1. O teste da simpatia foi superado com brilho e alguma surpresa. O importante, porém, é que o teste da vivência seja vencido com distinção.
Recorde-se que as expectativas para a visita do Papa não eram muito altas.
Não estava em causa a mobilização, que já se sabia numerosa. Em causa estava a adesão, a empatia. Em alguns sectores, veiculava-se mesmo o ambiente de uma certa hostilidade.
O resultado foi o que se viu. O ambiente abonançou-se. E praticamente toda a gente se rendeu.
Mas quem mudou não foi o Papa em relação às pessoas. Foram as pessoas que mudaram em relação ao Papa.
Afinal, a imagem estava longe, muito longe, de corresponder à realidade.
Já se sabia que Bento XVI era culto, inteligente, quase enciclopédico. Muitos foram os que ficaram a saber que se trata também de uma pessoa afável, serena e até — para espanto de não poucos — bastante sorridente.
Tudo isto fez, entretanto, aumentar as expectativas para o dia seguinte, para o tempo que aí vem.
Agora, as expectativas são muito altas. A pergunta já não é como vai correr a visita do Papa?, mas que fazer a partir da visita do Papa?.
2. O fundamental não foi o que ocorreu nos quatro dias que Bento XVI passou entre nós. O decisivo é o que pode acontecer a partir desses dias.
Ele não veio apenas para confirmar, como é próprio da sua missão de sucessor de Pedro.
Ele veio também para alertar, para inquietar, para desassossegar. Aliás, convém não desligar a mensagem que agora nos deixou do apelo que, há três anos, tinha feito aos bispos do nosso país.
Espanta-me que ninguém tenha feito a devida articulação entre os dois momentos. Mas convém não perder de vista que, a 10 de Novembro de 2007, o Santo Padre foi bastante acutilante: «É preciso mudar»!
E, se repararmos bem, o Bispo de Roma deixou vastos tópicos para que se empreenda essa (tão necessária) mudança.
Desde logo, há que olhar, como exortou no encontro com o mundo da cultura, para lá das coisas penúltimas concentrando-nos na procura das coisas últimas.
Diria que, com a sua inegável importância, a vinda do Papa até nós pertence ao penúltimo. Último — e verdadeiramente determinante — é o testemunho de cada dia, é a militância de cada instante.
A presença do Santo Padre foi um poderoso estímulo. Há-de haver, portanto, sequência, implicação, tradução na vida quotidiana.
Muitas vezes, andamos perto de muita coisa, mas distantes do essencial. O Papa alertou-nos para o essencial do acreditar e para o essencial do agir: «A nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós».
3. Por aqui passa, sem dúvida, a aprendizagem que, segundo Bento XVI, a Igreja tem de fazer quanto à sua forma de estar no mundo.
Estes dias mostraram que, no fundo, existe uma ligação muito forte e uma identificação muito grande do Papa com o povo.
As pessoas acolheram a palavra que escutaram e valorizaram o ânimo que receberam.
Vivemos num tempo carente de esperança, em que as atitudes valem tanto como as ideias.
Daí o convite a que se façam coisas belas e que se transforme a nossa vida num lugar de beleza.
Tudo radica no testemunho. «Há necessidade — insistiu o Papa — de autênticas testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo».
Esse testemunho não se faz, como é bom de ver, pela via da imposição. Só se pode fazer pela via da proposta.
É precisamente no testemunho que está a nossa força e também a nossa debilidade.
Foi para isso que, ainda no avião, o Santo Padre convocou a nossa atenção. A maior perseguição à Igreja não vem de fora. Vem de dentro. Vem do pecado que existe na Igreja.
Também na Igreja urge reaprender, incessantemente, a necessidade do perdão, o qual não colide com a justiça.
4. O dia seguinte está, pois, à nossa espera ou, melhor, já chegou. Será desta que a mudança vai acontecer?
A melhor homenagem ao Papa não é repetir o que ele disse. É pôr em prática o que ele pediu.
É, pois, a nossa vez de falar. Agindo.