O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 19 de Novembro de 2017

A. Só ganha quem se dispõe a perder

  1. O que fazemos com o que recebemos? O que estamos dispostos a realizar com o que Deus nas nossas mãos está sempre a colocar? Estamos disponíveis para com os outros crescer? Ou só queremos o que para nós possa render? O que Deus nos dá é para multiplicar, não para enterrar.

Deus não quer que joguemos à defesa, a pensar unicamente na nossa segurança. Deus quer que arrisquemos e que inundemos a vida com torrentes de esperança. Quem arrisca pode perder. Mas quem se arrisca por Deus, ainda que perca, acaba sempre por vencer.

 

  1. Para Deus, só ganha quem se dispõe a perder. Para Deus, só recebe quem dá, quem se dá. Jesus tanto elogia o que obteve dois como o que alcançou cinco. Só censurou o que se escondeu com o que tinha. Jesus não exige que consigamos muito; o que Ele quer é que demos tudo e que nos demos totalmente.

Os talentos, de que fala o Evangelho, começaram por ser uma unidade de peso, usada sobretudo para medir metais preciosos. Por exemplo, na Babilónia, um talento equivalia a 60 quilos. Com o passar do tempo, o valor baixou, situando-se entre 35 e 26 quilos. Mesmo assim, um talento equivalia a 6000 denários. Se pensarmos que o denário era o salário de um dia de trabalho, então concluiremos que um talento — ou seja, 6000 denários — era o equivalente a uma vida inteira de trabalho.

 

B. Nada é propriedade nossa, tudo é dom para nós

 

  1. Eis a grande lição deste Domingo: nada é propriedade nossa, tudo é dom para nós. Se Deus nos entrega a vida, então a vida que temos não é nossa; é dom de Deus para nós e para os outros. A esta luz, podemos não só dizer que «circular é viver», mas também que «viver é circular». Ou seja, viver é fazer circular a vida que Deus nos dá.

É com este espírito que somos convidados a celebrar o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco. Se a nossa vida deve circular por todas as vidas, ela há-de circular especialmente pelas vidas mais desprotegidas. Foi neste sentido que um dos primeiros (e mais eloquentes) sinais da presença dos cristãos no mundo consistiu «no serviço aos mais pobres». E se foi assim no princípio, há-de ser sempre assim, até ao fim. É por isso que também hoje «somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, a fixá-los nos olhos e a abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão».

 

  1. Acresce que a nossa vocação à partilha com os pobres é inseparável da nossa vocação à pobreza. A pobreza desponta, pois, como uma realidade e como uma vocação. E assumir a vocação à pobreza é o melhor meio para ajudar a combater a realidade da pobreza. Tudo isto pode parecer paradoxal e até contraditório, mas é uma bela e luminosa verdade. Enquanto a realidade da pobreza consiste na carência de bens, a vocação à pobreza consiste na superabundância de bem. Enquanto a pobreza material consiste em não ter, a pobreza espiritual consiste em partilhar o que se tem. Foi este o exemplo de Jesus que, como notou São Paulo, nos tornou ricos com o Seu ser pobre (cf. 2 Cor 8, 9).

E se Jesus foi pobre, os Seus discípulos, para O seguirem, terão (também) de ser pobres. É por isso que, como alerta o Santo Padre, «para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de tudo, uma vocação a seguir Jesus pobre».

 

C. A realidade da pobreza e a vocação à pobreza

 

  1. A pobreza está mais no coração do que no bolso. De facto, a pobreza – prossegue o Sumo Pontífice - «significa ter um coração humilde, que sabe acolher a condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de sermos imortais. A pobreza é uma atitude do coração que nos impede de conceber como objectivo de vida o dinheiro, a carreira e o luxo».

Indo mais longe, dir-se-ia que é esta pobreza «que cria as condições para assumirmos livremente as nossas responsabilidades pessoais e sociais, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela Sua graça. Assim entendida, a pobreza é o padrão que permite avaliar o correcto uso dos bens materiais».

