem política e social fizeram com que o sonho não se concretizasse.
O caminho-de-ferro foi igualmente uma aspiração que Alfredo de Sousa quis trazer para a cidade. Alguns trabalhos chegaram inclusive a ser realizados.
Dificuldades de vária ordem, entretanto, fizeram abortar o que já tinha sido iniciado.
4. Há um episódio na trajectória deste Homem que certifica bem o seu amor pela terra que o viu nascer.
Nomeado Ministro do Trabalho, ordenou que fosse retirada do seu ministério a quantia de 170 contos(!) para benefício do concelho de Lamego.
Sucede que os colegas não concordaram com a decisão, interpretaram-na mal e opuseram-se-lhe com vigor. Alfredo de Sousa teve de apresentar a demissão.
A Câmara de Lamego promoveu-lhe uma sentida homenagem e grande manifestação.
Como sublinha Miguel Nunes Ramalho, «a melhor homenagem que a cidade esquecida lhe poderá prestar reside no combate activo pelo progresso, pelo desenvolvimento cultural, económico e social de todo o concelho, pela luta contra a ignorância e o obscurantismo, na senda da verdadeira dignidade humana: o sonho que Alfredo de Sousa levou consigo».