O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Terça-feira, 31 de Maio de 2011

Globalização

 

Processo, que alguns dizem remontar ao período dos descobrimentos portugueses, e que consiste na percepção de que pertencemos todos ao mesmo mundo.

Independentemente da terra ou da pátria, o que se passa em qualquer parte do mundo afecta toda a gente.

No plano económico, a interdependência é um facto e, no plano político, é também uma evidência.

Os povos organizam-se cada vez mais em sentido global: UE, ONU, NATO, etc.

Como disse Marshall McLhuan, o mundo transformou-se numa aldeia global.

Todos estamos mais próximos de todos. O que se passa num país afecta a humanidade inteira.

 

Abertura de mercados

É uma das consequências mais palpáveis da globalização. Os mercados deixaram de ser geridos, exclusivamente, por cada país.

São os mercados internacionais que determinam as políticas de cada país.

Nos mercados já não há fronteiras políticas. Há, sim, fronteiras sociais com a distância entre classes a acentuar-se: os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

 

Competitividade

A competitividade é uma decorrência do mercado global. Sobrevive quem está mais preparado, quem dispõe de mais recursos.

Como o mercado é dominado pela lógica neoliberal, a prioridade não são as pessoas, mas o lucro.

Há uma espécie de neodarwinismo, em que são os mais fortes economicamente que ditam regras.

A competitividade levada ao extremo é um problema de aguda seriedade.

 

Cooperação

Com a globalização, as pessoas e os povos podem circular mais e cooperar melhor. Não só dentro de cada país, mas em espaços mais alargados.

Há vários fenómenos deste género, como a União Europeia e organizações globais como a Cruz Vermelha, etc.

 

União Europeia

É um grupo actualmente de 27 estados que começou por ser a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e passou a ser Comunidade Económica Europeia e, mais tarde, União Europeia (UE).

Trata-se de um projecto entre povos e culturas, onde a cooperação é visada.

Há instrumentos de cooperação económica (como a moeda única) e cooperação política (Parlamento Europeu, Comissão Europeia, etc).

As fronteiras foram anuladas entre os países membros e vai-se caminhando no sentido de um federalismo, embora este sentimento provoque ainda algumas resistências.

 

Crise económica

A crise económica é um fenómeno cíclico que habitualmente sucede a períodos de crescimento.

Esta crise terá começado a sentir-se mais a partir de 2008 e afecta praticamente todo o mundo.

Ela reflecte-se no aumento do desemprego, na falência de empresas, na inflação e numa penúria social sem precedentes.

A subida do preço do petróleo é um factor determinante desta crise.

 

Cidadania

Trata-se de um conceito que apela para o envolvimento e a responsabilidade de cada um na vida colectiva.

É o conjunto de direitos e deveres de todos. Tem que ver com a cortesia, as formas de intervenção e as práticas no dia-a-dia de uma comunidade.

 

Direitos e deveres

Hoje em dia, há uma consciência acrescida acerca dos direitos e deveres de cada um.

A declaração universal dos direitos do homem foi proclamada após a segunda guerra mundial e constitui um marco nesta consciência.

Mas para haver a salvaguarda dos direitos, impõe-se um reforço no cumprimento dos deveres.

 

Responsabilidade social

Cresce, cada vez mais, a consciência de que a nossa acção não se restringe ao plano pessoal e familiar. Todos somos responsáveis pelo que se passa no mundo. A responsabilidade social leva-nos a envolver-nos com tudo o que se passa à nossa volta, perto ou longe.

 

Fosso social

Este conceito remete-nos para a distância crescente entre classes. A classe média tem perdido poder de compra e, consequentemente, qualidade de vida. Um dos sintomas da falta de justiça num povo é o desnível entre classes: os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

 

Desemprego

Eis um dos maiores sinais deste tempo. Há pessoas altamente qualificadas (com licenciatura, mestrado e até doutoramento) que não obtêm emprego. Isto mostra também que não há uma continuidade entre a formação e o mercado de trabalho.

 

Atitudes

As atitudes são diferentes dos meros actos. Têm que ver com a intensidade que se coloca neles.

As atitudes são muito importantes no relacionamento humano. São elas que revelam a qualidade e o carácter de uma pessoa.

 

Valores

Os valores são a matriz de uma conduta. As mudanças em curso também afectam o universo dos valores.

Os valores culturais, ideológicos, éticos, sociais, morais e religiosos continuam a ser marcantes.

Sem valores, uma sociedade degrada-se ao nível do mero pragmatismo.

 

Consciência social

A consciência é um conceito intrinsecamente aberto ao social. Significa conhecer com. Remete para o ambiente em que se nasce, cresce e vive.

Hoje em dia, a consciência social tem vindo a crescer apesar do individualismo.

Todos nos sentimos responsáveis pela sorte do nosso semelhante. Daí o impacto de campanhas de solidariedade e das iniciativas do voluntariado.

 

Empreendedorismo

Eis outra noção com impacto crescente. Numa época em que o Estado não consegue atender a tudo, a capacidade empreendedora das pessoas é mais vincada. Em alturas de crise, são aqueles que empreendem na criação de postos de trabalho os que estão mais perto de triunfar. A iniciativa individual é sempre o motor de uma sociedade.

 

Formação ao longo da vida

A formação é cada vez mais vista como um processo contínuo. Não termina com os graus académicos. O conhecimento não estaciona em nenhum momento. É preciso apurar os conhecimentos e as competências ao longo da existência. Uma sadia inquietação é sempre importante. Isto corrobora a máxima de um dos maiores sábios de sempre (Sócrates): «Quanto mais sei, mais sei que nada sei». 

publicado por Theosfera às 21:53

Quando há um crime, imediatamente lamentamos a ocorrência e depressa fazemos um juízo e apontamos um culpado.

 

Sucede que, nestas alturas, esquecemo-nos de uma coisa.

 

A culpa não pode ser ignorada, mas a responsabilidade também não pode ser negligenciada.

 

E, regra geral, a responsabilidade é mais extensa que a culpa, abrange um número maior de pessoas e circunstâncias.

 

Fiódor Dostoiévsky, que perscrutou como poucos a profundidade da alma humana, previne: «Lembra-te de que não podes ser juiz de ninguém». É que, «se eu próprio fosse justo, talvez não houvesse um criminoso diante de mim».

 

Tal como o crime se repercute em mais crime, também a justiça se reproduz em mais justiça: «O justo morre, mas a luz dele sobrevive. Alguém se salva sempre depois da morte do salvador».

 

Enquanto persistir um criminoso, há motivos para temer o prosseguimento do mal. Mas enquanto sobreviver o último justo, não desaparecerá a esperança de que o bem, afinal, pode vencer.

 

Antes de julgar, julguemo-nos. Cabe-nos uma significativa quota parte de responsabilidade quer no mal que se difunde, quer no bem que se semeia.

publicado por Theosfera às 14:14

«Lembre-se sempre do poder das palavras. Quem escreve constrói um castelo, e quem lê passa a habitá-lo».

Assim escreveu (notável e magnificamente) Alguém.

publicado por Theosfera às 11:25

Causou furor, há anos, um cartaz de um candidato no Brasil (país muito imaginativo) que dizia, mais ou menos, isto: «Você não precisa de pensar. Eu penso por você».

 

Ora, isto é tudo o que não pode acontecer jamais.

 

Não deixemos que ninguém pense (ou decida) por nós.

publicado por Theosfera às 11:18

A prioridade é o país, mas o prioritário parecem ser os partidos.

 

Folheando os jornais, passando pela net, ligando a rádio ou a televisão, é a impressão que fica.

 

É claro que os partidos estão presentes no país. Mas o país devia estar mais presente nos partidos.

 

Enquanto a propaganda é feita, há trabalhos que, pelos vistos, estão a ser adiados.

 

Como iremos acordar no dia 6?

publicado por Theosfera às 11:13

Segunda-feira, 30 de Maio de 2011

Desengane-se quem pense que as pessoas estão a afastar-se de Deus.

 

Não podemos deduzir a relação com Deus unicamente a partir da militância numa religião.

 

O critério é que vai mudando. As pessoas orientam-se, cada vez mais, pelos ditames da sua consciência e cada vez menos pelos ditames da autoridade.

 

Independentemente de qualquer valoração teologal, este é um dado com que temos de contar crescentemente.

publicado por Theosfera às 23:33

Outra das palavras que urge reinventar é a palavra liberdade.

 

Não falta quem saiba pronunciá-la, mas falta quem consiga testemunhá-la.

 

Para alguns, a liberdade é absoluta para si e muito condicionada para os outros.

 

Para muitos, a liberdade é a capacidade de todos fazerem o que eles mandam.

 

Não escasseia quem só saiba conjugar o verbo mandar. No modo imperativo.

 

Precisamos de quem olhe para a liberdade dos outros como o espaço da sua própria liberdade.

 

O outro não é uma adversidade. O outro tem de ser visto como uma oportunidade.

publicado por Theosfera às 15:54

Dividocracria.

 

É o título de um documentário. Será o conteúdo do regime em que vivemos?

