- Muita gente se espanta por as festas se manterem com apreciável pujança e volumosos orçamentos.
Pode haver uma ligeira descida nos gastos, mas na substância não se notarão muitas oscilações.
- É comum responder-se que o povo tem necessidade de festas.
O quotidiano é demasiado duro. Uma breve descompressão estival será, por isso, bem recebida. Daí os divertimentos e até os excessos «à boleia» da Virgem Maria e dos Santos.
- Acontece que, em tempos recuados, o quadro não era muito diferente.
Na Idade Média, apesar da rigidez dos costumes, havia festas que ultrapassavam, em muito, os excessos actuais.
- Basta pensar na chamada «festa dos tolos» (festum fatuorum). Decorria nos últimos quatro dias do ano e incluía não só actos profanos mas também a paródia de actos sagrados.
Havia clérigos que jogavam aos dados em cima do altar, envolviam-se em concursos de bebida, brincavam aos sermões ou viravam os livros sagrados de pernas para o ar.
- O mais curioso é que a comunidade intelectual dava uma justificação (quase metafísica) para estes desmandos.
Em 1445, a Faculdade de Teologia de Paris defendia que era importante que «a loucura, que é a nossa segunda natureza, se pudesse esgotar livremente pelo menos uma vez por ano».
- Como argumento, usava-se um termo de comparação poderoso: «Os barris de vinho rebentam se não os abrimos de vez em quando para entrar algum ar».
Conclusão: «Todos nós, homens, somos barris mal montados e é por isso que permitimos a loucura em determinados dias para, no fim, podermos voltar com maior zelo ao serviço de Deus»!
- Tantos séculos depois, será que mudamos? Será que crescemos?
Para muitos, existe uma unidade entre aquilo que, à partida, é deveras contrastante. Supostamente, tudo é em honra do santo padroeiro: não só a Missa e a procissão, mas também o arraial, a farra e as bebidas. Para muitas pessoas, tudo faz parte da única festa.
- Impressiona, de facto, que não haja o mais leve senso crítico. E que, na maioria das festas, a aposta na diversão corresponda a um esquecimento da solidariedade. Toda a gente parece muito satisfeita.
Só que a eficácia da acção não está na satisfação. Está no compromisso.
- Aliás, já D. Óscar Romero apontava o critério decisivo acerca da qualidade da missão: «Como é que eu trato os pobres? Porque é neles que Deus está».
O compromisso com os pobres desponta, pois, como o grande cinzel da fé.
- Não espanta que o Beato Hermano José tenha confessado que «festa sunt mihi infesta». Numa tradução um pouco livre, significa: «Os dias de festa, para mim, não são de festa».
Não faltam, com efeito, factores a obscurecer a festa: a ostentação, os excessos. É verdade que, para tédio, já basta o quotidiano. Mas uma alegria sóbria não será a mais bela?