1. Está mais que provado que a história do mundo não se decide somente segundo os grandes acontecimentos. Ela depende também — e bastante — dos pequenos gestos.
São as atitudes que melhor definem os seres humanos. Ou não fosse a palavra da vida muito mais eloquente que a palavra dos lábios.
Daí que seja importante prestar atenção não apenas ao que aparece nas aberturas dos telejornais ou nas parangonas da imprensa.
É cada vez mais urgente atender ao que se passa na rua. Aliás, o que a comunicação social veicula não faz mais do que replicar o que se passa no coração do homem.
Neste capítulo, tenho para mim que a humanidade mudou mais nos últimos vinte anos do que nos anteriores duzentos.
2. Os comportamentos seguem um padrão diferente.
Podemos dizer que as grandes pautas, pegando na primeira grande trilogia de Gilles Lipotvetsky, configuram uma situação marcada pelo império do efémero, pelo crepúsculo do dever e pela era do vazio.
Não admira, pois, que o interesse desponte como o grande filão. Porventura, sempre terá sido assim. Mas é indiscutível que hoje, esta pulsão se torna muito mais notória.
As pessoas tendem a posicionar-se, no mais leve diálogo ou na maior discussão, em função do que pensam oferecer-lhes o mais elevado proveito.
Ouvem-se, hoje em dia, expressões repetidas com grande descontracção que, em tempos, nos fariam arrepiar por dentro e ruborizar por fora.
Há quem assuma em privado (ou em pequenos grupos) pensar uma coisa e exprimir outra coisa em público. Como é possível ferir a consciência?
É certo que há momentos em que nem tudo pode ser verbalizado. Penso, por exemplo, na comunicação de uma doença mortal.
Só que uma coisa são as excepções e outra coisa, muito diferente, é a regra.
3. Como é que se pode votar contra a consciência? Como é que se pode falar contra a consciência? Como é que, no fundo, se pode viver contra a consciência?
A consciência, disse o Concílio Vaticano II, é uma espécie de santuário. Trata-se de um santuário secreto onde o homem se encontra com Deus.
Em finais dos anos 60 do século passado, o então teólogo Joseph Ratzinger defendeu que seguir sempre a consciência deve estar acima de tudo. Até do próprio papa!
A consciência tem de ser, por isso, inviolável. Mas há que ter atenção à formação da consciência.
Pela sua própria natureza (conhecer com), a consciência tem muito que ver com as nossas circunstâncias.
Temos de ter em conta que os actos mais vis são, muitas vezes, cometidos em nome da consciência. Há quem confunda o primado da consciência com o absoluto do eu.
A educação tem de começar, por isso, por ser educação da consciência.
4. Uma coisa, porém, é certa: mais do que apostar na lei é fundamental investir na formação da consciência.
Esta tem de estar habitada, antes de mais e acima de tudo, pela verdade e pela bondade.
É por isso que trair a consciência é não apenas ferir a relação com o próximo. É também atentar contra a própria a identidade.
Jesus nunca foi tão contundente como quando verberou a falsidade.
Como assinala Albert Nolan, «não havia nada que desagradasse mais a Jesus do que a hipocrisia. Jesus era verdadeiro, honesto, sincero e completamente transparente. O Seu olhar era límpido e conseguia detectar as mentiras e a falsidade do mundo que O rodeava».
É neste sentido que Jesus corporiza a experiência de alguém totalmente livre.
Obedecendo à voz da consciência, estamos a alicerçar a nossa liberdade.
Percebe-se, a esta luz, que Mahatma Gandhi tenha avisado: «Perderei a minha utilidade no dia em que abafar a voz da consciência em mim».
E entende-se também a sábia recomendação de Aristóteles: «Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência».
Até porque quem aceita ser escravo da consciência descobre o fundamento da autêntica liberdade.
Haverá liberdade contra a voz da consciência?