 

Uma coisa é certa. A nossa vida, pessoal e colectiva, está cada vez mais condicionada pela dívida.

 

 

publicado por Theosfera às 11:24

Quem acompanha minimamente a campanha eleitoral nota como se desmorona, uma vez mais, a esperança de ver ubiquar o sonho de Platão na política portuguesa.

 

Defendia o filósofo grego que o governo da cidade devia ser assegurado pela razão. E a razão seria corporizada na pessoa do rei-filósofo. Ou seja, o governante devia ser, fundamentalmente, sábio.

 

Muitos séculos depois, porém, Immanuel Kant desfazia qualquer ilusão a este respeito: «Não é de esperar que os reis filosofem ou que os filósofos se tornem reis, pois a posse do poder corrompe, inevitavelmente, o livre juízo da razão».

 

Hoje em dia, os sábios já não se candidatam à governação. E, pelos vistos, os governantes já não aspiram à sabedoria.

 

É uma lacuna grave. Não só política. Mas também cívica.

 

Na hora que passa, tudo se resume ao dinheiro. Ele é a solução. Só que também é o problema. Estranho?

 

Reparem.

 

Vamos receber 78 mil milhões de euros. Parece ser a solução. Mas, só de juros, vamos pagar quatro mil milhões de euros por ano. Não será um grande problema?

 

Precisamos de competência para gerir esta conjuntura. Mas do que necessitamos verdadeiramente é de sabedoria para vislumbrar um desígnio comum, um rumo alternativo, uma esperança mobilizadora.

 

Estamos apreensivos quanto ao futuro, mas não queremos aprender com o passado.

 

E já Alexis de Tocqueville alertava: «Desde que o passado deixou de projectar a sua luz sobre o futuro, a mente humana vagueia nas trevas».

 

Tudo vai vagueando no espaço mediático com grande espectacularidade. Uma aurea mediocritas parece ser o passaporte mais viável para o êxito imediato.

 

A sabedoria fica à porta, escondida. Pagaremos um preço cada vez mais elevado pela conivência, que todos acabamos por manifestar, para com o desfilar da propaganda com muito ruído e nula substância.

publicado por Theosfera às 00:01

Ainda será preciso inventar palavras?

 

Haverá quem pense que sim e o faça. A cada passo, surgem neologismos. Uns oportunos. Alguns reveladores e fecundos. Outros talvez dispensáveis.

 

Em qualquer caso, parece-me que mais importante que inventar palavras é perceber o sentido fundo das palavras.

 

Vem-me à mente um pensamento célebre de Almada Negreiros: «Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas».

 

De facto, é preciso recuperar as palavras inventadas. É que há palavras que se perdem, mesmo quando as pronunciamos.

 

Atendamos, por exemplo, à palavra verdade. Para a maioria, ela estriba no interesse. Tem uma geometria variável. Oscila conforme a conveniência.

 

Estacionemos, a seguir, na palavra humildade. Não falta quem a veja como submissão e conformismo. É sempre aos humildes que se pede que se humilhem ainda mais. Neste entendimento, Jesus não seria reconhecido como humilde, apesar de Se ter apresentado como tal. Há certos apelos à humildade que funcionam como convites à anulação da pessoa. Esquece-se, pois, que só há humildade na verdade, na autenticidade, na simplicidade. Humildade tem que ver com humus, com ligação à terra. O humilde escolhe sempre o último lugar. Será humilde o que avilta a sua consciência só para agradar ao poder?

 

E não deixemos de atentar na palavra palavra. A raiz hebraica dbr tanto dá para palavra como para peste. E o que abundam são palavras que empestam a convivência. A palavra é um elo, um laço. Mas há quem faça dela uma seta, uma tempestade. Há quem se sirva dela para esconder, quando ela existe para revelar. E existe quem não hesita em recorrer a ela para julgar, para condenar.

 

Não inventemos mais palavras. Procuremos redescobrir as palavras já inventadas.

 

E, antes de as usarmos, pensemos se o seu uso não irá ferir alguém. Para feridas, já bastam as da vida.

publicado por Theosfera às 00:00

Domingo, 29 de Maio de 2011

O crente deve estar sempre pronto para dar a conhecer as razões da sua esperança.

 

Reconheça-se, porém, que, na hora que passa, não é fácil.

 

É preciso ser um resistente para não perder a esperança e, ainda mais, para espalhar esperança.

 

É claro que se pode articular um discurso esponjoso, de efeito fácil e com aplauso assegurado.

 

Mas não é essa esperança que dá espessura nem oferece sentido.

 

É quando tudo parece perdido que não nos podemos perder.

 

A esperança resplandece nas situações-limite.

publicado por Theosfera às 22:21

Sábado, 28 de Maio de 2011

Não levem a mal, mas tenho de fazer esta confidência.

 

Dói muito quando se liga a televisão e se vê um povo que se arrasta à volta dos líderes na esperança de ser esclarecido, mas que acaba por ser (apenas) entretido.

 

Ainda gostava de saber quantos votos pode trazer a presença a pedido de um futebolista, a subida encenada a uma cerejeira, a pintura de uns murais ou de umas escadas.

 

Se alguns votos traz este tipo de acção, então é porque a nossa cultura cívica está muito longe da maturidade.

 

É por isso que, nesta campanha, não é apenas a política que está em jogo. É também a cidadania que está em questão.

 

Lembrei-me de Fernando Pessoa e da sua amargura perante alguns dos nossos atavismos: «Conhecemo-nos todos, ou é como se nos conhecêssemos. Por isso avaliamos do trabalho de um ou de outro segundo a nossa simpatia ou antipatia por ele — simpatia ou antipatia baseadas em elementos totalmente estranhos a esse trabalho: aspecto físico, rivalidade pessoaI, política. Se falar em António Correia de Oliveira a um republicano, por culto que seja, já sei que dirá mal dele como poeta, porque é conservador. Se falar de Aquilino Ribeiro a um monárquico, por culto que seja, já sei que dirá mal dele, porque é radical. E se em um caso ou outro não disser mal, é porque sucede ser amigo dele. Assim tudo se traduz, em fim, numa política de campanário arruinado».

 

Parece que temos fazer determinadas coisas porque nos habituámos a elas ou porque podemos ser penalizados se não as fizermos. Parece que não podemos ser autênticos. Parece que temos de representar. Parece que temos de criticar o outro e de nos elogiar a nós. Que seja verdade ou mentira, pouco importa.

 

É certo que a política também é feita disto, mas entristece ver como a substância de tudo fica à porta de uma campanha.

 

O que se passa no país está a ser acompanhado lá fora. Com espanto. E com preocupação. Será que só nós não damos conta da gravidade do momento? 

publicado por Theosfera às 18:48

1. Na altura, caminhava a década de 1980 para o seu fim, achei que, apesar do brilho da escrita, o seu conteúdo enfermava de um pessimismo impenitente.

 

Em A era do vazio, Gilles Lipovetsky apontava algumas das tendências que, então, emergiam mas que, depois, se tornaram uma espécie de dogma comportamental.

 

As instituições estavam em queda. O individualismo encontrava-se em marcha. A sedução sobrepunha-se à convicção.

 

Hoje, noto que o filósofo de Grenoble, afinal, lera a realidade com atenção. As suas palavras, no fundo, nem sequer revelavam um especial conhecimento. Mostravam, sim, um profundo reconhecimento. Limitavam-se a descrever com acerto o que o quotidiano apresentava. Não se refugiava na torre do conceito. Mergulhava no caudal, torturante, da vida.

 

 

2. Há poucos meses, Lipovetsky esteve em Portugal. Interpelado pela imprensa, verteu as suas impressões sobre a actualidade.

 

A colonização continua a ser um fenómeno. Só que já não se faz através dos exércitos. Faz-se através «da atracção, da sedução».

 

Não é preciso entrar num país com armas para o dominar. Basta entrar nele com produtos comerciais.

 

O mundo já não é bem uma aldeia, como vaticinara Marshall McLhuan. Tornou-se, tão somente, um mercado.

 

O seu poder é imenso e a sua influência nem sequer é demasiado subtil. É sobretudo muito perigosa.

 

Se repararmos bem, já não é a democracia que tutela o mercado. É o mercado que tutela a democracia.

 

É o mercado que dita regras e impõe leis. «O poder do mercado estrangula a liberdade da governação. Hoje em dia, há uma hipertrofia do mundo capitalista que faz a democracia perder o poder que tinha».

 

Já não é a política que manda. Temos todos «o sentimento de que a democracia é fraca em comparação com o mercado. Há como que uma impotência política por oposição à hiperpotência económica».

 

De certo modo, fomos nós que criámos este tipo de situação, este tipo de mercado. Mas, no presente, é este tipo de mercado que nos está a moldar a todos.

 

O mercado permite-nos satisfazer necessidades básicas. Mas a evolução que tomou impede-nos de realizar as nossas aspirações.

 

É que, talvez sem darmos conta, deixamos de ser cidadãos para nos transformarmos em consumidores.

