A. Um encontro entre dois filhos
- Neste décimo Domingo do Tempo Comum, somos presenteados com um episódio que é tudo menos episódico. Trata-se de um episódio verdadeiramente referencial, já que constitui uma referência marcante para a nossa fé e para a nossa vida.
Essencialmente, temos aqui um encontro, um encontro entre dois filhos: o Filho Unigénito do Pai vai ao encontro de um filho único de sua mãe. Um está vivo, o outro está morto. O vivo vai ao encontro do morto, a vida vai ao encontro da morte, a vida vai oferecer vida à morte. Parafraseando Santo Agostinho, dir-se-ia que a vida é mortal e a morte é vital. Cristo até na morte nos presenteia com a vida, com a Sua vida.
- Há que notar que cada um destes filhos não vai só. Cada um destes filhos vai acompanhado por muita gente. Jesus, o Filho Unigénito do Pai, vai acompanhado pelos discípulos e por uma grande multidão (cf. Lc 7, 11). O filho único de sua mãe, que era viúva (cf. Lc 7, 12), vinha acompanhado por «bastante gente da cidade» (Lc 7, 12).
A vida e a morte trazem sempre muita gente. A vida e a morte afectam toda a gente. Ninguém passa ao lado da vida. Ninguém passa ao lado da morte. Na vida todos vamos ao encontro da morte. Mas também é verdade que na morte todos somos chamados a ir ao encontro da vida.
B. A vida vai ao encontro da morte
3. O encontro acontece na «porta da cidade» (Lc 7, 12). Ou seja, o encontro dá-se na entrada. A vida e a morte encontram-se desde o princípio, e são instadas a coexistir para sempre.
Tudo isto é misterioso e acaba por ser muito belo. Aliás, o nome da terra deste milagre já aponta para esta beleza. Dizem que Naim significa «bela» ou, como sugerem alguns, «charmosa». Trata-se de uma cidade israelita, que existe ainda nos dias de hoje, com o mesmo nome. É um lugar muito pobre, habitado por 1.600 árabes muçulmanos. Fica a 7 km do Tabor, no sopé do monte.
- Jesus chega a Naim, vindo de Cafarnaum, onde tinha curado o servo de um centurião romano (cf. Lc 7, 1-10). A viagem tinha sido longa, pois estas localidades distam 30 km uma da outra.
Há uma preciosa informação do século XII, fornecida por um monge beneditino chamado Pedro Diácono: «Na casa da viúva, cujo filho foi ressuscitado, existe uma igreja e a sepultura onde ele teria sido colocado». No século XIV, há ainda indicações acerca dessa igreja. mas a partir do século XVI não se fala de mais nada a não ser de ruínas. A actual igreja, simples e modesta, foi construída em 1881, sobre os restos da antiga. Conserva duas valiosas pinturas do fim do século XIX. O cemitério antigo devia estender-se para a parte oeste do lugar, onde se podem ver diversos túmulos escavados na rocha. Um sarcófago romano é conservado na parede da igreja.
C. Significado das ressurreições operadas por Jesus
5. Já agora, será oportuno referir que o Evangelho oferece-nos o relato de três ressurreições operadas por Jesus. Uma é a ressurreição da filha de Jairo, chefe da Sinagoga, que acontece no próprio dia da morte (cf. Lc 8, 52-56). Outra é esta ressurreição do filho da viúva de Naim, que ocorre um dia depois da morte (cf. Lc 7, 11-17). E a terceira é a célebre ressurreição de Lázaro, verificada quatro dias depois da morte (cf. Jo 11, 39-44).
Santo Agostinho propõe uma significação espiritual destas ressurreições. A morte é vista como símbolo do pecado e a ressurreição é encarada como libertação do pecado. O que sobressai não é o regresso à vida que se tinha, mas a entrada numa vida nova, numa vida plena, na vida eterna. Como diz o Bispo de Hipona, «é mais importante ressuscitar para viver sempre do que ressuscitar para morrer de novo».
- Para Santo Agostinho, a filha do chefe da Sinagoga é símbolo dos que têm o pecado no íntimo do coração, mas ainda não o puseram em prática. No caso vertente, há um morto que ainda não saiu de casa. À palavra de Jesus — «levanta-te» — o pecador acorda, desperta e arrepende-se voltando a respirar o ar de salvação e santidade.
