1. A demissão do Papa será tudo menos um acto de resignação. Será, acima de tudo, uma reforma de quem não se conforma. Será, certamente, uma renúncia que transporta uma denúncia.
Trata-se, em suma, de um gesto inovador de um Papa que muitos (apressadamente) viam como conservador.
2. Muitos se espantam diante da veemência das mais recentes palavras de Bento XVI. Finalmente, dispuseram-se a escutar aquele que, durante anos, se recusavam a ouvir.
De facto, nos últimos dias o Papa conquistou atenção. Aliás, nos últimos anos, já tinha alcançado bastante auditório. Mas, desde cedo, tinha conseguido o que, só muito tarde, alguns quiseram ver: credibilidade, competência, acutilância.
3. Não foi agora que o Papa reparou em muitas feridas. Não foi agora que o Papa alertou para a hipocrisia, as divisões e as rivalidades que gangrenam muitas instituições eclesiais.
Antes de ser Papa — e até muito antes de ser Bispo — já o tinha feito. Dir-se-ia que esta foi uma preocupação que sempre o acompanhou desde o princípio e que acabou por desgastá-lo até ao fim.
4. Ele, que sempre se mostrou contido nas atitudes, nunca foi avaro nas palavras.
Ficou célebre — e calou muito fundo — o diagnóstico que traçou na Via-Sacra de 2005, apoucos dias de ser eleito: «Quanta sujidade existe na Igreja! A Igreja parece uma barca que mete água por todos os lados. As vestes e os rostos da Igreja estão sujos. E somos nós mesmos a sujá-los».
Contudo, já nos idos de 70, o então Padre Joseph Ratzinger remetia em direcção parecida e apontava responsabilidades semelhantes: «Se, antigamente, a Igreja era a medida e o lugar do anúncio, agora apresenta-se quase como o seu impedimento»!
5. Não é de fora que vêm as dificuldades maiores. De fora surgem — como é natural que surjam — as interpelações. Mas é de dentro que emergem os obstáculos.
Identificá-los torna-se, por isso, uma prioridade. E removê-los desponta, pois, como um imperativo.
6. A renúncia do Papa em tempo de Quaresma torna (ainda) mais urgente o apelo à conversão.
Não são apenas os outros que precisam de se arrepender. É cada um de nós que tem de se converter.
7. No início da Eucaristia, ninguém aponta os pecados do vizinho do lado. Todos nos confessamos pecadores.
Sendo assim, é internamente que a mudança tem de ser desencadeada. Porque é internamente que as coisas são o que são e que poderão ser o que têm de vir a ser.
8. A lição do Papa encerra uma alternativa muito clara e uma opção bastante simples: mudar ou mudar-se.
O Papa concluiu que as suas forças estavam a diminuir quando a necessidade de mudança continua a crescer.
9. Ele acha que não está em condições de que continuar a fazer. Mas tem perfeita noção do que tem de continuar a ser feito.
O Papa está cansado, porventura um pouco condoído, mas nada vacilante.
10. Ele retira-se para que outro possa prosseguir o que ele não se cansou de tentar: promover a mudança. A mudança das estruturas. E, sobretudo, a mudança de vida!