Não deixa de ser curioso notar como, nestes tempos pós-modernos, alguém como Mandela seja chamado santo.
Alguém contesta? Contestava o próprio. Não se considerava santo...a não ser na medida em que se sente um pecador que não desiste de tentar.
Também no século XIX, refractário a muitas normas eclesiásticas, Eça falava de Antero de Quental como de um santo: «um génio que era um santo».
Alguém pode sentir-se transtornado como é que um suicida seja assim qualificado. Só que julgar não é para humanos.
Genuinamente humano foi o carácter de Antero, carácter «heroicamente íntegro», como refere Eça.
Antero viveu como um monge recluso, mas não indiferente.
Tinha um coração dourado, que respirava Deus.
Apesar de se sentir abandonado por Ele, muitos O viram nele.
E não será um verdadeiro milagre produzir um poema como este?
Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade
È que eu vi o teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na Natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só de perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Uma pena destas só pode ter vindo do Céu. Tem inspiração etérea e respiração celestial.
Quantos terão falado tão belamente da Mãe de Deus?