1. Quando falamos da Igreja, imediatamente pensamos em bispos e em padres. Concentramo-nos, deste modo, em apenas 0,1% da sua totalidade, deixando de lado os restantes 99,9%.
Quando um órgão de comunicação social quer saber a posição da Igreja, pensa logo num padre ou num bispo sem cuidar de saber se há um fiel leigo mais abalizado sobre esse assunto.
Há mais de quarenta anos, o Concílio Vaticano II recordou-nos que as questões relativas ao mundo dizem respeito sobretudo aos irmãos leigos.
Também disse que os pastores devem «estar dispostos a ouvir os leigos, tendo fraternalmente em conta os seus desejos».
No entanto, continuamos a subalternizar o seu lugar e a subestimar a sua intervenção. Até parece que só contamos com a sua generosidade, com os seus donativos…
Há não muito tempo, alguém me fazia sentir a sua alegria por determinada organização estar «nas mãos da Igreja». Motivo? Estava um padre à frente dela.
Eu respondia que a presença da Igreja em tal organização estava assegurada pelos cristãos que nela se encontravam. Mas não consegui convencer o meu interlocutor.
Este arquétipo ainda está bastante difundido. Importa, pois, relembrar que é pelo Baptismo (e não pelo sacramento da Ordem) que nos tornamos cristãos.
Os padres e os bispos não esgotam a Igreja. Constituem, sim, um prestimoso serviço na Igreja. Por isso chamam-se ministros, isto é, servos.
2. Na Igreja, não pode haver a lógica dos agentes e dos destinatários da missão. Os padres e os bispos seriam os agentes e os irmãos leigos constituiriam os destinatários.
Esta percepção está implícita, por exemplo, na relação que se mantém com a Eucaristia.
Ainda se ouve dizer, com frequência, que se assiste à Missa. Ora, à Missa não se assiste. Na Missa participa-se. Aqui, o verbo a conjugar não há-de ser o verbo assistir. Tem de ser sempre o verbo participar.
Seguindo o pensamento de S. Paulo, que compara a Igreja a um corpo (cf. 1Cor 12), não pode haver cristãos de primeira e cristãos de segunda.
Todos têm um lugar importante na Igreja. De resto, a importância de um lugar na Igreja não se afere pelo poder. Pela simples e elementar razão de que, na Igreja, não há relações de poder. Pelo menos, não devia haver. Na Igreja, há serviço.
Daí que o Papa, enquanto primeiro servidor, se apresente como servo dos servos de Deus!
Aliás, é curioso notar como a Igreja chegou a ter um Papa que tinha sido escravo. Trata-se de S. Calisto, que foi eleito no ano 217. Ou seja, a Igreja escolheu alguém que estava habituado não a mandar, mas a servir!
3. Não é o povo que existe para os padres e para os bispos. São os padres e os bispos que existem para o povo: para o conduzirem até Cristo.
Um padre e um bispo não podem actuar em nome próprio. Junto do povo, eles são chamados a actuar em nome de Cristo.
Jesus Cristo é o modelo do servidor e da recusa do poder. O poder só Lhe trouxe problemas. E não será que, hoje, continua a trazer-Lhe dissabores?
Não é, por isso, curial que o padre e o bispo exibam uma pretensa superioridade intelectual.
Como nota Joseph Ratzinger, «a fé dos simples apreende o núcleo da fé de modo mais central do que a reflexão dividida por muitos passos e conhecimentos parciais».
Os padres e os bispos estão ao serviço da fé dos simples, que «permanece como o grande tesouro da Igreja».
Os padres e os bispos não são donos da fé, mas servidores da fé, que está alojada na alma sã do povo simples.
4. Passando a minha vida a meditar nisto, vou concluindo, cada vez mais, que temos muito a aprender não só nos livros, mas também na vida. Em matéria de fé, o povo é mestre, o povo simples, humilde e puro.
Nos santuários, nas igrejas, nas casas ou até nas ruas, há tanto exemplo de fé viva que nos deve levar a pensar.
Às vezes, dou comigo a pensar que nem só os pastores deviam falar aos fiéis. Havia também de haver oportunidade de os fiéis falarem aos pastores. Também nos faz bem ouvir, calar, aprender. Com o povo.