1. E se, de repente, quisermos localizar um facto positivo, onde poderemos aterrar? A quem poderemos recorrer?
Por muito que queiramos fugir ao caudal de más notícias, é muito difícil (para não dizer impossível) passar ao lado da terra que treme, da chuva que destrói, do acidente que mata, da violência que não dá tréguas nem parece conhecer limites.
Será curial nada dizer sobre o que ocorre? Um problema abafado nunca é um problema resolvido. Será sempre um problema adiado, um problema em penoso crescimento.
A indiferença diante de um problema não ajuda a superar o problema. A realidade tem de ser encarada de frente.
Há que transformar os problemas em oportunidades se não queremos que as oportunidades se convertam em problemas.
E o positivo não surge por inércia, por uma espécie de lance de mágica. O positivo nasce pelo esforço, pelo empenho, pela capacidade de transformação.
2. Acresce, porém, que o negativo vende melhor que o positivo. Daí que a comunicação social insista, muitas vezes até à exaustão, no tratamento de acontecimentos trágicos.
Ela sabe que o mercado está assegurado e o êxito garantido. Existe até aquele adágio, muito popular nos meios jornalísticos, segundo o qual a boa notícia não é notícia (bonnes nouvelles, pas de nouvelles).
Isto cria, quase sempre sem darmos por isso, um ambiente depressivo e uma atmosfera deprimente.
Até parece que o negativo atrai negativo. O negativo lá fora gera negativo cá dentro. Com o passar do tempo, tornamo-nos pessimistas, azedos e, não raramente, insuportáveis.
E se é certo que a notícia de um facto negativo pode ajudar a vencê-lo, também é verdade que, mesmo involuntariamente, pode contribuir para o disseminar.
Regra geral, a notícia de um assalto acaba por ser sucedida pela notícia de mais assaltos. Dir-se-á que é a lei da vida e, particularmente, do mercado.
3. Uma coisa, entretanto, tem de ser reconhecida. Se não fosse a comunicação social, muitos seriam os casos esquecidos, imensas seriam as pessoas ignoradas.
O pequeno Leandro, que se atirou ao rio por causa da violência continuada dos seus colegas, nem chegaria ao nosso conhecimento se não fosse a insistência da comunicação social.
Muita gente se indigna com os excessos da imprensa, da rádio e da televisão. Mas não será caso para nos indignarmos mais com a indiferença diante da violência?
Há quem descanse (e se tranquilize) dizendo que o bullying existe desde há muito. Isso serve de atenuante, de lenitivo ou de anestesiante?
Ainda bem que a comunicação social cumpre a sua função de alerta, de sentinela, de despertador. Poderá ter alguns pecados. Mas é bom que reconheçamos também as suas virtudes.
Acresce que a apetência pelo negativo não é um exclusivo dos órgãos de informação. É uma apetência de todos nós.
Se o público não consumisse tanto este género de notícias, não haveria certamente a mesma insistência nelas.
4. Todos nós percebemos a necessidade de se respeitar um ponto prévio, que está a montante de toda a discussão: se um facto existe, que motivo para o silenciar?
A questão que se coloca é: será que só existe o negativo?
Subsiste, entretanto, a pergunta: não haverá por aí nenhuma boa notícia para dar, não será possível encontrar nenhum facto positivo para difundir?
É claro que há e não penso apenas nas vitórias do clube da simpatia de cada um. Penso no encanto de tantas crianças, na bondade de tantas pessoas, na heróica resistência de tantas famílias.
Há tanta gente que opera verdadeiros milagres. Que é capaz de, com tão pouco, alimentar os filhos, pô-los na escola, oferecer-lhes valores.
Há tanta gente que, apesar da competição desenfreada, jamais pactua com a mentira ou a duplicidade.
Há tanta gente que, mesmo na pobreza, consegue ser tão rica em atitudes, tão pródiga em gestos, tão transparente na franqueza e tão luminosa no sorriso.
Nada disto vem à superfície da informação. Muitas vezes, é na rua que recebemos as maiores lições e encontramos as melhores notícias.