 

O mercado foi um sonho que se está a tornar um pesadelo. Começámos por ver realizadas necessidades materiais e, de repente, verificamos que há um limite para a sua continuação. O desejo de ter rapidamente degenerou na ambição de possuir.

 

 

3. Na hora presente, tornamo-nos críticos do modelo que desenhámos. Mas nem assim conseguimos sair do cerco em que nos enredámos. Denunciamos o consumismo, mas não paramos de consumir. E sofremos imenso quando não consumimos tanto como gostaríamos.

 

Acompanhamos as revoluções no exterior, mas porventura não nos apercebemos da revolução que se vai operando no nosso interior. É que, no fundo, substituímos a felicidade pela satisfação.

 

A felicidade preenche-se com ideais. Já a satisfação limita-se aos produtos. A felicidade não dispensa o bem. A satisfação alimenta-se de bens.

 

Em suma, o mercado acena com a felicidade, mas apenas nos dá a satisfação. E, mesmo aqui, a tendência é para diminuir. A sastisfação é cada vez menor e, pelos vistos, para cada vez menos.

 

 

4. Num mundo dominado pelo mercado, tudo tem um preço e nada parece ter valor.

 

Como assinala Lipovetsky, «o mercado tem uma lógica que faz com que não se ocupe dos valores». O seu objectivo é o lucro. A sua motivação é a concorrência. Aqui, «não há valores éticos».

 

Deixámos de aspirar pelo melhor para nos concentrarmos no mais: mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro.

 

Para muitos, «não há outro fim. É o dinheiro pelo dinheiro, ganhar por ganhar. Se não ganhas, morres. A moral não existe neste terreno».

 

Daí a sensação de «uma ferida democrática que se manifesta numa decepção democrática». Há um grande afastamento e uma enorme «desconfiança em relação aos políticos».

 

As pessoas votam cada vez menos até porque sabem que a decisão não está na política. Está na economia. Está nos mercados.

 

 

6. Para Lipovetsky, a espiral dominadora do mercado e a vertigem do consumo ainda não pararam. Ainda estão na fase ascendente. E não vão ser a ética e a moral a deter o movimento.

 

Actualmente, somos impotentes para fazer recuar a loucura do consumo. E não haverá qualquer possibilidade? Só por uma «transformação do sistema escolar que leve as pessoas a encontrar um sentido para a vida para lá do consumo».

 

Por muito que nos iludamos, «o consumo não foi concebido para nos dar felicidade. O consumo significa apenas satisfação. A prova é que se pode consumir sem que se esteja feliz». 

 

Quando não se pode consumir, nem felicidade nem satisfação. E o certo é que parece que vivemos num mundo de infelizes e de insatisfeitos.

 

Há, pois, que apostar num novo paradigma de existência, menos dependente das coisas materiais. Precisamos de um novo espírito, de maior interioridade, de mais lucidez.

 

Precisamos, enfim, de reencontrar a nossa alma.

 

 

publicado por Theosfera às 18:20

«As pessoas normais não sabem que tudo é possível».

Assim escreveu (pertinente e magnificamente) David Rousset.

publicado por Theosfera às 17:21

Nada como ouvir (ou ler) um homem grande para melhor entender um grande homem.

 

Zubiri dizia, humildemente, que «o menos mau de si mesmo» a Ortega o devia.

 

Olegario González de Cardedal notava que o teólogo tem de aliar a «complexidade da inteligência» à «simplicidade do coração».

 

Trata-se de um apelo, mas que também pode ser visto como um reconhecimento.

 

Andrés Torres Queiruga incorpora, belamente, aquela síntese.

 

Aliás, é difícil encontrar alguém como ele onde as duas dimensões se casem tão harmoniosamente.

 

Torres Queiruga é alguém que se impõe por uma inteligência fulgurante e que se destaca por uma cordialidade absolutamente tocante.

 

Para ele, o Cristianismo não é uma trincheira nem uma cave, onde se refugiem os últimos (supostos) fiéis. 

 

Para ele, o Cristianismo é uma janela por onde todos os ventos passam e uma fronteira onde todos os olhares se cruzam.

 

Torres Queiruga não se limita a reproduzir as respostas de sempre. A sua prioridade é escutar as perguntas de hoje.

 

Daí a sua preocupação em repensar, palavra que aparece no título de algumas das suas obras.  

 

É preciso repensar (voltar a pensar) a fé, a criação, a redenção, a ressurreição, o mal.

 

Não quer dizer que as respostas de outrora não tenham validade. O problema é que tais respostas podem não corresponder às perguntas de hoje.

 

Torres Queiruga é, antes de mais, um homem atento, afável.

 

As suas obras deixam transparecer, acima de tudo, as inquietações do presente.

 

A sua pretensão não é resolver todos os enigmas, mas dar eco a todas as preocupações.

 

Espanta, por isso, que um homem que tanto se tem empenhado em compreender seja, tantas vezes, incompreendido.

 

Mas esse é um dos mistérios não decifrados do nosso tempo. De todos os tempos?

 

A teologia e a cultura têm uma dívida de gratidão muito grande para com este homem de vistas largas e horizontes vastos.

 

Com ele, aprendemos não apenas o valor da resposta, mas também a importância da pergunta e a centralidade da procura.

 

Andrés Torres Queiruga completa, neste dia, 71 anos de vida.

 

Os parabéns são de nós para ele. Mas as prendas são dele para nós: as suas obras, o seu testemunho, a sua fé, a sua delicadeza, o seu brilho intenso, mas nunca ofuscante.

 

Longa vida!

publicado por Theosfera às 13:45

1. Como é sabido, a humanidade vive, na hora que passa, uma efervescência religiosa muito acentuada.

 

As religiões (as antigas e as mais recentes) não estão circunscritas nem confinadas. Circulam por toda a parte, e a grande velocidade.

 

Desta proximidade nem sempre resulta uma sadia coexistência. A violência visita, com inesperada frequência, o fenómeno religioso.

 

Como escreveu Odon Villet, «nenhuma religião nem o exclusivo da violência nem o monopólio da paz».

 

A perplexidade atormenta os espíritos. Como pode a religião deixar associar-se ao derramamento de sangue?

 

Descansamos, muitas vezes, no vaticínio atribuído a André Malraux: «O século XXI será religioso ou não será». Devíamos, entretanto, acrescentar: «As religiões, no século XXI, serão pacíficas ou não serão».

 

2. À primeira vista, o primeiro impulso é para pensarmos que este género de temas se reporta a algo que acontece lá longe, na esfera das cúpulas eclesiásticas e das cátedras universitárias.

 

Nada mais ilusório, porém. Primeiro, porque, entre nós, já fervilha toda a sorte de vivências religiosas. E, em segundo lugar, porque, em boa verdade, nada hoje está longe. O mundo tornou-se uma imensa aldeia global. Tudo, aconteça onde acontecer, nos diz respeito.

 

Acresce que cada religião, sem pôr em causa a sua irredutível identidade, acaba por acolher uma certa inter-religiosidade ou inreligionação (para usar uma conhecida expressão de Andrés Torres Queiruga), no sentido de que inclui pontos de contacto e pólos de abertura com todas as outras.

 

 

3. Xavier Zubiri via em «todas as religiões uma espécie de cristianismo germinal», afirmação que o teofilósofo espanhol encarava não como denunciadora de sincretismo, mas, ao invés, como indiciadora da transcendência histórica do próprio cristianismo.

 

Daí que a atitude do cristianismo frente às outras religiões nunca possa ser de exclusão, mas de abertura positiva. É que Deus está sempre a revelar-Se, e a revelar-Se universalmente. «Deus está sempre revelado em todos os homens e em todas as religiões. Esta revelação é uma manifestação. Não é uma simples desvelação, mas uma manifestação dinâmica».

 

É neste sentido que o Concílio Vaticano II sustenta — no n. 2 da Declaração Nostra Aetate sobre a Igreja e as Religiões não cristãs —, que a Igreja católica nada rejeita do que nas outras religiões «existe de verdadeiro e santo».

 

Isto não contende com a admissão de diferenças e graus entre elas. Como refere Zubiri, «há diferenças profundas porque se trata de um acesso a Deus do homem concreto e não simplesmente de um homem abstracto».

 

 

4. Não podemos, pois, pautar a nossa atitude pela indiferença ou pelo distanciamento. Temos diante de nós algo que nos toca muito de perto e por onde passa o presente imediato e o futuro mais próximo.

 

Neste contexto, o diálogo pode assumir a forma de comunhão e a comunhão pode revestir a forma de diálogo. Paulo VI, no nº 67 da Ecclesiam Suam, expressa esta mesma vontade ao dizer que «a Igreja quer entrar em diálogo»; por isso, «a Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se diálogo».

 

É que, ao contrário do que se pensa, as diferenças também unem. Também aproximam. Também criam laços. Também geram paz!

publicado por Theosfera às 12:49

É claro que os poderosos também são gente.

 

O problema é que, para alguns,  os poderosos são gente.

 

publicado por Theosfera às 12:30

Necessário parece ser olhar para cima e aplaudir o líder.

