1. A humanidade reconhece que está doente, mas os seres humanos têm dificuldade em reconhecer a natureza, a profundidade e o alcance das suas doenças. Somos como aqueles pacientes que não se sentem bem. Mas que nada fazem para serem curados nem sequer procuram saber qual é a sua enfermidade.
Javier Aranguren detectou uma tríplice doença no mundo: o ruído, a pressa e o êxito. Não obstante, continuamos afogados em ruído, mantemo-nos em correrias constantes e não desistimos do êxito a todo o custo nem da fama a qualquer preço.
2. Mário Vargas Llosa acha que a raiz de tudo está na falta de cultura humanista. Assistimos «a um extraordinário empobrecimento da linguagem e a uma deterioração da comunicação e da racionalidade».
Resultado? «As máquinas pensam por nossa conta. A cultura do ecrã é muito mais conformista, mais letárgica, desmobilizando o espírito crítico».
Talvez sem nos apercebermos, hoje em dia, lemos mais relatórios que livros. Deste modo, limitamo-nos a gerir o presente e não preparamos o futuro.
3. É que, «com a literatura, a imaginação desenvolve-se, criando sociedades e mundos melhores, mais justos e mais livres».
A literatura está «sempre a expor-nos às ideias da perfeição, da beleza, da coerência, de uma ordem que não existe no mundo real; nesse sentido, têm servido como o motor do progresso da civilização».
É certo que também se pode ler no ecrã, via net. Mas a experiência dita que não é a mesma coisa. A interacção com o texto parece outra.
4. Não se trata de diabolizar a cultura do ver. Mas importa perceber que ler é diferente: é ver duplamente, decuplamente, desmedidamente. Ler é ver com o espírito.
Ver é olhar para as coisas como elas são. Ler acaba por ser olhar para as coisas como elas podem vir a ser!
5. A democratização da cultura retirou-lhe alguma exigência, alguma elevação. Muitas vezes, a democratização é confundida com banalização.
Exemplo.É bom que a comida chegue a todos. Mas é mau se a comida que chega a todos não tem qualidade. E pior é se nem sequer estamos em condições de perceber que há comida que não tem qualidade.
6. Vargas Llosa pode parecer excessivo, mas não deixa de ser pertinente. O que é a cultura? Talvez tudo. Talvez nada. Quando é tudo, acaba por ser nada. Tanto se chama cultura ao livro, ao pensamento e à arte como ao «pimba» e à mera diversão.
Outrora, era o pensador que sobressaía. Hoje, é o «entretainer», o futebolista e o apresentador televisivo que surgem avassaladoramente. O que conta não é a qualidade, não é a substância. É o espectáculo.
7. Vargas Llosa rebela-se: «Seria uma tragédia que a cultura acabasse em puro entretenimento». Mas a frivolidade já triunfou. O vazio tem o espaço ocupado.
No limite, parece não ser possível «saber o que é belo e o que é feio. Nos tempos que correm, classificar alguma coisa de belo é quase uma aberração». Isto sente-se na música, na literatura, na vida cívica em geral. E, mais grave, é que já nem se adverte o estado da decadência.
8. O mais valioso não pode ser medido pelas audiências ou pelos aplausos.
Não pode ser o mercado a mandar. Tem de (voltar a) ser o espírito a decidir!