1. A história não se repete, mas também não se esgota. Ela é o terreno da novidade e, ao mesmo tempo, da repercussão.
O que determinou as ocorrências no passado pode continuar a interferir no presente e no futuro.
Daí que seja fundamental prestar atenção à história: não só enquanto ciência, mas, acima de tudo, enquanto fluxo incoercível de acontecimentos, pessoas e ideias.
É por isso que a história é uma escola, a maior escola. Está sempre a ensinar-nos. O seu eco prolonga-se. A sua presença mantém-se.
Mesmo quando parece que passa, o passado nunca passa completamente.
2. A implantação da República, cujo centenário estamos a celebrar, é um dos períodos que encerra imperdíveis lições.
Desde logo, urge perceber que nenhum regime é eterno. E nem sequer a inércia o sustenta.
A Monarquia portuguesa parecia madura de séculos. Nenhum rei tinha sido assassinado. (D. Sebastião morreu numa batalha).
No entanto, o que parecia inexpugnável acabou por tombar. Aliás, gerou-se imediatamente a convicção de que, mais do que uma conquista da República, o que aconteceu, em 1910, foi a queda da Monarquia.
Em 1911, Joaquim Leitão asseverava: «A revolução de 5 de Outubro não foi uma batalha. Foi uma defecção».
Não admira, pois, que logo a 6 de Outubro de 1910, Eduardo Schwalbach enviasse um telegrama para um jornal brasileiro cheio de ironia corrosiva: «Ao cabo de longos e porfiados esforços, os monárquicos acabam de implantar a República em Portugal».
Isto significa que a decadência da Monarquia foi considerada mais decisiva do que a acção directa dos republicanos.
De resto, foi a referida decadência que, ao longo dos tempos, levou a fermentar o ideal republicano no espírito de muitos.
3. O ultimato inglês abrira já profundas feridas, nunca totalmente saradas.
Depois, o chamado rotativismo entre regeneradores e liberais gerou um clima de instabilidade que intensificou, ainda mais, os ânimos.
Filipe Ribeiro de Meneses considera mesmo que «a paralisia que acometia os dois partidos tornou-os incapazes de reflectir as necessidades de uma sociedade em lenta evolução, de ultrapassar o fosso que separava cada vez mais Portugal de outros países europeus e de assegurar, sem qualquer sombra de dúvida, o império colonial».
Refira-se que, nesse tempo, a defesa do ultramar era absolutamente consensual na sociedade portuguesa.
A ditadura de João Franco incendiou os espíritos da oposição e levou a que a animosidade atingisse o próprio rei.
D. Carlos era um rei culto, mas com um estilo de vida apontado como extravagante.
O orçamento da casa real até era bastante inferior ao das suas congéneres europeias, mas, mesmo assim, não faltava quem o qualificasse como excessivo.
4. O regicídio, ocorrido a 1 de Fevereiro de 1908, foi o corolário de toda uma onda de descontentamento e revolta.
Contudo, não foi aí que o regime mudou. Portugal passou a ter um Chefe de Estado com apenas 18 anos.
D. Manuel II não estava preparado para ser rei e nunca escondeu o incómodo que a situação lhe proporcionou.
Iniciou uma política chamada de acalmação, que, no fundo, visava congregar vontades e, de certa forma, estender a mão aos republicanos.
Inicialmente, tudo parecia correr bem, mas, a pouco e pouco, verificou-se que o entendimento era impossível.
5. Proclamada a República, o país ficou longe da pacificação. A instabilidade, se era grande, tornou-se constante.
Os governos sucediam-se e os golpes multiplicavam-se. A questão religiosa tornou-se uma espécie de pedra angular dos novos tempos.
Aliás, logo a 8 de Outubro de 1910, o Governo Provisório retomava a legislação do Marquês de Pombal e de Joaquim António de Aguiar sobre associações religiosas e conventos.
Fortemente identificada com o poder anterior, a Igreja foi alvo de acções de retaliação. Muitas foram as perseguições.
Passada a euforia inicial, o povo logo percebeu que o desenvolvimento não viria por magia.
Os pobres pouco ganham com as revoluções.