 

Mas importante (e cada vez mais urgente) é olhar para dentro e escutar a consciência.

 

Eis a diferença entre a hipocrisia servilista e a decência libertadora.

 

A dignidade está na coerência. Apenas e sempre.

publicado por Theosfera às 12:10

Uma das novidades destas eleições é o Partido dos Animais e da Natureza.

 

À sua frente encontra-se uma personalidade de grande relevo da cultura portuguesa.

 

Poeta, ensaísta e docente da Faculdade de Letras, o Prof. Paulo Borges é também o Presidente da União Budista Portuguesa.

 

O que poucos saberão é que, como consta do seu currículo, foi professor em Lamego (na Escola da Sé) no ano lectivo de 1983/1984 (cf. aqui).

 

É uma figura que se impõe não pela cultura abarcante, de pendor humanista e densidade teológica, mas também pela simplicidade, pela discrição e pela extrema correcção.

 

Para conhecer melhor o Prof. Paulo Borges, clicar aqui.

publicado por Theosfera às 00:04

Sexta-feira, 27 de Maio de 2011

A pertença a uma religião acaba por ser, nesse mesmo momento, uma pertença a toda a religião.

 

Todas as religiões convergem na centralidade de Deus e na capitalidade da relação com Deus.

 

Andrés Torres Queiruga propõe o termo inreligionação no sentido de que cada religão está, pelo menos incoativamente, em todo o universo religioso.

 

É por isso que, mesmo que se circunscreva a uma tribo ou a um pequeno povo, cada religião acaba por ter uma dimensão universal.

 

É que, por mais pequena que seja, ela partilha com todas as outras preocupações semelhantes, ainda que as assuma de modo diferente.

 

Andrés Torres Queiruga usa, a este respeito, o conceito de universalismo assimétrico.

 

O referido teólogo fala igualmente de teocentrismo jesuânico.

 

Uma vez que Jesus está, todo Ele, centrado no Pai e tendo em conta que todas as religiões vivem dessa centralidade, então podemos falar da presença germinativa de Jesus em todas elas.

 

Importante é que os membros das religiões revelem a grandeza de espírito que está na sua génese. Que não tenham atitudes excludentes. Que saibam acolher pessoas e integrar pontos de vista.

 

No fundo, todas andam à procura do mesmo. Daí que devam olhar umas para as outras não como adversárias ou rivais, mas, autenticamente, como irmãs.

 

Definitivamente, Hans Kung tem razão. Não haverá paz no mundo se não houver paz entre as religiões.

 

Se aqueles que adoram a Deus não conseguem a paz, que legitimidade têm para condenar as guerras?

publicado por Theosfera às 22:21

Abunda quem diz que tudo está mal.

 

Não falta quem diga que tudo vai ficar ainda pior.

 

E, ainda por cima, lançam a responsabiliidade (leia-se a austeridade e os sacrifícios) para quem nada fez para que tudo esteja mal ou para que tudo fique ainda pior.

 

Não haverá alguém que nos ajude a melhorar?

 

Apareça uma voz que infunda esperança.

publicado por Theosfera às 11:35

É um dos pulmões da humanidade, mas também está ameaçada.

 

A imensa floresta da Amazónia está sob o fogo devorador de interesses.

 

José Cláudio e a sua esposa militavam, activamente, na defesa do ambiente e na preservação deste património ecológico.

 

Foram assassinados na terça-feira.

 

Não foi notícia. Mas foi acontecimento. E sinal.

 

Se não protegermos a natureza, a natureza não nos protegerá.

 

Preservar a natureza é preservar a qualidade de vida.

publicado por Theosfera às 10:39

Os militantes já estavam decididos. Votarão, provavelmente, em quem sempre votaram.

 

Os que procuram estar com o poder continuam atentos. Querem ver para onde pendem os ventos da vitória.

 

Já os que priorizam a decência estão cada vez mais desmotivados. Ninguém os convence. Quase todos os desiludem.

 

Após uma semana de campanha (e na sequência de não sabemos quantas de pré-campanha), o balanço é pouco entusiasmante.

 

Tirando a encenação e os ataques, o que fica?

 

Muita espuma mediática, bastante crispação, nula substância.

 

Amanhã será melhor?

publicado por Theosfera às 10:27

Eis um tempo em que os políticos vêm ao encontro das populações.

 

Mas eis que é precisamente neste tempo de encontro que o desencontro mais se faz sentir.

 

Neste preciso dia, ficámos a saber que os salários em atraso aumentaram, no ano pretérito, 89%, atingindo um montante de 28, 4 milhões de euros.

 

É muito dinheiro. Em falta.

publicado por Theosfera às 10:15

1. Entre Buda e Cristo há cinco séculos de distância e muitos pontos de diferença. Mas o mais espantoso é poder coligir vários traços semelhantes e surpreendentes aproximações comuns.

 

Tais afinidades fazem com que se torne habitual ver figuras como o Dalai Lama (que lidera o Budismo tibetano) a comentar o Evangelho e teólogos como Hans Kung ou Odon Vallet a estudar textos budistas.

 

 Buda e Cristo foram reconhecidos como mestres: Buda era visto como um guru e Cristo como um rabi.

 

Para Karl Jaspers, ambos são, a par de Sócrates e Confúcio, os maiores mestres da humanidade. Acima de tudo, porque foram enormes mestres de humanidade.

 

Foram mestres que iluminaram o seu ensinamento com a sua conduta.

 

Não foram escritores. Foram testemunhas. E, como notava Paulo VI em 1974, as pessoas seguem os mestres quando são testemunhas. Ou seja, quando dizem o que fazem e quando fazem o que dizem.

 

 

2. Curiosamente, Buda e Cristo não são nomes; são títulos. Buda (que significa iluminado ou desperto) é o cognome de Siddharta Gautama. Cristo (ungido em grego e que corresponde a Messias em hebraico) é o epíteto de Jesus.

 

Os dois inserem-se nas tradições religiosas do povo a que pertencem: Buda no hinduísmo e Cristo no judaísmo.

 

Ambos começam as suas intervenções decisivas por volta dos trinta anos. É por essa altura que Buda tem a sua iluminação e é com essa idade que Cristo inicia a sua pregação.

 

Os dois são grandes caminhantes. Jesus percorre a Judeia e a Samaria, prosseguindo na Galileia até terminar em Jerusalém. Buda peregrina pela bacia do rio Ganges e começa a sua vida pública com uma longa caminhada a partir do Terai, junto do Himalaia.

 

Na doutrina, há uma dissonância que salta à vista. Para Buda, o objectivo supremo é o nirvana enquanto libertação do ciclo dos renascimentos e extinção de todo o desejo. Para Cristo, o paraíso é a vida eterna, a pura felicidade, ou seja, a realização máxima do desejo. 

 

 

3. Jesus apresenta-Se como o caminho. Buda apresenta o caminho, a via que evita os extremos do rigorismo e do relaxamento. Essa via tem que ver com a rectidão: a recta fé, a recta decisão, o recto discurso, a recta acção, a recta vida, o recto esforço, o recto pensamento e a recta concentração.

 

Como Jesus, também Buda se mostra preocupado com o sofrimento humano. Também ele se dispõe a «carregar todos os sofrimentos de todos os seres vivos». Movido pela compaixão, «está decidido a ficar em qualquer condição de desconforto por séculos infinitos para alcançar a salvação de todos os seres».

 

Jesus proclama: «Ama o próximo como a ti mesmo». Buda exorta: «Não magoeis os outros com aquilo que vos magoa a vós».

 

 

4. Se, entretanto, a similitude entre Buda e Cristo é impressionante (sobretudo quanto à conduta), há muitas dissemelhanças entre as tradições budistas e cristãs.

 

Enquanto o Budismo se organiza à volta da comunidade dos monges, o Cristianismo cedo se concentrou em torno de uma autoridade.

 

Como anota Huston Smith, «Buda pregou uma religião destituída de autoridade». Cada um deve fazer a sua procura. A recomendação é assertiva: «Não aceiteis o que ouvis, não aceiteis uma ideia só porque é o que o vosso professor afirma. Sede as vossas próprias candeias».

 

O Budismo também não avulta pela especulação teológica e pelo desenvolvimento doutrinal. Pelo contrário, pauta-se por uma forte sobriedade: «Se o mundo é eterno ou não, se o mundo é finito ou não, se a alma é o mesmo que o corpo, estas coisas - disse Buda - o Senhor não me explica». Para ele, «a avidez de explicações não ajuda à edificação». O importante é o caminho, a rectidão, a prática do bem. O resto virá por acréscimo.

 

Apesar de haver desentendimentos no universo budista, é inquestionável que existe uma intensa procura da serenidade. A prioridade está em fazer o bem agora. O futuro permanece em aberto.

 

 

5. Aqui radica o encantamento que o Budismo exerce sobre muitos. E que está a fazer dele uma religião implantada num espaço cada vez maior. Trata-se, como refere Karl Jaspers, «do amor enquanto compaixão por tudo o que vive numa atitude de não agressão».

