A morte do Filho de Deus mostra que o crente não está isento de dramas nem de dúvidas. Claro que não estaciona na dúvida, abrindo-se constantemente à presença de Deus, tantas vezes manifesta de forma oculta.
É o paradoxo da fé: a presença na ausência, a força na fragilidade, o eterno no tempo, a vida na morte.
Nem o próprio Senhor Jesus passou ao lado deste drama. A Carta aos Hebreus afiança que Ele morreu no meio de grandes clamores e lágrimas.
Manteve, até ao fim, a consciência de que era Filho (Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito), mas nem isso impediu que gritasse usando uma expressão do Salmo 21 que, ainda hoje, dá que fazer à exegese (Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?).
A fé não é alienante. Não nos retira da vida. Atira-nos para as profundezas (mais obscuras) do mistério da vida.
Os escritos de Madre Teresa levam-nos para esse mar insondável da escuridão: «Não se pense que a minha vida espiritual é um mar de rosas - que é flor que raramente encontro no meu caminho. Bem pelo contrário, o mais frequente é ter como companheira a escuridão». Ao seu director espiritual confidencia: «No meu coração não há fé nem amor nem confiança. Há tanta dor, a dor da ânsia, a dor de não ser querida».
Neste tempo, em que somos confrontados com a dor do mundo na dor do Filho de Deus, fique a baloiçar no nosso interior esta palavra de Dietrich Bonhoeffer: «O Homem está chamado a sofrer com Deus no sofrimento que o mundo sem Deus inflige a Deus».
Em Cristo, Deus sofre connosco, em nós. Mesmo que não O sintamos.
O Senhor Jesus continua a entregar-Se. É o verbo que Ele, hoje ainda, continua a conjugar. Conjuga-o com os lábios. Conjuga-o com o sangue. Conjuga-o com a vida.