O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 20 de Agosto de 2017

A. Ainda há exclusões no tempo da inclusão

  1. Num tempo em que tanto se fala de inclusão, ainda há quem repetidamente sofra com a exclusão. Ainda há muitos muros em vez de pontes. A Igreja, como Jesus, é universal. Tem, por isso, de funcionar como tal. Acontece que, às vezes, também nela há a tentação de excluir, de afastar, de subestimar. Também nela há a tentação para estratificar os membros em preferidos e preteridos.

É possível que ainda subsistam muitas «capelas» e pouco sentido de Igreja. Pensamos muito no nosso grupo, na nossa espiritualidade, no nosso movimento. E a Igreja? E Jesus? É certo que cada realização específica deve reflectir a inspiração geral. Mas, não raramente, dá a impressão de que vemos mais o global a partir do particular do que o particular a partir do global. É verdade que há muitas reuniões. Mas será que existe verdadeira união? Estando bastante reunidos, será que nos sentimos autenticamente unidos?

 

  1. A Liturgia deste Domingo projecta a universalidade de Cristo e da salvação trazida por Cristo. Jesus, depois de notar como os fariseus e os doutores da Lei se recusavam a aceitar a mensagem do Reino, entra numa região pagã, sinalizando desde logo como os pagãos são destinatários dos dons de Deus. Diante da fé revelada por esta mulher cananeia, Jesus oferece-lhe a salvação que Deus prometeu a todos os homens, sem excepção.

Olhemos, então, para esta mulher. As suas três intervenções mostram, por um lado, o seu desejo de salvação, vista como cura. E, por outro, atestam a fé convicta que a anima. Basta ter presente que as designações «Filho de David», que equivale a «Messias», e «Senhor», com que ela se dirige a Jesus, configuram uma confissão de fé. Estamos, pois, perante uma figura que nos impressiona pela fé, pela humildade e também pelo sofrimento que transparece no seu apelo.

 

B. A aparente indiferença e rudeza

  1. Tudo se passa para os lados de Tiro e de Sídon (cf. Mt 15, 21). São duas cidades da Fenícia (actual Líbano), ao norte da Galileia. Desde o tempo de Pompeu (por volta de 64 a.C.), a Fenícia estava anexada à Síria. Sídon distava aproximadamente 32 km de Beirute. Tiro era muito famosa na antiguidade, pois os fenícios dominavam o mundo da navegação.

Refira-se que, no passado, os reis de Tiro tinham feito uma aliança com David e Salomão. Eles enviariam madeira e mão-de-obra para a construção do templo. Em contrapartida, Salomão enviaria ao rei Hirão, de Tiro, mantimentos e cereais de que a sua população precisava. Sucede que as consequências deste acordo foram catastróficas para Israel, pois o sucessor de Hirão fez essa aliança com Israel através do casamento da sua filha com o rei Acab. Foi essa filha, chamada Jezabel, que introduziu o culto idolátrico de Baal entre os israelitas, o que provocou um profundo desgosto em Deus.

 

  1. Havia, portanto, uma espécie de barreira entre Jesus e aquela mulher. Os povos a que pertenciam não primavam por uma relação propriamente amistosa. O respectivo passado condicionava — bastante — o presente. Daí a reacção de aparente indiferença por parte de Jesus. Ao pedido inicial da mulher Jesus responde com silêncio. Dos Seus lábios não sai uma única palavra (cf. 15, 23).

Do silêncio passa a uma aparente rudeza. Os discípulos fazem o papel de porta-voz do pedido daquela mulher: «Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós» (Mt 15, 23). Aqui, Jesus parece afectado por um estranho nacionalismo: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel» (Mt 15, 24). Tal nacionalismo afigura-se ainda mais exacerbado ante o último — e sumamente dramático — apelo da mulher: «Socorre-me, Senhor» (Mt 15, 25). «Não é justo — atalha Jesus — que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos» (Mt 15, 26).