 

Aos olhos de muitos, «o Budismo tornou-se a única religião do mundo que não conhece qualquer violência, qualquer perseguição, qualquer inquisição ou quaisquer cruzadas».

 

E não reluz, em tudo isto, o espírito de Jesus?

 

 

publicado por Theosfera às 09:36

Quinta-feira, 26 de Maio de 2011

«Não há nada mais fácil para uma pessoa "vulgar" limitada do que, por exemplo, imaginar-se a si mesma como extraordinária e original e com isso se deleitar sem vacilações».

Assim escreveu (oportuna e magnificamente) Fiodor Dostoiévski.

publicado por Theosfera às 16:37

1. A religião alimenta o ateísmo e o ateísmo alimenta a religião.

 

Eis um tópico à partida provocador e, sem dúvida, paradoxal, mas que pode ajudar a recolocar as relações entre a fé e a descrença em novos parâmetros.

 

Talvez não nos apercebamos muito disso, mas, de certo modo, o ateísmo vive das incoerências da fé e a fé pode reviver a partir das interpelações do ateísmo.

 

Dir-se-ia que, tal como na física, também em teologia os extremos se tocam e os (aparentemente) contrários se cruzam.

 

Em si mesmo, o ateísmo é uma negação. Mas nem sempre constitui um abandono.

 

Miguel Torga, numa frase que se tornou célebre, deu corpo à persistência do divino na alma de quem o nega: «Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer».

 

Analiticamente, o ateísmo tende a ser estudado no seu conceito e nas suas implicações. É importante que ele seja enquadrado também, a montante e a jusante, a partir das atitudes que lhe subjazem.

 

O ateísmo, não raramente, funciona como um protesto: não apenas contra o mal que existe no mundo, mas igualmente contra as igrejas.

 

Trata-se de um ateísmo que se posiciona como alerta, como denúncia, como aviso e, se for devidamente percebido, como possibilidade.

 

Seria interessante fazer um inquérito para tentar tipificar as motivações do ateísmo no espírito de muitos. Tal como a fé teísta, também a atitude ateísta está longe de ser uniforme.

 

E, se estivermos atentos, verificaremos que muitos são levados para o ateísmo não tanto pelos argumentos dos (que já são) ateus como pelas incoerências dos (que se proclamam) crentes.

 

 

2. Em Dostoiévski, por exemplo, surge, com muita frequência e inusitada intensidade, esta perspectiva. O autor, que era crente e era crítico, aponta, talvez excessivamente, o Catolicismo como o principal fornecedor do ateísmo: «O ateísmo provém do próprio Catolicismo romano!».

 

O maior protagonista de O idiota, o príncipe Míchkin (e que é visto como uma espécie de alter ego do autor), vai mesmo ao ponto de cominar o Catolicismo como «uma crença não cristã» e, nessa medida, «pior que o ateísmo».

 

Segundo o personagem, «o ateísmo apenas propaga o zero», ao passo que o Catolicismo «apregoa um Cristo deturpado, caluniado e profanado», em suma, «um Cristo ao contrário».

 

Afirmando-se contestatário da Igreja em nome de Cristo, põe mesmo em causa que o Catolicismo seja uma religião. Para ele, «é uma mera continuação do Império Romano do Ocidente e tudo no Catolicismo está submedtido à ideia de império».

 

Prossegue o argumentário, que pela desmesurada aspereza me abstenho de reproduzir, para concluir perguntando: «Como podia uma coisa assim não gerar o ateísmo?».

 

O ateísmo será, a esta luz, um «fruto da falsidade» e da «impotência espiritual deles» (dos católicos romanos).

 

Ivan Petróvitch, o interlocutor do príncipe, sempre objectou que, na Igreja, também há «representantes dignos de todo o respeito e virtuosos».

 

O príncipe não contesta e acha que o problema estriba não nas pessoas, mas na «essência do Catolicismo romano». Todavia, «a Igreja nunca desaparecerá»!

 

 

3. O que existe, na óptica do príncipe dostoievskiano, é um desespero, que tanto se manifesta no ateísmo como no socialismo, que na altura já emergia.

 

«O socialismo também é fruto do Catolicismo, da essência do Catolicismo! O socialismo também é, juntamente com o seu irmão ateísmo, fruto do desespero, da oposição ao Catolicismo no sentido moral, é um substituto do poder moral perdido pela religião, um substituto para saciar a sede espiritual da humanidade».

 

Também o socialismo pretende salvar o mundo: «não com Cristo, mas com a violência!». Também o socialismo pretende a libertação, mas «pela violência», pela «espada e pelo sangue».

 

A alternativa passa por fazer «replandecer «o nosso Cristo, o Cristo que nós guardámos e que eles nem sequer conheceram».

 

Trata-se, sem dúvida, do Cristo que, como nos mostra o mesmo Dostoiévski em Os Irmãos Karamazóv, foi detido pelo grande inquisidor porque, entre outras coisas, punha a liberdade de cada ser humano à cabeça de todos os valores!

 

 

4. Não admira que o genial autor proclame Jesus Cristo como o ser «absolutamente belo».

 

A «beleza que salvará o mundo» (talvez a frase mais conhecida de O idiota) é a beleza do que, à primeira vista, não tem beleza alguma: o Cristo tirado da Cruz, «o cadáver de uma pessoa que sofreu infinitamente». É a beleza de quem se dá totalmente. É a beleza de quem se oferece por inteiro. Haverá quadro ou paisagem que possam competir, em beleza, com um gesto deste alcance?

 

 O problema é que este Cristo, muitas vezes, está sozinho. E até na Igreja não terá muitos que O acompanhem. Terá, inclusive, quem O desfigure.

 

Dostoiévski pintaria Jesus «sozinho. Deixaria com Ele apenas uma criança pequena, que talvez Lhe estivesse a contar alguma coisa na sua linguagem infantil. Cristo ouvia-a, mas pensativo. Olharia em frente, para o horizonte; um pensamento, grande como o mundo, repousaria no Seu olhar; o rosto seria triste». E, apesar disso (ou por causa disso) belo.

 

 

5. No ateísmo, pode latejar (quem sabe?) alguma ânsia de purificação. Importa, por conseguinte, estar atento às suas inquietações antes de nos abalançarmos numa possível refutação.

 

Os ateus podem ouvir mais as respostas da fé. E os crentes devem escutar melhor as perguntas dos ateus.

 

Fundamental é haver atenção e nunca deixar de haver humildade. É preciso estar atento ao que se passa e ter vontade de aprender com quem passa.

 

Com muitos ateus, os crentes (e particularmente os cristãos) podem estabelecer pontes que lhes permita recompor o rosto de Deus, tantas vezes descomposto. Não por Ele. Mas por muitos de nós!

publicado por Theosfera às 14:15

Quarta-feira, 25 de Maio de 2011

Desconheço os motivos, mas apercebi-de de que havia um desencontro entre José Mourinho e Jorge Valdano.

 

É estranho que até um dos maiores clubes do mundo pareça ser pequeno para dois homens.

 

À partida, as funções de um não colidiam com as atribuições do outro.

 

A aposta do Real Madrid em Mourinho aparenta ser mesmo total pois não é fácil prescindir de uma figura de referência como Valdano.

 

Diga-se que, além de excelente jogador, Jorge Valdano tem uma robustez intelectual impressionante. Os textos que assina primam por uma elegância surpreendente.

 

Não há muita gente a escrever como Valdano.

 

Sabendo como o futebol se presta a lugares-comuns, a prosa de Valdano destacava-se pela agudeza, pela profundidade, pelo rigor e pela seriedade.

 

Com ele, o futebol até se assemelha a uma ciência.

 

Acresce que sempre me pareceu ser uma pessoa educada, comedida, um senhor.

 

Pelo que se diz, terá sido Mourinho a forçar a saída de Valdano.

 

A aposta é alta e o risco enorme. Para o ano, Mourinho não pode falhar.

 

É sabido que o treinador luso se dá bem com o risco e com os limites. Mas creio que não seria necessário esticar tanto a situação.

 

Custa sempre assistir à saída de um homem de bem.

publicado por Theosfera às 22:09

A natureza tanto consegue ser dadivosa como inclemente.

 

Hoje, os céus abriram-se e escoaram, durante minutos, bátegas de chuva e pedradas de granizo.

 

As ruas ficaram alagadas e os olhos encadeados com os raios e a estridência dos trovões.

 

O coração palpitou de susto. Os prejuízos foram muitos e há, pelo menos, um ferido.

 

Afinal, todos estamos sob a égide da contigência. Quando a natureza se revolta, quem pode resistir-lhe?

 

Só a serenidade para remediar os estragos e prosseguir o caminho.

publicado por Theosfera às 21:51

Mesmo (ou sobretudo) quando parece transportar-nos para longe, a poesia reconduz-nos ao fundo de nós mesmos.

 

Na sua leveza, ela encerra uma enorme profundidade.

 

É por isso que, na poesia, a palavra tem de ser aguardada. Não pode ser capturada.

 

Ela flui de longe para perto e baloiça de perto para longe.

 

A poesia é trabalho de paciência.

