«Por vezes, encontramo-nos com o nosso destino no caminho que escolhemos para o evitar».
Assim escreveu (pertinente e magnificamente) Alguém. Via Diálogo Interior.
«Por vezes, encontramo-nos com o nosso destino no caminho que escolhemos para o evitar».
Assim escreveu (pertinente e magnificamente) Alguém. Via Diálogo Interior.
1. Aí está mais um campeonato do mundo para confirmar o que, desde sempre, se suspeitava e o que, desde há muito, se sabia: o futebol é bastante mais que um desporto.
Ele tornou-se também um fenómeno mediático de dimensões singulares e uma actividade económica de proporções únicas.
Não deixa, com efeito, de ser sintomático ver como é que, numa altura de crise, a humanidade consegue desligar dos problemas para se concentrar nas vicissitudes de uma bola conduzida por vinte e dois homens.
E é poderosamente significativo verificar as somas vultuosas de dinheiro que, mesmo no epicentro da supracitada crise, continuam a ser movimentadas à volta deste fenómeno.
2. Há, sem dúvida, uma necessidade infrene de escapar, nem que seja por uns dias, à dureza da realidade. Impressiona vivamente a identificação das populações com uma realização que, à partida, é meramente lúdica.
O real esmaga-nos com a sua crueza. O futebol não nos dá pão, mas vai oferecendo (quando oferece) contentamento, exultação e farta vivacidade.
Em poucas ocasiões os sentimentos se soltam como no futebol: a alegria, a tristeza, a proximidade, a violência, o patriotismo.
A bem dizer, a terra tem semelhanças com a bola e, pelos vistos, é a bola que mais a faz movimentar.
Há uma espécie de relação simbiótica que ilustra este impacto planetário do futebol. Não é a terra tão redonda como a bola e não é a bola tão redonda como a terra?
3. O futebol faz-nos lembrar e faz-nos também esquecer. Até parece que o nosso compromisso com a causa da justiça desaparece às portas do futebol.
Sofremos com a vida, mas pouco nos incomodam os milhões que serpenteiam no futebol.
Até os mais pobres exultam com o investimento que os seus clubes fazem no plantel. Desde que as vitórias venham, todos os sacrifícios são bem-vindos e todas as somas acabam por ser vitoriadas.
Não espanta, assim, que o futebol seja muito mais que um desporto.
Há quem faça dele uma ciência e apresente as tácticas e as jogadas como algo acabado de sair de um laboratório ou de uma sebenta.
Também não falta quem o patenteie emoldurado em belas peças de literatura.
E, claro, abunda igualmente quem o transfigure numa acção bélica como se de uma guerra se tratasse.
Desde logo, a linguagem eleva o futebol ao patamar de uma questão de vida ou de morte. É como se tudo esteja em jogo numa partida. Daí os feridos. Daí as mortes. E daí as vitórias não só de alguém, mas contra alguém.
O futebol é um fenómeno antropológico de grande complexidade. Ele mistura a eficácia com a arte. Nele há lugar tanto para a elite como para o popular.
É uma amálgama que tanto faz aproximar como explodir. É verdadeiramente imprevisível.
4. Como não podia deixar de ser, também não escasseia quem assimile o futebol à religião.
Dir-se-ia que o ser humano não passa sem rituais. E se não os faz nas igrejas, não os dispensa nos estádios.
A conversação está cheia de pontos comuns. Fala-se da fé no triunfo. Aponta-se o clube como uma religião e o estádio como um inferno.
Há quem faça peregrinações por causa de um jogo e dá-se até o caso de um dirigente ser conhecido como…papa!
Recordo que o anterior seleccionador italiano, Roberto Donadoni, assinalou, há anos, que se Bento XVI e João Paulo II fossem jogadores de futebol, «localizá-los-ia claramente do meio-campo para a frente».
Porquê? Porque, no mundo dos princípios, «não faz falta somente defensores mas também dianteiros».
5. Joseph Ratzinger, que nunca apreciou muito o desporto, refere que o futebol pode «ensinar o respeito mútuo, onde a aceitação de regras por todos faz com que, apesar da contenda, subsista aquilo que une e unifica».
Que este campeonato do mundo sirva, sobretudo, para aproximar pessoas e povos.
Se houver serenidade e entreajuda, ninguém perderá mesmo que alguém não vença.
No campo só uma equipa pode ganhar. Mas, se quisermos, na vida todos poderão sair vencedores!
Estamos num tempo de diagnósticos tremendistas, ansiosos, infrenes.
A palavra fim aparece em todo o lado: fim da história, fim da fé, fim da religião, fim da ciência.
Ultimamente, tem sido sobre a ciência que os vaticínios mais incidem. George Steiner e Jonh Horgan estiveram em Portugal esta semana e não pouparam nas palavras.
Creio que toda esta vaga denuncia, acima de tudo, saturação. Estamos a colocar demasiadas expectativas e os resultados têm sempre um ritmo mais pausado.
Há um certo nihilismo larvar, que subjaz perigosamente a toda esta tendência. Enquanto houver humanidade, haverá história, haverá ciência, haverá religião, haverá fé.
Terá é de haver uma adequação aos novos tempos. Mas não desesperemos jamais. O próprio fim terá um fim. É bom que ele esteja no princípio. Que tenhamos sempre presente para onde caminhamos. E que pensemos não apenas no fim do mês, mas também no fim da vida.
Faz sempre bem recordar Gandhi: «O que importa é o fim para o qual eu sou chamado».