1. A «era do vazio» (aquela em que, segundo Lipovetsky, nos encontramos) não nos atira inevitavelmente para o nada. Pode conduzir-nos também para tudo.
O vazio torna-nos permeáveis a qualquer coisa. O vazio não significa necessariamente ausência. Pode significar, acima de tudo, falta de critérios.
O nosso tempo continua a ter valores. O problema é que os valores dominantes não são os valores do espírito, mas os valores do dinheiro. Este impõe-se até quando falha.
Nesta época (dita de crise), a preocupação é mais salvar os bancos do que ajudar as pessoas. A economia condiciona mais a política do que a política a economia. A moral e a espritualidade são postas à margem.
É por isso que a sociedade massificada e o homem tecnificado desvaloriza a verdade, a beleza, a sabedoria e a justiça.
O pensamento é cada vez mais acrítico. O que nos chega de novo é visto como melhor só por ser novo.
A novidade não é avaliada. O antigo não é integrado. Resultado? Perde-se o que se tinha e não se ganha o que se quer ter.
2. De tudo isto (e muito mais) nos fala Rob Riemen, que esteve recentemente em Portugal e que, nas suas obras, tem denunciado o logro civilizacional em que nos arrastamos.
Neste sentido, entende ser obrigação dos intelectuais devolver algumas palavras ao seu real significado.
Por exemplo, é fundamental explicar que «não é em torno do dinheiro que a vida se joga». Quem quiser viver com dignidade «tem de cultivar a nobreza de espírito».
Para isso, é fundamental promover o acesso à arte, à cultura, aos livros. É por aqui que teremos sensibilidade aos valores que nos precedem e nos transcendem: a verdade, a bondade, a beleza, a justiça.
Os próprios valores políticos e económicos devem assentar em valores espirituais. Sem estes valores, corremos o risco de vegetar numa mera democracia de massas. Sem valores espirituais, facilmente derivamos para o populismo, o imediatismo.
3. Tudo isto faz relevar, de novo, a centralidade da educação.
Sucede que, como alerta Rob Riemen, «criámos um sistema de educação que não está interessado em dar a toda a gente a oportunidade de desenvolver os seus talentos. Porque deixámos de nos interessar pela humanidades e pela filosofia».
O actual sistema de educação só se preocupa com a economia, com o Estado, com o emprego. Não se preocupa, a montante e a jusante disso, com a pessoa, com a sua criatividade.
Não raramente, o sistema educativo formata as pessoas, nivela-as a partir de ideias preconcebidas. Não as prepara para as surpresas, para as adversidades, para o imprevisto.
Não basta, pois, dizer que o Estado assegura o acesso de todos ao ensino. É preciso ver o que se faz com esse sistema de ensino.
As pessoas pensam melhor, mais profundemente, mais criativamente? As pessoas têm uma conduta mais decente, mais activa, mais cidadã, mais solidária?
Há que proporcionar, antes de mais, uma forma diferente de pensar. É nessa base que perceberemos que a nossa crise não é financeira; é de civilização.
Muitos nos disseram que não é por causa da economia estar bem que tudo corre bem. Por baixo dessa aparência, alerta Rob Riemen, «pode acontecer qualquer coisa que tem que ver com os valores morais».
E, no entanto, quais são as nossas referências, quais são os nossos heróis? Desde há décadas que as referências e os heróis deixaram de ser os poetas, os artistas e os pensadores. Passaram a ser os ricos, os famosos, os homens e as mulheres do espectáculo!
4. É preciso reaprender que a pessoa, cada pessoa, não vale pelo que tem.
Não é a roupa, o relógio, os sapatos que definem a pessoa. Também não é a presença nas redes sociais que sinaliza o seu valor.
O nosso sistema educativo oferece muitas e boas técnicas. O seu objectivo é conseguir uma profissão. Mas não é pensar.
É preciso que a sociedade volte a apostar nas pessoas como pessoas e não como meros activos. Urge investir de novo no perene, na amizade e na permanência na amizade.
O ruído e a pressa são os sintomas do vazio que nos inunda. Como não temos nada, andamos afanosamente à procura de qualquer coisa para nos preencher.
Só que aquilo que momentaneamente nos prenche dificilmente nos enche.
O ser humano precisa de mais. A humanidade merece melhor!