 

Acredito que a poesia habita em todos. Mas só alguns a cultivam. Porque são poucos os que se sentam à espera de um encontro.

 

A poesia é a visita do inesperado.

 

Para ser poeta, não basta ter talento. É preciso ter alma.

 

O poeta nem sempre é erudito.

 

 

A melhor poesia é aquela que, antes de vir aos lábios, desce ao coração.

 

publicado por Theosfera às 11:56

«Não faças planos para a vida, para não estragar os planos que a vida tem para ti».

Assim escreveu (pertinente e magnificamente) Agostinho da Silva.

publicado por Theosfera às 10:42

«A esperança é o sonho do homem acordado».

Assim escreveu (magistral e magnificamente) Aristóteles.

publicado por Theosfera às 10:40

O vídeo que mostra a bárbara agressão a uma jovem continua a dar que falar.

 

Habitualmente, chegamos tarde (às vezes, muito tarde) à realidade.

 

E até parece que o problema está nas imagens e não nos acontecimentos.

 

Os problemas só são discutidos quando são vistos e não quando ocorrem.

 

Ora, a gravidade não está na visibilidade, mas na ocorrência.

 

O que é que novo, em tudo isto, não é o facto da violência. É a sua banalização. E a nossa crescente indiferença perante ela.

 

Como é que seres humanos são capazes de alojar instintos deste jaez?

publicado por Theosfera às 10:26

Terça-feira, 24 de Maio de 2011

Uma jovem é violentamente espancada.

 

Todos têm uma opinião depois. Ninguém parece ter uma solução antes.

 

Todos são unânimes na condenação. Mas ninguém parece encontrar uma via de prevenção.

 

Todos somos eloquentes a comentar. E todos nos sentimos impotentes para evitar.

 

Estes jovens frequentam a escola.

 

A nenhum aluno é exigível o máximo. Mas de todos é expectável o mínimo. O mínimo de respeito. O mínimo de decoro. O mínimo de dignidade.

 

O cenário deste vídeo tem os ingredientes fundamentais da decadência: a violência da agressão e a indiferença dos circunstantes. Isto para não falar do cinismo de quem encontra material para colocar no facebook!

 

Inacreditável.

 

E só depois de tudo isto correr o mundo das redes sociais é que acordamos.

 

Só depois de sentirmos as consequências é que acordamos para as causas.

 

Que andamos a oferecer aos mais novos na família e na escola? Muitos conhecimentos e vastas competências, sem dúvida.

 

Mas quando falta o humanismo, falta o essencial, falta tudo.

 

«O supremo entender - advertia Agostinho da Silva - é a bondade».

 

Não propugnando um reforço da carga horária, creio que urge introduzir, em todos os graus de ensino, a disciplina de Irenologia (Educação para a Paz).

 

É preciso, desde a mais tenra idade, reforçar os valores fundamentais, polarizados em torno dos transcendentais: a verdade, a bondade e a beleza.

 

São os valores que estão em todos. Só que, pela amostra, parecem atirados para um fundo praticamente imperscrutável. É urgente voltar a trazê-los para a superfície.

 

Acredito que cada ser humano transporta muito de bom dentro de si mesmo. Pena é que só o mal seja exibido.

 

publicado por Theosfera às 21:59

O presente não está bom, mas o futuro parece estar ainda pior.

 

Isto nunca devia acontecer, não devia ser mostrado.

 

A vítima terá dito o que não devia. Mas os outros fizeram o que jamais poderia ser feito: bateram e não faltou quem, ufano, filmasse para colocar nas redes sociais.

 

É tudo para reflectir muito. E para inflectir depressa.

publicado por Theosfera às 20:51

Se te recusares a ouvir, nunca conseguirás ver.

publicado por Theosfera às 14:19

Numa conjuntura, a tentação é ficar pelo conjuntural.

 

A presente campanha está a ser uma penosa demonstração deste perigo. Que, com lúgubre facilidade, nos atrai.

 

A vontade é, como dizia Pinto da Costa, desligar o televisor.

 

Além da encenação e da ausência de ideias, eis que surge a suspeita.

 

O pressuposto será desmascarar o adversário, aplicar-lhe um golpe letal.

 

Triste é a estratégia que nisto assenta.

 

Nada disto convence, tudo isto afasta.

 

Continuamos à espera de um pouco de dignidade, de um vislumbre de decência e de uma atenção à realidade.

 

Daí que, nesta conjuntura, traga palavras intemporais do grande António Vieira, reproduzidas, aliás, por Adriano Moreira num jornal deste dia.

 

«Estais Cegos. Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra, vedes as obrigações, que se descarregam sobre o vosso cuidado, vedes o povo, que carrega sobre as vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes, e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores, e gemidos de todos? Ou os vedes ou os não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se não remediais, como os vedes? Estais cegos».

 

Que este sol ofereça um pouco de luz. Para ver o que, para muitos, permanece invisível.

publicado por Theosfera às 11:57

Não é só pelos lábios que se fala.

 

Não é só pelos olhos que se vê.

 

Não é só pelos ouvidos que se ouve.

 

As palavras mais sábias são as que brotam da vida.

 

As imagens mais fortes são as que se fixam na alma.

 

As lições mais importantes são as que entram pelo coração.

publicado por Theosfera às 10:48

Segunda-feira, 23 de Maio de 2011

1. Cresce, a olhos vistos, o encantamento de muitos cristãos pelas religiões orientais, sobretudo pelo Budismo.

 

Mas o mais curioso é que o seu objectivo não será tanto tornarem-se budistas, mas serem melhores cristãos.

 

Pode parecer estranho, mas não falta quem reencontre na tradição budista o que não consegue encontrar em muitas instituições cristãs: a vivência da mensagem de Jesus.

 

Há, sobretudo, dois valores que Jesus propõe e que o Budismo deixa transparecer com especial luminosidade: a paz e a compaixão.

 

Ali vão, pois, cultivar a paz no interior e, ao mesmo tempo, crescer na compaixão para com os outros.

 

 

2. Não falta, aliás, quem defenda que esta interacção entre o Cristianismo e o Budismo vem das origens.

 

Alguns alegam mesmo que o próprio Jesus terá tido contacto com a sabedoria budista.

 

 É possível que, antes de começar a Sua vida pública, tenha conhecido vários povos.

 

Em finais do século XIX, o investigador Nicolas Notovitch andou pelo Tibete e por lá ouviu falar de um Santo Issah.

 

Sucede que Issah seria o correspondente oriental de Jesus. No mosteiro budista de Himis, há documentos que falam da passagem desta figura por lá.

 

E o certo é que Santo Issah era uma figura venerada pelos budistas.

 

 

3. Já no século VI, mais ou menos quando Maomé iniciava o Islão, um pequeno grupo de monges cristãos percorreu a rota da seda desde a Pérsia até à China.

 

Acolhidos pelo imperador, traduziram para mandarim os textos sagrados que tinham transportado ao longo de cinco mil quilómetros.

 

 Ao traduzir, procuraram integrar e foi assim que involucraram os ensinamentos de Jesus em princípios do pensamento oriental, de pendor budista.

 

 Tendo mudado o ambiente, que passou a perseguir cristãos e budistas, muitos desses manuscritos (a que deram o nome de sutras, do sânscrito fio) foram escondidos numa gruta.

 

 Foi aí que, em 1900, um monge taoísta os redescobriu. Ray Riegert e Thomas Moore compilaram parte desses ensinamentos num volume a que deram o (apelativo) título de Os sutras perdidos de Jesus.

 

 Aqui palpita uma harmonia que, muitas vezes, se perdeu confirmando a percepção, vertida no livro, de que «quem conhece apenas uma religião não conhece nenhuma religião».

 

 Também nestes textos ressoam algumas das mensagens principais de Jesus: a compaixão, a misericórdia, a bondade e o amor.

 

 Diz Jesus nesta tradução sútrica: «Com respeito por todas as outras criaturas vivas, ajam sempre com bondade e nunca tenham pensamentos cruéis».

 

 Um dos preceitos do Sermão da Montanha recebe uma curiosa reformulação: «Procurem o que é puro. A pureza é como um espaço vazio, produz a luz do amor cujo brilho ilumina tudo».

 

 

4. Tudo isto revela um potencial enorme, mas que, por vezes, teima em continuar inexplorado pela vertigem descaracterizadora em que, não raramente, nos deixamos atolar.

 

Estará lá fora o paradigma que perdemos cá dentro?

 

Por outro lado, esta osmose inter-religiosa atesta que no diferente poderemos redescobrir a nossa identidade: como pessoas e como crentes.

 

 No fundo, é sempre possível aprender com os outros a sermos nós próprios.

 

Não há problema nenhum em mudar. Se todo o mundo é composto de mudança, a religião não deixará de mudar. 

 

O mais importante é a profundidade da mensagem e o alcance dos gestos. De todos os pontos é possível ver Jesus. Nenhum nos desaponta.

 

Jesus é mesmo o universal concreto. Ele está em tudo.

