O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Sábado, 20 de Fevereiro de 2010
1. Uma coisa (muito saudável) é a separação entre a Igreja e o Estado. Outra coisa (bastante prejudicial) é o afastamento entre a fé e a vida. Perceber aquela fronteira e aceitar esta implicação é o segredo da missão e a chave da convivência.
 
A separação entre a Igreja e o Estado não alicerça um qualquer afastamento entre a fé e a vida. É bom que haja aquela separação. É fundamental que não se verifique este afastamento.
 
Não há, aqui, contradição. A Igreja tem uma estrutura diferente do Estado e o Estado tem uma estrutura diferente da Igreja.
 
Entender esta diferença é essencial para promover a relação e até para fecundar a colaboração. Na sua diferença estrutural, a Igreja e o Estado encontram-se no serviço à mesma humanidade. O Homem, com efeito, é o fim do Estado e o caminho da Igreja.
 
A Igreja e o Estado só ganham em manter um clima de mútua independência e estreita cooperação. A ambiguidade é negativa e a subserviência é sempre perturbadora.
 
O lugar privilegiado de presença da Igreja é a sociedade, junto das pessoas, especialmente junto dos pobres.
 
 
2. Concretizando os princípios, um cidadão que seja crente sabe que não pode favorecer (ou prejudicar) qualquer credo no âmbito das suas funções na vida pública ou política. Mas isso não o impede de testemunhar em toda a parte (e, portanto, também na sua intervenção cívica e política) a fé que professa.
 
Nenhum âmbito da existência está vedado ao Evangelho. Será aceitável que se viva a fé em toda a parte excepto na política? Essencial é que haja transparência.
 
Um cristão não deixa de ser cidadão pelo que a sua cidadania está marcada pela fé. O seu testemunho não consiste em almejar privilégios para a instituição Igreja, mas em promover os valores do Evangelho.
 
Neste sentido, levar a fé à vida política é não apenas um direito, mas sobretudo um dever, um imperativo.
 
 
3. Foi há não muito tempo que o Papa Bento XVI defendeu que a fé não deve afastar os cristãos dos seus compromissos de cidadania. É que, alertou, «viver a vida cristã significa também assumir os compromissos civis».
 
A verdade é ubíqua e o Evangelho é englobante. Não pode, por isso, ficar circunscrito à intimidade ou limitado à vida privada de cada um.
 
De facto, «um dos mais importantes aspectos da unidade da vida do cristão» é a coerência entre «fé e vida, Evangelho e cultura».
 
Numa catequese dedicada a São Máximo, Bispo de Turim do século IV, o Sucessor de Pedro referiu-se à «profunda relação entre os deveres do cristão e os do cidadão».
 
É bom, por conseguinte, «que os cristãos tomem consciência de que têm algo a dar ao mundo de hoje». E o Santo Padre dá um exemplo: «A política guiada pela ideia da compaixão é diferente da dirigida pela economia e pela técnica».
 
Trata-se, no fundo, daquilo a que o teólogo Johannes Baptist Metz chamou de «misticismo de olhos abertos», que é «uma característica do misticismo bíblico». Desde logo, porque «todos temos responsabilidade por outros sofrerem».
 
A espiritualidade não pode ser vista de uma forma ensimesmada, desligada do mundo, vista como uma espécie de refrigério. Metz alerta que «Deus não é só uma terapia, é igualmente um Deus provocador», que nos provoca, que nos impele.
 
 
4. Apesar de a crítica constituir um serviço, admitamos que é muito fácil criticar quem está na política. Mais difícil (e também muito mais necessário) é oferecer estímulos para estar na política de um modo diferente, de uma forma consistente, de uma maneira testemunhal.
 
Esquecemo-nos, muitas vezes, de que, com todas as suas fragilidades, são os políticos que traçam as linhas de actuação por que se rege um povo. São eles, ao nível sobretudo das autarquias, que nos ajudam na resolução dos nossos problemas. E nós, crentes, que contributos lhes fazemos chegar?
 
Quando se fala de política, imediatamente se pensa nos partidos. E é claro que os partidos são essenciais na vida política. Mas esta não se esgota nos partidos nem no poder que eles visam exercer.
 
A presença dos cristãos na política há-de ocorrer, acima de tudo, na promoção da justiça.
 
