Na escatologia, importa não descartar esta possibilidade: o homem, no uso da liberdade, resolve instalar-se na sua auto-suficiência, negando-se a Deus e recusando a Sua oferta de salvação.
Ou seja, é Cristo quem nos salva, mas é sempre o homem que se pode (auto)condenar. É uma elementar decorrência da liberdade.
A situação decorrente desta decisão livre do homem contra Deus recebe o nome de inferno.
Esta é, sem dúvida, a suprema ousadia, a máxima insolência. Quem é o homem — perguntar-se-á — para dizer não a Deus? E sobretudo para pronunciar um não definitivo? Que, no fundo, traduz um não definitivo a si próprio?
Trata-se, no entanto, de uma possibilidade que resulta da liberdade humana. Possibilidade, de resto, claramente afirmada por Jesus (cf. Mt 25, 31ss.). Alguém se sentirá livre se só puder dizer sim?
Se o homem não pudesse recusar Deus, como poderia aceitá-Lo? O chamamento à salvação pressupõe, portanto, a possibilidade da perdição. Como diz Luis Ladaria, «as duas possibilidades estão intimamente relacionadas e só se sustentam uma com a outra».
Não se infira daqui, porém, que há uma simetria, na escatologia cristã, entre o céu e o inferno. Ou seja, não se conclua que as duas possibilidades estão no mesmo plano.
Não. É que, além de nos chamar à salvação, Deus proporciona-nos todos os meios para a alcançarmos. O maior dos quais é o Seu próprio Filho. Que Se ofereceu a Si mesmo por nosso amor. O caminho está aberto (Jo 14, 6).
Por conseguinte, só uma recusa deliberada e consciente do desígnio de Deus nos afastará d'Ele para sempre.
A vontade divina é que todos os homens se salvem (1 Tim 4, 10). Deus não destina ninguém para a condenação. Pois, como afirma Olegario González de Cardedal, «o juízo de Deus não inova nada, mas revela tudo».
Assim sendo, é a nossa existência terrena que se vai tornando construção de céu…ou de inferno.