 

E, às vezes, os que consideramos mais distantes em relação a Ele até podem ser os que estão mais perto d’Ele: da Sua mensagem, da Sua vivência, do Seu amor, da Sua paz. 

 

publicado por Theosfera às 20:41

Eu percebo que as imagens da campanha reforcem a tendência para a abstenção.

 

Não se nota uma ideia. Não se extrai um projecto. Não avulta uma esperança.

 

Predominam os ataques e as encenações.

 

Falam uns com os outros, uns para os outros, uns contra os outros. Fazem de nós espectadores e comensais.

 

Neste contexto, vir pedir o nosso voto parece uma provocação.

 

Mas, mesmo assim, votemos. Não por causa deles. Mas por causa de nós, do país.

 

Sei que não é fácil. O esforço terá de ser hercúleo. Mas Portugal precisa de todos.

 

O cidadão não pode dar a entender que a pátria é propriedade de quem a dirige.

 

Clamemos por qualidade na política. Mas não deixemos que a cidadania adormeça.

publicado por Theosfera às 10:59

Paradoxal, a nossa época.

 

O trabalho serve para sustentar a vida.

 

Mas, muitas vezes, acaba por conduzir à morte.

 

Parece que, na França, o suicídio nos locais de trabalho está a aumentar.

publicado por Theosfera às 10:56

Não foi notícia, mas não deixou de ser acontecimento.

 

Cerca de quatro mil pessoas desfilaram ontem e angariaram quase 50 mil euros para ajudar a combater a fome no mundo.

 

É assim que se cresce no essencial: mobilizar o melhor das pessoas em favor das pessoas.

 

O números são são tudo. Mas podem ser bastante se tiverem repercussão na vida.

 

A única coisa que é legítimo matar (além das saudades) é a fome!

 

publicado por Theosfera às 10:52

Pode parecer estranho que um homem da imagem se recuse a apresentar a sua.

 

Mas o realizador Terrence Malick tem uma explicação: a sua obra já fala por ele, não é necessário que ele fale.

 

Em Cannes voltou a não aparecer apesar de ter vencido o prémio de realização.

 

Diz quem o conhece que é um tímido incorrigível e que se trata de alguém genuinamente humilde.

 

Eu sou tentado a dizer que este é um acontecimento mais relevante que o próprio festival.

 

Estamos num tempo e vivemos num mundo em que muitos se atropelam para aparecer.

 

Entre nós, temos alguém semelhante a Malick.

 

Herberto Hélder (para alguns, o maior poeta português vivo) recusa-se não só a aparecer, como tem recusado todos os prémios que lhe atribuem, inclusive o célebre Prémio Pessoa.

 

António Ramos Rosa, outro nome importante, também sempre se destacou por uma obscuridade voluntária que acaba por melhor fazer sobressair a sua obra.

 

Sto. António de Lisboa, mestre da oratória, apelava ao silêncio das palavras e à eloquência das obras: «Cessem as palavras e falem as obras, de palavras estamos cheios e de obras vazios».

 

Não diabolizo a informação e a publicitação dos acontecimentos. Mas entedia-me o frenesim mediático em que, actualmente, se vive.

 

E não há dúvida de que a melhor palavra não é a que sai dos lábios. É a que brota da vida. 

publicado por Theosfera às 10:36

«Cada um acredita, facilmente, no que teme e no que deseja».

Assim escreveu (subtil e magnificamente) Jean de La Fontaine.

publicado por Theosfera às 10:27

Domingo, 22 de Maio de 2011

Muitos são os temores, hoje.

 

Jesus não quer que o nosso coração ande perturbado.

 

Ele é a paz. O caminho. A direcção. O sentido.

publicado por Theosfera às 16:37

Houve um tempo em que a iniciativa vinha da base, do fundo.

 

Eram os cristãos que apresentavam aqueles que, em seu entender, deviam estar à frente das comunidades.

 

Era um tempo em que se sentia o Espírito de Deus na totalidade do Povo de Deus.

 

Os apóstolos confirmavam, com a sua oração, aqueles que lhes eram propostos.

 

Houve um tempo em que a confiança predominava e a criatividade prosperava.

 

Não foi um tempo irreal. Foi no princípio. Está na Bíblia.

 

Foi possível outrora. Não será impossível hoje.

 

O que diz respeito a todos por todos deve ser decidido. Na verdade. Na transparência. Na paz.

  

publicado por Theosfera às 16:32

Habitualmente, as respostas vêm depois das perguntas.

 

O problema é que, quando surgem perguntas após as respostas, sobrevem-nos uma sensação de desconforto, um halo de insatisfação.

 

Por vezes, tais perguntas aparecem bastante tarde e mostram quão inconsistentes eram as respostas.

 

Importa não frear nenhuma pergunta. A pergunta é, como advertia Heidegger, a oração do pensamento.

 

De pergunta em pergunta, de inquietação em inquietação, chegamos à resposta perene e à quietude total.

 

Não são as primeiras respostas que nos conduzem a Deus. São as últimas perguntas que nos aproximam d'Ele.

publicado por Theosfera às 16:27

Sábado, 21 de Maio de 2011

«Neutro é quem já se decidiu pelo mais forte».

Assim escreveu (magistral e magnificamente) Max Weber.

publicado por Theosfera às 11:57

A paz vai visitar-te.

Não desesperes.

Serena.
 
Acalma-te.
 
Deus ama-te.
publicado por Theosfera às 11:55

«Faz parte da natureza dos mortais pisar ainda mais quem já caiu».

Assim escreveu (sábia e magnificamente) Ésquilo.

publicado por Theosfera às 11:51

Após as eleições de 2009, uma série de perguntas assaltava os espíritos.

 

As respostas estão dadas.

publicado por Theosfera às 11:49

 

Mestre Eckhart talvez fosse João, mas o seu primeiro nome eclipsou-se dada a fama do seu génio como teólogo e pregador.

 

Trata-se de um místico de olhos abertos da Idade Média. Foi, sem dúvida, um homem de coragem que muito enobreceu a Igreja e a Humanidade.

 

A centralidade de Deus vertebrava a sua acção: «Se a tua alma encontra Deus, possuirá seis coisas: 1), o que lhe era doce torna-se amargo; 2) a tua alma fica tão apertada que já não pode permanecer em si mesma; 3) nada deseja senão Deus; 4) nada a pode consolar senão Deus; 5) não pode nunca regressar ás coisas passageiras; 6) não terá sossego interior até que Ele volte a ela de novo».

publicado por Theosfera às 11:48

Continua, a esta hora, a especular--se sobre quem ganhou o debate. Tenho pena que não tenha sido o país.

 

O país ganhava com perspectivas de entendimento.

 

O país ganhava se José Sócrates defendesse mais os méritos do seu governo sem se preocupar tanto com denunciar os possíveis deméritos das propostas da oposição.

 

O país ganhava se Passos Coelho apontasse mais as virtudes das suas propostas sem se gastar tanto na depreciação da acção governativa.

 

O país ganhava se cada um fosse mais pró-activo e menos reactivo.

 

Uma nota final.

 

Por muita discordância que haja, importa manter a compostura.

 

Uma rápida passagem pelas páginas online mostra muita animosidade. O senhor primeiro-ministro é, por vezes, tratado por nomes bastante violentos. Há até uma petição para que ele seja processado judicialmente.

 

Em momentos difíceis, a serenidade é ainda mais necessária.

 

Que ela não desapareça, apesar de andar tão discreta.

 

 

publicado por Theosfera às 00:07

Sexta-feira, 20 de Maio de 2011

Ganhar um debate ajuda a ganhar eleições? E ganhar eleições ajuda a ganhar o país?

 

A primeira pergunta pode parecer excitante. Mas a segunda é a mais pertinente.

 

A resposta à primeira pergunta é, obviamente, muito subjectiva.

 

A resposta à segunda devia ser o objectivo.

 

Aferir o futuro pela lógica de um confronto verbal não será o critério mais indicado.

 

Nesta noite, procuraram-se os temas onde as clivagens parecem ser mais notórias.

 

Falou-se de saúde, sobretudo por causa dos seus custos.

 

Remexeu-se a questão da dívida e do auxílio externo.

 

A única discussão sobre o futuro foi em torno de cenários pós-eleitorais e de (im)possíveis coligações.

 

Os dois intervenientes mostraram-se muito preocupados consigo e bastante focados um no outro.

 

O país parece distante de tudo isto.

 

Como é possível que, num debate destes, não se fale da pobreza e não se aborde a educação?

 

Combater a pobreza é o mais urgente. Apostar na educação tem de ser o mais importante.

 

Marcaram-se muitas diferenças. Comprometeram-se possibilidades de cooperação.

 

A moderação não saiu a ganhar. A esperança ainda não despertou.

 

Pelo que dizem as sondagens, tudo vai ser muito disputado até ao fim.

 

A incerteza vai durar até às 19 horas do dia 5 p.f.

publicado por Theosfera às 23:14

Dizia-se, outrora, que a cantiga era uma arma. Hoje, pode dizer-se que a palavra parece uma armadilha.

 

O debate que está a decorrer entre José Sócrates e Passos Coelho assemelha-se a um julgamento mútuo.

