Esta é uma noite em que vamos adormecer na expectativa de escutas que, amanhã, ao acordar, poderemos ler.
Este é um tempo em que a comunicação social parece mais célere que a justiça.
Este é um tempo em que, além do medo induzido, existe o medo incorporado.
As pessoas de coragem são silenciadas, postas de lado ou removidas, ainda que sob a capa de uma ou outra promoção.
Há muitos casos sob os quais cai a neblina da suspeita: a saída de Moniz e Manuela Moura Guedes, o fim dos artigos de Mário Crespo, o abandono de José Manuel Fermandes da direcção do Público.
Nem sempre se concordaria com o que diziam. Mas, como lembrava Voltaire, mesmo não concordando com alguém, daria a vida para que ele se possa expressar. Não é esse o sumo da liberdade?
Muitas explicações são possíveis. O que é certo é que estamos a viver um tempo em que a liberdade começa a ser um bem escasso.
Quem é diferente, quem incomoda, quem alerta não tem lugar. É proscrito.
Esta é, pois, uma noite em que me lembro de Sophia de Mello Breyner Andresson. Como não recordar estas palavras?
Este é o tempo
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
Será que vamos mesmo renunciar?
Admiro, pois, quem não desiste. Admiro quem resiste. Admiro quem corre riscos. Admiro quem não fica à espera que a inércia faça o que ao Homem cabe fazer.
Admiro quem se mantém inteiro e livre. Admiro quem não renuncia aos ideais. Admiro quem não renuncia a ser. Mesmo na noite escura.
São estes que melhor seguem Jesus, o maior inconformista da História. Ele é luz nesta (nova) noite escura.
Para quem não renuncia a luz brilhará.
As mudanças fizeram-se com poucos. Com os poucos que não se resignaram. Com os poucos que não renunciaram. Nem recuaram!