1. Para nós, cristãos, os pobres não são apenas destinatários da pastoral. Eles estão, desde logo e antes de mais, no centro da Igreja.
Não fazemos parte somente de uma Igreja para os pobres, mas de uma Igreja de pobres e com os pobres.
Importa não esquecer que, como recorda Louis Châtellier, o Cristianismo é, verdadeiramente, uma «religião dos pobres».
Pobre foi o seu fundador. Com efeito, Jesus, que nasceu num estábulo, não tinha, muitas vezes, «onde reclinar a cabeça» (Mt 8, 20).
O seu Evangelho — recorda o cardeal Schönborn — «foi feito sobretudo para os pequenos e para os pobres».
E, no seu código de felicidade, começou por declarar felizes os pobres que o são no seu íntimo (cf. Mt 5, 3).
Os pobres estiveram sempre entre os predilectos de Jesus. A Igreja, enquanto novo corpo de Cristo, era constituída, nos seus inícios, por pobres de facto (cf. Tgo 2, 5) ou por pessoas que se faziam voluntariamente pobres (cf. Act 4, 32-5, 11).
Joseph Ratzinger percebeu muito bem esta identificação de Deus com a pobreza quando escreveu: «A pobreza é a autêntica aparição divina da verdade».
Jesus, na pauta que nos dá para o juízo final, assevera: «Tudo o que fizerdes ao mais pequenino dos Meus irmãos, é a Mim que o fazeis» (Mt 25, 40).
Não admira, portanto, que S. Francisco tratasse a pobreza por senhora e Bossuet chamasse aos pobres senhores.
2. A Igreja tem uma obra assistencial muito difundida.
Não basta, porém, tal obra assistencial, por muito meritória que seja. É fundamental que, no espírito de Jesus, porfie, em todos os seus gestos, por uma opção preferencial pelos pobres.
Essa opção levá-la-á a pugnar pela erradicação da injustiça que, arbitrariamente, atribui tudo a alguns e condena outros a pouco ou quase nada.
Erguer a voz é determinante. Tomar partido é decisivo, embora traga custos. É que o poder, que gosta de distribuir sobras, não admite ser interpelado.
É missão da Igreja ser a voz dos sem voz, urgindo uma mais equânime repartição dos recursos.
De facto, não há volta a dar: para que os pobres fiquem menos pobres é preciso que os ricos fiquem menos ricos.
3. Acresce, por outro lado, ter presente a importância do gesto e a dinâmica do sinal.
Os preferidos de Jesus têm de ser os preferidos da Igreja de Jesus. Cristo era para todos, mas privilegiava a companhia dos pobres, dos simples e dos pequenos.
Foi, aliás, em conformidade com este espírito que S. Gregório Magno revelou, no século VI, uma preocupação social que atingia o escrúpulo.
Fazia questão de ter uma lista dos pobres de Roma, enviando-lhes alimento e outras provisões.
Mas o mais tocante é, sem dúvida, saber que, todos os dias, doze pobres da cidade comiam à sua mesa, à mesa do Papa!
Um século mais tarde, um bispo de Alexandria espantou toda a gente com uma pergunta que fez à chegada: «Quantos são aqui os meus senhores?»
Como ninguém percebera o alcance, ele descodificou: «Quero saber quantos pobres temos. Eles são os meus senhores, pois representam na terra Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 25, 34-46). Dependerá deles que eu venha a entrar no Seu reino».
Fizeram o apuramento. Havia 7500 pobres, que ficaram a receber, todos os dias, uma boa esmola!
Toda a razão tem, assim, S. Gregório: «Quanto mais se desce ao encontro das fragilidades dos pobres, mais se sobe ao cume das virtudes».
4. Não esqueçamos jamais o pobre. É imperioso estar com ele para estar em Cristo. Se Ele nos enriqueceu com a Sua pobreza (cf. 2Cor 8, 9), amemos o Senhor no Sacramento do Pobre (sacramentum Pauperis).
Deus está vivo nos pobres, nos esquecidos, nos explorados, nas vítimas da injustiça.
É preciso descer as escadas. É urgente viver a vida das pessoas. É imperioso estar onde está Deus. E alguém pode negar que Deus (também) está na rua?
Deus emerge dos escombros desta sociedade que clama por justiça. É aí que, como observou Fernando Urbina, podemos acolher «a grande voz silenciosa de Deus, esse rumor imenso de que fala S. João da Cruz».
Muitas vezes, é preciso sujar as mãos para manter limpo o coração.