A Igreja é independente em relação aos partidos. Mas não pode ser neutral em relação à justiça. Ela não toma partido por partidos. Mas tem de tomar partido por causas, por pessoas, por ideais.
 
Quando a justiça está em causa, calar é um pecado. E se há medo de que a palavra possa ser conotada politicamente, é preciso ter presente que o silêncio não o é menos. Antes, pois, ser conotado com as vítimas da injustiça do que com os causadores da injustiça.
 
A política não se esgota nos partidos. Tudo é política. Tudo é relevante para a vida da polis, da comunidade. Assumamos a nossa presença. Não tenhamos medo das implicações do nosso testemunho.
publicado por Theosfera às 11:45

De António a 20 de Fevereiro de 2010 às 14:37
Os cristãos devem assumir os seus compromissos de cidadania, em plena liberdade de consciência. Acho perfeitamente adequado que a Igreja, ou as diversas igrejas, tenham posições oficiais sobre as mais diversas questões políticas. Mas será que se deverão considerar excomungados “ latae sententiae”, à luz do cânone 1329, por exemplo, aqueles que tivessem votado SIM na questão da despenalização da prática do aborto, por hipoteticamente se entender que serão “ cooperadores” no seu cometimento ? Fará sentido isso quando Hitler, se fosse católico, não seria excomungado por ter sido responsável pelo genocídio dos judeus ? A política guiada pela ideia da compaixão é diferente da dirigida pela economia e pela técnica». Pois é. Mas, em questões de consciência, cada um de nós não vê a realidade da mesma forma interpretativa, nem o critério do que é justo. O mesmo se passa, por exemplo, na questão do casamento civil entre homossexuais. E o mesmo se passaria também na questão da eutanásia. A " ideia da compaixão" não pode ser aferida por um critério exclusivista, em questões de controversa consciência. Se eu fosse católico, deveria acatar a aceitação da pena de morte, em nome de um estrito critério de obediência ou deveria seguir os imperativos éticos da minha consciência ?...


De Maria da Paz a 21 de Fevereiro de 2010 às 00:57
Ex.mo Senhor:
As questões de V. Ex.ª são sempre de uma pertinência candente e... fracturante! O que mostra uma inteligência viva, revestida de uma saudável inquietação diante da Vida e das suas vicissitudes, no sentido de minorar o sofrimento do Ser Humano e de lhe reconhecer (e restituir!) a Dignidade que lhe é própria.
Os meus cumprimentos.
Maria da Paz

De António a 21 de Fevereiro de 2010 às 14:17
Estimada Maria Paz:
Sou apenas um ser errante à procura da Verdade.Penso que a Igreja Católica tem um papel fundamental a desempenhar neste mundo tão hostil. Teve e tem muitos erros,mas igualmente incontáveis actos de devoção ao serviço dos melhores valores da causa humana.A minha ligação afectiva à Igreja Católica será perene, ainda que prefira manter-me como cristão institucionalmente desalinhado para não trair os imperativos da minha consciência. O Papa João Paulo II, esse gigante da Igreja e da Humanidade, a propósito do Inferno, disse:

«O céu não é o paraíso nas nuvens nem o inferno é a aterradora fornalha. O primeiro, é uma situação em que existe comunhão com Deus e o segundo é uma situação de rejeição» O purgatório, contudo, não é um mero estado de espírito, como o são o céu e o inferno, mas uma condição de vida - «aqueles que, depois da morte, vivem nesse estado de purificação, já estão imersos no amor de Cristo, que lhes tira todos os resíduos de imperfeição» (Correio da Manhã de 29.7.99, de 6-8-99, Jornal de Notícias de 5-8-99). Se, no tempo da Inquisição medieval, João Paulo II tivesse proferido essa afirmação, certamente que teria sido queimado vivo como " herege", pois o Inferno sempre foi caracterizado como um local concreto e físico de penas eternas. Foi um acto lúcido e de grande coragem.João Paulo II está certamente no Céu. Mas há quem ache que está no Inferno físico, por ter posto em causa essa ideia dogmática:

http://www.monergismo.com/textos/catolicismo/papa_inferno_McMahon.htm

As visões totalitárias e inclementes àcerca de Deus ainda têm muitos apaniguados. Por isso, é tão importante a evocação do Deus que nos fala ao coração. Foi o que João Paulo II fez...

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