1. Antes, os olhos do país estavam voltados para alguém de quem se esperavam golos: Cristiano Ronaldo.
Depois, o mesmo país rendeu-se diante de quem mais fez para os evitar: Eduardo.
Eis uma realidade e, ao mesmo tempo, um poderoso sinal.
Na vida, como no futebol, dá a impressão de que estamos à espera da derrocada.
Limitamo-nos a adiar o momento em que ela acontece. E acabam por ser os mais simples (os que não têm nome) a aguentar a barca na hora da tormenta.
No quotidiano do nosso país, tem sido o cidadão anónimo o mais sacrificado.
As figuras importantes, de quem se aguardava um rasgo, parece que se eclipsaram. Andam muito preocupadas consigo mesmas. Jogam pouco para o colectivo. Não é grande a semelhança com o futebol?
Daí que, diante da eliminação da selecção nacional no campeonato do mundo, seja imperativo extrair algumas ilações.
Seguem-se, pois, uns (breves) apontamentos a partir de um (grande) desapontamento.
2. Se repararmos bem, Portugal mostrou no estádio o que costuma mostrar fora do estádio.
Sabíamos que, na nossa selecção, havia muito talento. Mas notou-se, desde o princípio, que existia também muito medo. Dir-se-ia que estávamos perante um talento encolhido.
Sentia-se que se pensava mais nos obstáculos do que nas capacidades. Ora, isto tolhe o normal desenvolvimento de uma actividade.
Na África do Sul, Portugal ganhou o jogo que quis ganhar, empatou os jogos em que sobretudo não quis perder e acabou por perder o jogo em que não soube sequer empatar.
É certo que, com outra atitude, Portugal poderia obter igual ou até pior resultado.
Mas uma coisa é perder quando se faz tudo para ganhar. E outra coisa, bem diferente, é perder quando a única preocupação é impedir que os outros ganhem.
A Portugal, tirando a partida com a Coreia do Norte, faltou, quase sempre, alegria. A iniciativa era dada aos outros.
3. É claro que tivemos de defrontar a Espanha e o Brasil, equipas que tratam bem a bola, deslumbram o olhar e encantam as plateias.
Mas Portugal tem jogadores que ombreiam com os futebolistas destes países nas ligas mais exigentes do mundo.
A Espanha, por exemplo, perdeu o primeiro jogo, mas não abdicou do seu estilo.
Ao invés, Portugal ia alterando a táctica de jogo para jogo, parecendo uma equipa presa de movimentos e destituída de vivacidade.
A segurança defensiva é importante, sem dúvida. Mas, para isso, nada como tentar possuir a bola. Portugal tem jogadores exímios nessa arte.
A identidade da nossa equipa parece, assim, ter ficado de lado. Ora, quando se abdica da identidade, as coisas não saem bem.
4. Há equipas que vencem sem grande apetência pela posse da bola. Mas essa é a sua identidade, o seu código genético futebolístico.
O jogador português é ávido de bola, embora precise também de imprimir disciplina ao seu ímpeto.
Portugal esteve, pois, longe do êxito e distante de si. Esta é uma conclusão que não se circunscreve ao futebol.
O nosso país parece atravessado pelo receio e tolhido pelo desencanto.
Como é que queremos ganhar se não mostramos vontade de vencer? Como podemos ambicionar a excelência se não nos esforçamos por sair da mediocridade?
Não se vê alegria nos rostos e descortina-se muita ansiedade nos corações.
Também deixamos de ter iniciativa. Vamos cumprindo o que nos é imposto a partir de fora.
O medo de falhar é grande. Não admira, pois, que o falhanço acabe mesmo por vir.
O medo não é uma força estimulante, que nos faça transcender.
5. Olhemos para o que aconteceu na África do Sul. Não nos fiquemos pelos meandros das tácticas.
Afinal, a nossa (persistente) idiossincrasia ficou bem patente. O futebol retratou o nosso país.
Os outros não serão melhores. Mas mostram vontade de serem os primeiros.
Não desistamos, porém. A esta hora, os adeptos já pensam no euro-2012.
Que nós, cidadãos, pensemos no amanhã, no hoje, no agora.
Não nos resignemos.