O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Segunda-feira, 18 de Junho de 2012

1. Não se pense que Deus só está presente na vida daqueles que O confessam. Ele está também — e bastante — no coração dos que O negam.

 

Entre a fé e o ateísmo, há uma simetria na experiência e, ao mesmo tempo, uma assimetria na direcção que ela acaba por tomar.

 

É por isso que Miguel Torga bem pode servir de fonte de inspiração para sintetizar a trajectória (a)teologal de José Saramago: «Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer».

 

Saramago nunca esqueceu Deus. Mesmo (sobretudo?) quando se assumiu como ateu.

 

E o certo é que foi dos escritores que, nos últimos tempos, mais concorreram para a permanência da questão de Deus como questão central na literatura e, mais vastamente, na vida pública.

 

Acerca de Deus, como alertou Xavier Zubiri, o mais difícil não é descobri-Lo; é encobri-Lo.

 

Se quisesse encobrir Deus, o ateu — sublinha Karl Rahner — «não só teria de esperar que essa palavra desaparecesse por completo, mas também deveria contribuir para esse desaparecimento, guardando completo silêncio, abstendo-se inclusive de se declarar ateu».

 

 

2. No fundo, José Saramago não deixava de ser crente. Acreditava que Deus não existe. Poderá alguém garantir mais do que isto?

 

A crença não é um exclusivo da atitude teísta. Ela abrange também (e bastante) a posição ateísta.

 

André Comte-Sponville, que se considera ateu, assegura que o ateu só pode dizer que acredita que Deus não existe.

 

É que, como nota Hans Küng, «se todas as objecções dos ateus tornam questionável a existência de Deus, não chegam, contudo, a tornar inquestionável a Sua não-existência».

 

Xavier Zubiri assinalava que a relação com Deus pode fazer-se pela via da afirmação, pela via da negação e até pela via da indiferença.

 

Nesta diversidade, os pontos de contacto não escasseiam. Miguel de Unamuno percebeu isto muito bem quando rubricou a célebre frase: «Nada nos une tanto como as nossas discordâncias».

 

A indiferença não foi, seguramente, a via seguida por José Saramago.

 

Deus nunca lhe foi indiferente. Pelo contrário, manteve com Ele uma relação intensa, embora tumultuosa.

 

 

3. Para Saramago, o Homem relativamente a Deus é como o murmúrio de uma ausência: «Deus é o silêncio do universo e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio».

 

Nos Cadernos de Lanzarote, chegou a escrever que «a existência do Homem é o que prova a inexistência de Deus».

 

Mas não há tantos que fazem exactamente a prova do contrário? Não são tantos os que encontram no Homem a maior epifania de Deus?

 

No passado, Gregório de Nissa falava do Homem como «pequeno Deus» e, mais perto de nós, Xavier Zubiri, apontava o ser humano como «maneira finita de ser Deus».

 

Aqui, prova funciona não como evidência, mas como percepção.

 

A discussão jamais estará concluída. Como refere Philippe van den Bosch, «não há qualquer prova racional da inexistência de Deus. Não há senão convicções individuais e pressupostos».

 

 

4. O que há a destacar é a persistência da procura e a insatisfação do encontro que, por sua vez, desencadeia uma nova procura.

 

Nesta inquietação não laboram apenas os que negam. É conhecido o convite de Santo Agostinho: «Procuremos como quem há-de encontrar e encontremos como quem há-de voltar a procurar».

 

O ateu é alguém que não descansa na procura. É inquieto e inquietante. As suas interpelações não anulam a fé. Espevitam-na e ajudam ao seu aprofundamento.

 

Até o ateu mostra que Deus é uma questão humana. Deve ser também uma questão humanizante, fraternizante.

 

Nem sempre é o isso o que se vê. Deus é vítima de tantas imagens desfocadas e de tantos discursos distorcidos.

 

Em qualquer caso, Ele está em todos. Nos que dizem acreditar. E nos que, não dizendo, acabam por não estar longe d’Ele!

publicado por Theosfera às 05:49

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