 

É natural que se questione a governação do PS e as atitudes do PSD.

 

Mas era mais necessário apresentar as propostas em ordem ao futuro.

 

Ora, até agora, ainda não se falou do futuro.

 

E, ao insistir no passado, os dois interlocutores estarão a fazer com que muitos se desmobilizem.

 

O importante seria haver um ânimo, uma esperança.

 

Sente-se, porém, animosidade, crispação.

 

O debate está a decorrer de modo civilizado, mas a tensão é notória. Nos lábios e no ambiente.

 

É pouco. Para tanto.

publicado por Theosfera às 21:31

Numa altura em que a cooperação é mais necessária, é espantoso que surjam sinais de uma incompatibilidade aparentemente intransponível.

 

É importante que se estabeleçam as diferenças actuais. Mas será obrigatório que se fechem as portas a um entendimento futuro?

 

Será que não ser socialista é o mesmo que ser anti-socialista? Será que não ser PSD é igual a ser anti-PSD? Será que não ser CDS, CDU ou BE é equivalente a ser anti-CDS, anti-CDU ou anti-BE? 

 

Será que ser PS é ser anti-PSD? Será que ser PSD é ser anti-PS? Será que ser PSD é ser anti-CDS ou vice-versa?

 

Porquê, então, ser tão apodítico na antecipação de que qualquer aproximação é impossível?

 

É pena que um país a viver uma hora tão difíicil veja os seus principais representantes de costas voltadas.

 

Até no âmbito dos dois grandes quadrantes ideológicos, está a ser complicado chegar a acordo. O PSD e o CDS, que já se coligaram no passado, mostram-se bastante desunidos no presente.

 

Poderão pensar que é um sonho inverificável, mas como seria bom que, neste momento grave, todos se juntassem, todos dessem as mãos, todos olhassem em frente.

 

Urge ultrapassar a cultura do contra. É preciso apostar tudo no com.

publicado por Theosfera às 20:45

O texto do professor aposentado (aparecido mum jornal desta sexta-feira) faz-se eco da sensação de muitos dos seus coetâneos.

 

Os bons alunos são uma raridade cada vez maior.

 

É cada vez mais difícil motivar os discentes para o essencial da aprendizagem: a atenção.

 

O domínio da língua pátria é pobre. A relação com os números é pouco menos que tumultuosa.

 

Os índices de iliteracia e inumeracia são, de faco, preocupantes.

 

E, no entanto, quem for compulsar as pautas das notas fica, no mínimo, surpreendido.

 

Nunca as classificações foram tão elevadas como actualmente.

 

É natural que os mais idosos se mostrem um pouco sobressaltados.

 

Há tempos, o Prof. Manuel Antunes, reputado cirurgião, confessava que, pelas regras actuais, não teria entrado em Medicina. E, mais recentemente, o Prof. José Mattoso confidenciou que, nos tempos do secundário, era um aluno de 12, 13.

 

O mais curioso é que, porventura, eram alunos que dedicavam mais horas por dia ao estudo do que hoje.

 

Será que, presentemente, o reconhecimento (fornecido pelos professores) é superior ao conhecimento (patenteado pelos alunos)? Haverrá uma sobre-avaliação para um subaproveitamento?

 

É claro que os critérios são diferentes. E é preciso dizer que continua a haver alunos de excepção. Só que estes não se distinguem muito de outros que apresentam os mesmos níveis.

 

As formas de avaliação também vão evoluindo, procurando concentrar-se, hoje, na identificação de situações e não tanto na construção de textos, na elaboração de um pensamento ou na resolução de problemas complexos.

 

Outrora, o bom aluno era quase uma singularidade que sobressaía.

 

Percebo, por isso, alguma perplexidade que anda no ar.

 

E penso que a qualidade deve ser fomentada e distinguida.

publicado por Theosfera às 20:26

As atitudes são mais reveladoras que os actos.

 

É muito desolador saber que um responsável governativo se mostra mais preocupado com o número de consultas do que com a saúde dos cidadãos.

 

Terá sido um deslize comunicacional da parte de alguém que até costuma destacar-se pela sua ponderação.

 

Mas não deixa de ser um sintoma do desnorte em que nos encontramos.

 

Afinal, as pessoas estão subordinadas ao dinheiro e não o contrário.

 

Às vezes, penso que o melhor serviço que um governo podia prestar ao país era afastar-se da gestão de muitas áreas. Tanto mais que, na sociedade civil, há quem dê mostras de maior competência e sensibilidade.

 

Não se entende que, com tantas pessoas carentes de necessidades de vária ordem, haja cada vez menos médicos. E que em vez de estimular o estudo da Medicina, se opte por contratar médicos estrangeiros.

 

É tudo muito labiríntico, quase non-sense.

 

Nesta altura, há quem ponha o enfoque na existência de determinados ministérios.

 

Haver um ministério da agricultura é sinal da importância da agricultura. Haver um ministério da cultura é sinal da importância da cultura. Haver um ministério da saúde é sinal da importância da saúde. 

 

Mas, na prática, que efeitos tem essa importância institucional?

 

Parece que tudo se resume a uma vontade infrene que tudo controlar, de sufocar as energias que vão resistindo.

publicado por Theosfera às 11:38

Quinta-feira, 19 de Maio de 2011

Hoje, 19 de Maio, as agendas litúrgicas assinalam a memória de S. Celestino V.

 

Trata-se de alguém que, muito a contragosto, aceitou ser Papa, mas que, pouco tempo depois, abdicou.

 

O que sempre me impressionou mais neste homem foi a humildade com que aceitou a missão e a humildade com que se retirou dela.

 

Pedro Celestino, eremita, nasceu em 1221 em Isenia, na província de Apulia.

 

Tendo apenas seis anos de idade, disse à mãe: «Mãe, quero ser um bom servo de Deus».

 

 Depois de ter terminado os estudos, retirou-se para um ermo, onde viveu dez anos.

 

Decorrido este tempo, ordenou-se em Roma e entrou na Ordem Beneditina.

 

Com licença do Abade, abandonou o convento, para continuar a vida de eremita. Como tal, teve o nome de Pedro de Morone, nome tirado do morro de Morone, no sopé do qual erigira a cela em que morava.           

 

O tempo que passou naquele ermo foi uma época de grandes lutas e provações.

 

A paz e tranquilidade voltaram depois de Pedro ter confessado o estado de sua consciência a um sábio sacerdote.

                                                      

Em 1251, fundou, com mais dois companheiros, um pequeno convento, perto do morro Majela. A virtude dos monges animou outros a seguir-lhes o exemplo.

 

O número dos religiosos, sob a direcção de Pedro, cresceu tanto que o superior, por uma inspiração divina, deu uma regra à nova ordem, chamada dos Celestinos.

 

Esta Ordem, reconhecida e aprovada por Leão IX, estendeu-se admiravelmente, e, ainda em vida do fundador, contava 36 conventos.

                                                      

Com a morte de Nicolau V, em 1292, ficou a Igreja sem Papa.

 

Dois anos durou o conclave, sem que os cardeais chegassem a acordo.

 

Finalmente, a 5 de Julho de 1294, contra todas as expectativas, saiu eleito Pedro Morone.

 

Só que ao eremita faltavam por completo as qualidades indispensáveis para governar a Igreja, ainda mais num período tão crítico e difícil.

 

Os cardeais depressa viram que o eleito, em vez de ouvir os seus conselhos, preferia seguir os do rei e de alguns monges, ficando com isto seriamente afectados os interesses da Igreja.

 

O Pontífice, por sua vez, reconheceu que estava deslocado e depressa abdicou (13-12-1294).

 

Bonifácio VIII, seu sucessor, foi interpelado por muitos, que chegaram a declarar não justificada, e sem efeito a abdicação de Celestino, e ilegal a eleição de Bonifácio.

 

Para afastar o perigo de um cisma, mandou fechar Celestino, até à morte, no castelo Fumone.

 

Pedro sujeitou-se a esta medida coerciva e passou dez meses, por assim dizer, na prisão.

                                                      

Por uma graça divina foi conhecedor do dia da sua morte, que predisse com toda a exactidão.

 

Tendo recebido os Santos Sacramentos, esperou a morte, deitado no chão. As últimas palavras que disse foram as do Salmo 150: «Todos os espíritos louvem ao Senhor».

                                                        

Já em 1313 foi honrado com o título de Santo, pela canonização feita por Clemente V.

                                                        

A Ordem dos Celestinos estendeu-se rapidamente pela Itália, França, Alemanha e Holanda.

 

Estimada pelos príncipes, teve em todos os países uma bela florescência, até à grande catástrofe religiosa na Alemanha e a Revolução Francesa.

 

Na Itália existem ainda poucos conventos da fundação de Pedro Celestino.

 

publicado por Theosfera às 14:25

Quarta-feira, 18 de Maio de 2011

91 anos faria hoje.

 

Karol Wojtyla nasceu a 18 de Maio de 1920.

 

O eterno agradecimento de toda a humanidade.

publicado por Theosfera às 23:45

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