 

C. A estratégia pedagógica de Jesus

 

5. Como entender esta indiferença e rudeza de alguém sempre preocupado em mostrar o amor e a misericórdia de Deus pelas pessoas? Será que Jesus perfilhava uma visão nacionalista da salvação e da Sua própria missão? Acontece que, pelo desenvolvimento do texto e da mensagem de Jesus, fácil é concluir que estamos perante uma formidável estratégia pedagógica.

O que Jesus pretende mostrar é, em primeiro lugar, o total despropósito dos preconceitos judaicos contra os pagãos. Em segundo lugar, Jesus demonstra cabalmente que a fé não depende da proveniência nem da condição.

 

  1. Afinal, é a fé de uma estrangeira que recebe o maior elogio. A nenhum judeu Jesus reconhece ter uma fé grande. Pelo contrário, até a um dos Seus discípulos mais chegados — o apóstolo Pedro — Jesus tinha repreendido pela sua pequena (ou pouca) fé (cf. Mt 14, 31). A esta humilde mulher estrangeira Jesus reconhece ter uma «grande fé»: «Mulher, é grande a tua fé» (Mt 15, 28).

No fundo, Jesus usa uma estratégia parecida com a socrática «maiêutica». A inicial — e aparente — indiferença e rudeza é uma oportunidade para que apareça à luz do dia uma prodigiosa confissão de fé. A mulher mostra toda a sua grande fé numa atitude de plena humildade: «Também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos donos» (Mt 15, 27).

 

D. A «grande fé» de uma mulher

 

7. Esta é outra lição imprescritível de todo este episódio. A fé só nasce no ventre da humildade. É a humildade que gera a fé. Esta mulher, longe de ficar revoltada com Jesus, não desiste e continua a confiar em Jesus.

Acresce que a nossa fé, como a fé desta mulher, está sempre em teste, está sempre a ser posta à prova. Esta mulher foi testada e duramente provada. Ela obteve o que pretendia porque não desistiu. Mais. A prova que Jesus lhe colocou foi a providencial oportunidade para que ela pudesse testemunhar a grandeza da sua fé.

 

  1. Na sua humildade, esta mulher mostra que está muito à frente dos que à frente costumam aparecer. Ela podia ser estrangeira para alguns, mas nunca foi estranha para Deus. Para Deus, nem os estrangeiros são estranhos. Infelizmente, nos nossos tempos, ainda há muitos estranhos embora não sejam estrangeiros. Ainda há muitas distâncias na era da proximidade. Estamos perto, mas ainda não aprendemos a estar próximos.

Aprendamos, com esta mulher, a arte da humildade. Esta mulher, na sua humildade, nem sequer reivindica equiparar-se ao Povo eleito. Ela está disposta a ficar apenas com «as migalhas» que caem da mesa (cf. Mt 15, 27). O que ela pede é o acesso à salvação que Jesus traz. Esta salvação é compaixão. A compaixão que a mulher pede para a sua filha é a compaixão que Deus tem por cada um de nós.

 

9. Os dons divinos a todos são oferecidos

 

9. Curiosamente, São Paulo também aparece animado pela universalidade da salvação. Ele assume-se claramente como «apóstolo dos gentios» (Rom 11, 13). Em Cristo, ele quer fazer um povo de todos os povos. Ele até quer provocar ciúmes entre os israelitas para ver se estes despertam para os dons de Deus (cf. Rom 11, 13-14).

Tal como os gentios, que antes estavam longe de Deus, agora tiveram acesso à Sua graça, os judeus, que agora se afastaram dos dons de Deus, também hão-de alcançar a mesma graça divina. Para Deus, não há excluídos. Sobre todos Ele deixa cair a Sua misericórdia.

 

  1. Os dons divinos a todos são oferecidos. Estejamos, pois, atentos. Deus está connosco em todos os momentos.

Nunca nos esqueçamos de Lhe dizer sim. O Seu amor por nós não mais terá fim!

publicado por Theosfera às 05:49

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