- Poucos acontecimentos foram tão dramáticos como a morte de Jesus. Como entender que tenha recebido tanto mal quem praticou tanto bem?
Julgado e condenado, Jesus viu-Se desprezado, humilhado, crivado de dores (cf. Is 53, 3-4).
- O Seu desenlace foi envolvido por uma forte torrente de lágrimas e clamores (cf. Heb 5, 7).
Foram dois os gritos que Jesus soltou: um grito antes de morrer (cf. Mc 15, 37; Mt 27, 50; Lc 23, 46) e o grito de abandono (cf. Mc 15, 34; Mt 27, 46).
- Se gritar nestas circunstâncias é perfeitamente entendível, aquele grito de abandono constitui um facto sumamente intrigante.
Jesus confessa-Se abandonado não pelos homens — já que algumas pessoas estavam com Ele (cf. Jo 19, 25-26) —, mas por Deus.
- Muitas explicações têm sido dadas. Será que alguma delas nos satisfaz?
As teses poderão ser consistentes. Mas não se têm mostrado muito convincentes.
- Para Joseph Ratzinger, «não há palavras» para responder à (excruciante) interrogação de Jesus: «Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34; Mt 27, 46).
Tampouco tranquiliza saber que estamos perante a reprodução do início de um Salmo (22, 2) que até termina num clima de confiança.
- Nenhum contexto consegue amenizar a dolorosíssima carga daquelas palavras.
É notório que Jesus está a sentir o que diz e a dizer o que sente.
- Será que se quebrou a unidade entre Jesus e o Pai (cf. Jo 10, 30)?
De modo algum. Jesus morre como sempre viveu, intimamente unido ao Pai (cf. Lc 23, 46).
- Se os dois são um só Deus — pergunta Santo Agostinho —, «como seria possível que o Pai abandonasse alguma vez o Seu Filho?»
O que acontece é que — ainda segundo o Bispo de Hipona — Jesus grita «com a voz da nossa humanidade».
- Não é a nossa humanidade que, tantas vezes, se declara abandonada por Deus?
Jesus faz subir o grito da humanidade até Deus. Mas também faz descer o eco da resposta de Deus à humanidade. Afinal, Deus não nos abandona. No Seu Filho, Ele sofre com todos nós, Seus filhos.
- O mistério não desaparece, mas estremece.
Deus nem sempre afasta o sofrimento. Mas nunca deixa de estar ao lado dos sofredores. Em Si, Ele sofre connosco!