O objectivo da solenidade do Corpo de Deus é suscitar a expressão pública da fé na Eucaristia. Em causa não está obviamente qualquer intuito exibicionista. Está, sim, um impulso missionário que, de resto, remonta ao próprio Jesus Cristo. Na verdade, foi Ele quem nos enviou a evangelizar pelo mundo (Mt 28, 16-20).
É por isso que a Missa gera Missão. É por isso que o «ide em paz» não é uma despedida, mas um envio. E é por isso que, no que toca à Eucaristia, à celebração sacramental tem de suceder — sempre! — a celebração existencial.
Neste sentido, é interessante notar como na génese da solenidade do Corpo de Deus deparamos com uma estreitíssima ligação com a celebração eucarística. Desde cedo que, como nos diz Xabier Basurko, «os fiéis corriam de Igreja para Igreja com a única preocupação de verem o maior número possível de vezes a elevação da Hóstia consagrada».
Não espanta, assim, que em 1247 se tenha celebrado a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. Foi em Liège e por insistência de uma religiosa: a Irmã Juliana de Mont-Cornillon. Mais tarde, em 1264, na sequência de um milagre eucarístico ocorrido em Bolsena, o Papa Urbano IV estende a toda a Igreja esta festa através da bula «Transiturus». Embora não haja ainda qualquer alusão à procissão com o Santíssimo, é sabido que esta depressa se introduziu nos hábitos eclesiais e na alma crente do povo.
A fim de facilitar o visionamento do Pão consagrado — informa-nos de novo Xabier Basurko —, «começaram a utilizar-se aqueles objectos que habitualmente serviam para a exposição das relíquias dos santos. Deste modo, através do vidro transparente, as pessoas podiam fixar os olhos no sacramento do Corpo de Cristo».
Foi, entretanto, na época do barroco que esta festa atingiu o auge. A controvérsia com os protestantes mobilizou os católicos em torno da presença real de Cristo na Eucaristia. A ocasião ideal foi o Corpo de Deus, cuja festa se concentrava na procissão, «passagem do Senhor pelo meio do povo crente que O aclamava e O aplaudia com todo o esplendor de que a época barroca era capaz: música e coros, foguetes e bandeiras, danças e reverências, coroas e ornamentos de grande brilhantismo».
Descontados os circunstancialismos, permanece o essencial: a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja, que, não se limitando à celebração, envolve a adoração e implica o testemunho. Acresce que uma festa eucarística a meio da semana de trabalho significa também que a actividade humana está indelevelmente marcada com o selo de Deus!