 

  1. É, portanto (e sobretudo) na partilha com os mais necessitados que se concretiza esta aplicação dos talentos com que Deus nos presenteou. Deus é, sem dúvida, muito pródigo e infinitamente generoso para connosco. Se um único talento equivale a uma vida de trabalho, cinco talentos corresponderão a cinco vidas de actividade. Trata-se, portanto, de um imenso dom, que nos há-de levar a fazer sempre o que é bom.

Aquilo que Deus nos entrega não é para conservar, mas para repartir. Neste caso, Deus não quer que sejamos conservadores, mas ousados. O que Ele nos deu é para ser dado, o que Ele nos doou é para ser doado. Quanto mais se divide o que nos foi entregue, mais se multiplica o que nos foi dado.

 

D. Que fazemos com o que Deus nos entrega?

 

  1. Os dois primeiros servos descritos na parábola não perderam tempo. Partiram «logo» (cf. Mt 25,15.17). A missão não pode ser adiada e, como dizia o saudoso (e querido) Bispo do Porto, «os pobres não podem esperar». A missão é urgente porque a vida é breve e o tempo é veloz. Assim sendo, na missão não nos podemos atrasar.

Jesus tem palavras de elogio para quem não se atrasou e para quem arriscou (cf. Mt 25,20.22). E não repreende o terceiro servo por não conseguido. Repreende-o por não ter tentado. Martin Luther King disse à família que não queria ser recordado como o homem que conseguiu, mas como o homem que tentou.

 

  1. Às vezes, não tão poucas vezes assim, assemelhamo-nos a este terceiro servo. Arranjamos pretextos e multiplicamos desculpas. Não foi em vão que São João Paulo II nos pediu para não termos medo. Ele sabia que o medo nos tolhe e nos aprisiona. Daí que fiquemos paralisados, adormecidos e amortecidos sem perceber que os dons de Deus são despertadores e motivadores. É preciso perceber que, se o medo está em nós, o Deus que vence o medo tem muito mais força dentro de nós.

Já o cardeal Stephan Wyszynski reconhecia que «o pior defeito de um apóstolo é o medo». Se não podemos impedir que o medo apareça, temos de impedir que ele nos assalte e devore.

 

E. Nunca perdemos quando nos perdemos pelo Evangelho

 

  1. Aliás, o texto que escutámos é redigido numa altura em que o medo começava a sobrevoar o ambiente entre os cristãos. Algumas divisões e a possibilidade de algumas perseguições desencadeavam algum desalento e não pouca desmotivação. Recorde-se que estávamos no final do século I, aí pela década de 80. Os cristãos, talvez já cansados de esperar a segunda vinda de Jesus, perderam muito do seu entusiasmo inicial. Estavam como o terceiro servo da parábola: sem vontade de arriscar e de pôr ao serviço dos outros os talentos que Deus lhes deu.

Tal como hoje, era fundamental redespertar a fé, reaquecer o espírito e renovar o compromisso com o Evangelho. Tal como hoje, era urgente perceber que viver em Cristo é ser ousado, é não deixar correr, é não desistir. Viver em Cristo é nunca começar a desistir e nunca desistir de começar.

 

  1. Na missão, é normal — e até desejável — que percamos alguma coisa. É bom, com efeito, que percamos calculismo, que percamos falsas seguranças, falsas certezas e falsas defesas. O caminho de Jesus é um caminho de ousadia, um caminho de risco. Por conseguinte, é preciso arriscar.

Não tenhamos medo de proclamar o que recebemos de Jesus: o Seu Evangelho, a Sua mensagem, a Sua doutrina. Não tenhamos medo de levar Jesus a todos. Não tenhamos medo de rezar. Não tenhamos medo de ajoelhar. Não tenhamos medo de nos confessar. Não tenhamos medo de testemunhar. Deus está ao lado dos que se inquietam, dos que inquietam.

Guardemos, pois, o Evangelho, mas não nos resguardemos de arriscar tudo pelo Evangelho. Quando arriscamos, podemos perder. Mas quando arriscamos tudo pelo Evangelho, nunca nos perderemos!

publicado por Theosfera às 05:07

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