1. A crise não é só (nem principalmente) financeira ou económica. Antes da crise financeira e económica, há toda uma crise de valores.
O problema é que nós só olhamos para esta quando nos sentimos mergulhados naquela.
2. A crise financeira e económica é um sintoma. A crise de valores é a causa, a raiz e a substância.
Esta crise não começou com a falta de dinheiro. Esta crise começou com a abundância de dinheiro. Foi a prosperidade que nos trouxe até à adversidade.
3. Fizemos do consumo o objectivo prioritário e da diversão o valor supremo. O deslumbramento retirou-nos lucidez.
Foi a ilusão de estarmos no alto que nos arrastou para a queda. Mas só notámos que estávamos a cair quando já nos encontrávamos no chão.
4. Pensávamos que a prosperidade era irreversível e que o crescimento seria infinito. Mas como é que num mundo finito poderia haver um crescimento infinito?
Faltou-nos pois compreender que a austeridade é, obviamente, limitadora, mas o crescimento também não é ilimitado.
5. E, no entanto, parece que ainda não aprendemos.
O nervo da crise, segundo Antonio Gramsci, reside particularmente nesta indefinição, nesta nostalgia: «Uma crise consiste no facto de que o que é velho já morreu e o que é novo ainda não conseguiu nascer».
6. Estranho é que, em vez do procurarmos o novo, pretendamos revivescer o antigo: o padrão de vida antigo, um padrão gastador.
Trata-se de um padrão assente mais no dinheiro fácil do que na educação difícil. Trata-se, em suma, de um padrão que faz da educação um meio de ascender ao dinheiro quando devia fazer do dinheiro um meio de crescer na educação.
7. Achamos que saber é apenas conhecer. E presumimos que saber é sobretudo possuir.
Devíamos aproveitar esta situação para deixar o mesmo e para apostar no diferente.
8. Quando Sofocleto dizia que «o saber é a parte mais considerável da felicidade», não estava certamente a pensar no saber ter.
Saber é mais do que saber ter. Saber é também saber acolher, saber ouvir, saber dizer, saber estar, saber viver. Afinal, quem não sabe viver saberá alguma coisa?
9. Não deixemos que a crise vença as pessoas. Façamos tudo para que as pessoas vençam a crise.
Não seremos mais felizes se todos tiverem acesso ao essencial? Como poderemos ser felizes quando alguns têm acesso a quase tudo deixando outros com quase nada?
10. Enfim, a crise é um problema. Saberemos transformá-la em oportunidade? Há medidas no exterior. Mas urgente é trabalhar o interior. Se olharmos mais para dentro, poderemos chegar (muito) mais longe.
Uma vida modesta não é — necessariamente — uma vida funesta. A simplicidade até pode catapultar-nos para a felicidade!