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Sexta-feira, 22 de Julho de 2011

1. De um caminho podemos saber como começa, mas dificilmente saberemos como acaba. E há coisas em que o melhor é não começar. «Obsta principiis», assim reza uma máxima da sabedoria latina.

 

O antónimo de público é privado. Donde facilmente se percebe que o privado não tem de ser do domínio público.

 

Acontece que tudo muda («até o mudar mudou», dizia Bernardim Ribeiro) e nem sempre se muda para melhor.

 

O esvaziamento de ideias aliado à pulsão exibicionista ditou que a informação seja tecida, em grande parte, com a vida privada.

 

Isto faz com que determinadas pessoas sejam (per)seguidas e escutadas sem o seu conhecimento e, muito menos, sem o seu consentimento.

 

Mais grave, porém, é notar que o género de informação(?) que se condimenta com estes ingredientes tem consumo assegurado e êxito garantido.

 

Quem vive disto não fica perturbado se for contestado. Só fica preocupado se não for consumido.

 

Desde que haja audiências e vendas, não haverá problemas.

 

 

2. Como se isto não bastasse, às vezes são os próprios a não cuidar da sua privacidade. É claro que, pelo menos, aqui não há violação da liberdade. Mas, mesmo assim, continua a haver matéria para reflectir. E inflectir.

 

Esta ausência de fronteira entre o público e o privado tem muitos avatares, repercutindo-se nas mais inesperadas situações.

 

A falta de percepção dos limites pode levar aos mais perigosos resultados. Ninguém pense que logra controlar e gerir todos os cenários.

 

Hoje em dia, tão fácil é inserir uma imagem no facebook como colocar uma câmara na casa de banho ou um microfone numa sala de reuniões.

 

O incómodo continuará a ser grande, mas o espanto tenderá a ser cada vez menor. Nem sequer quando estes episódios são realizados à custa da delação anónima, do ódio aviltante ou da difamação soez.

 

 

3. Muitos, por exemplo, já não cuidam de distinguir entre o vestir no privado e no público. E, como é óbvio, a tendência das pessoas não é para se vestirem em privado do mesmo modo que se vestem em público. A tendência é, crescentemente, para se vestirem em público do mesmo modo que se vestem em privado.

 

E anote-se que o informalismo nem sempre é sinónimo de despojamento, simplicidade e humildade. Todos nós encontrámos, ao longo da vida, pessoas que, ostentando um porte formal, se mostravam impressionantemente solícitas, atentas, próximas, afáveis e solidárias. Pelo contrário, há pessoas com uma aparência informal que são quase intratáveis.

 

A contestação a uma escola que alertou para o modo de vestir devia, acima de tudo, levar-nos a pensar.

 

Há coisas em que não devia ser necessário intervir e, muito menos, legislar.

 

As convenções não são o mais importante, mas têm o seu lugar.

 

A educação é um processo de crescimento em que se vai do menos para o mais e, sobretudo, para o melhor.

 

Até um treinador de futebol impõe regras quanto ao vestir dos seus jogadores.

 

O bom senso é sempre um precioso conselheiro.

 

E há sempre uma reserva que importa manter.

 

 

4. O ser humano transporta consigo um índice de mistério e um capital de transcendência que nenhum exibicionismo consegue anular.

 

As convenções também têm a sua sabedoria, ao apelarem para um resguardo inabarcável.

 

Não são as convenções que afectam a convivência. Até a podem tornar mais subtil e estimulante.

 

Se a sociedade não preserva a privacidade, que, ao menos, os cidadãos não a devassem.

 

Nem tudo é para dizer. Nem tudo é para mostrar.

 

As redes sociais fizeram aguçar um apetite devorador por controlar, obsessivamente e ao minuto, a vida uns dos outros. Para quê?

 

Não mereceremos mais que a vulgaridade?

 

 

5. A intimidade é algo que nos pertence. Só assumindo-a como nossa podemos oferecê-la aos outros.

 

É curioso notar que até os marxistas mais convictos foram sempre muito ciosos na preservação da sua privacidade.

 

Nada há, portanto, de conservador na defesa do pudor. Pelo rumo que as coisas vão tomando, penso até que se tratará de uma atitude de vanguarda, lucidamente progressista.

publicado por Theosfera às 16:21

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