A ressurreição do filho da viúva de Naim significa, para Santo Agostinho, a libertação dos pecadores que põem em prática o seu pecado. O sair de casa simboliza o agir em público. Por isso, é também em público que Jesus o liberta do pecado, restituindo-lhe a vida da alma e entregando-o à sua Mãe, a Igreja. Curiosamente, o próprio Santo Agostinho viu-se retratado neste jovem apontando sua mãe (Santa Mónica) como símbolo do sepulcro em que ele se encontrava. No Livro VI das suas «Confissões», descreve a Deus a atitude da sua mãe: «No sepulcro do seu pensamento, ela apresentava-me a Vós para que dissésseis ao filho da viúva: «Jovem, eu te ordeno: «levanta-te”». E, de facto, Agostinho levantou-se, renascendo para a graça, para a fé.
D. Tão humano é Jesus na Sua divindade
7. Finalmente, há aqueles pecadores que, de mal em mal, estão tão entranhados no pecado que até já cheiram mal. A pedra que encerrava o sepulcro de Lázaro significa, para Santo Agostinho, a tirania do hábito, que subjuga a alma e não a deixa levantar-se nem respirar.
Sucede que até aqueles que estão nesta situação têm uma solução. Jesus reverte até o que parece irreversível. À voz possante de Jesus — «Lázaro, sai para fora» — rompem-se as cadeias da sepultura e despedaça-se o poder da morte. Lázaro volta a andar, sem a opressão das ligaduras. Em Jesus, o perdão é sempre libertação.
- Voltando ao relato do filho da viúva de Naim, notamos como Jesus Se mostra tão humano a poucos instantes de revelar o Seu poder divino. De facto, ao ver aquela mãe a chorar a morte do filho, Jesus começa por Se compadecer pedindo à mulher para não chorar (cf. Lc 7, 13). É como se Jesus estivesse a pedir-lhe aquelas lágrimas, desejando que elas passem para Ele. De seguida, aproxima-Se e toca no caixão (cf. Lc 7, 14).
Enfim, Jesus consegue ser tão humano até no momento em que Se revela tão poderosamente divino. Jesus diz então o jovem para que se levante. E eis que o prodígio acontece. O que estava morto sentou-se e começou a falar (cf. Lc 7, 13-14). Jesus entrega o filho à mãe, símbolo da Igreja, a quem Deus entrega cada um dos Seus filhos.
E. Evangelizar é transportar Jesus
9. Olhando para este episódio no seu conjunto (na sua extensão e na sua profundidade), deparamos com um fortíssimo momento de revelação de Deus. É o que Jesus pretende e é o que a multidão entende. Refere o texto que todos começaram a dar glória a Deus dizendo: «Deus visitou o Seu povo» (Lc 7, 16). E, de facto, Jesus é a visitação de Deus. Jesus é a vinda de Deus até nós. A vida que Ele dá ao jovem não é uma vida unicamente humana; é uma vida humana insuflada pela vida divina.
Jesus não Se limita a falar de Deus. Ele próprio é Deus junto de nós. Ele próprio é Deus para cada um de nós. O que Jesus faz não é de origem humana; é de origem divina (cf. Gál 1, 11). E o que Jesus faz é a transformação plena da nossa vida, é a passagem da morte para a vida. Jesus está sempre disponível para operar esta mudança. Estaremos nós disponíveis para que tal mudança aconteça? Deus quer a nossa existência deixe de ser um cortejo de morte para que passe a ser um luminoso caminho de esperança.
- Como há dois mil anos, há muitos motivos para dar glória a Deus (cf. Lc 7, 16). Não recusemos dar essa glória e participar nesse louvor. Como há dois mil anos, a fama de Jesus vai-se espalhando (cf. Lc 7, 17). É fundamental que nós sejamos os portadores dessa fama e os anunciadores dessa presença.
Não esqueçamos nunca que evangelizar é transportar Jesus. É levar Jesus em forma de mensagem, em forma de proposta, em forma de gesto. Quem de Jesus ouvir falar sentirá — seguramente — a vida a mudar!