O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Quarta-feira, 29 de Maio de 2013

1. Nunca se usou tanto a palavra como hoje. E talvez nunca nos tenhamos sentido tão saturados de palavras como hoje.

Em causa não está a palavra, mas o uso que lhe temos dado. E é por isso que o silêncio desponta não como uma recusa da palavra, mas porventura como a sua reabilitação, o seu reencaminhamento, a sua redenção.

 

2. O problema não está na palavra. O problema é o que nós estamos a fazer com as palavras.

O que avulta é a palavra da suspeita, a palavra da calúnia, a palavra da glória vã e da vanglória, a palavra como arremesso.

O que sobressai é o eclipse da palavra de alento, da palavra da esperança, da palavra da verdade. É tudo isto que faz do silêncio não apenas um refúgio ou uma nostalgia, mas também uma necessidade ou até uma terapia.

Aqui, o silêncio não é a ausência de palavra. É o chão da sua sementeira. E o fermento para a sua plena fruição!

 

3. Hoje em dia, as palavras gastam pelo ruído que provocam. E desgastam pelo vazio que veiculam.

Às vezes, nem quando se está calado se faz silêncio. Pode não haver ruído no exterior, mas pode faltar silêncio no interior.

 

4. Manuel António Pina tem razão quando sustenta que «as palavras esmagam-se entre o silêncio que as cerca e o silêncio que transportam».

Que será melhor, então? Falar é difícil. Mas calar também é arriscado. O poeta confessa: «Já não é possível dizer mais nada, mas também não é possível ficar calado».

Eis o paradoxo em toda a sua crueza: «Faltam-nos as palavras» nestes tempos em que «se fala de mais»!

 

5. E o certo é que, ao lado das palavras, há um silêncio no universo que nem todos os discursos conseguem abafar.

É desse silêncio, não tumular mas primordial, que flui o sentido e o horizonte que o conceito tenta captar, mas não é capaz de verbalizar. É nesse silêncio marsupial que importa habitar.

 

6. Pelo menos, nesse silêncio respira-se. Há palavras, as deste tempo ruidoso, que afogam!

Acresce que, como notava Gustave Le Bon, «quem se gasta em palavras, raramente se gasta em acções».

 

7. Há quem aposte tudo na linguagem verbal. Mas a linguagem não verbal é mais poderosa.

Daí o lancinante apelo de Sto. António: «Cessem as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, de obras vazios».

Se repararmos e como dizia Erik Geijer, «o que se faz de grande faz-se em silêncio». A própria palavra, para ser valorizada, precisa de ser condimentada pelo silêncio. Caso contrário, é a banalização.

 

8. Hoje em dia, não há muita comunicação. O que há é muito ruído!

Há muito ruído de dia, mas também de noite. Há muito ruído nas ruas, mas também em casa, mas também nas escolas, mas também nas igrejas.

 

9. Na maior parte das vezes, nem temos motivos para falar. O que já não conseguimos é ter vontade para calar ou disponibilidade para escutar! Quem ouve, nestes tempos, as palavras ditas, as palavras gritadas?

Há momentos em que falar é um imperativo. Mas há instantes em que calar é uma urgência e um bom indicador de sabedoria.

 

10. Uma onda de silêncio pode ser o melhor antídoto para curar os estragos provocados pela tempestade de certas palavras.

Às vezes, não é preciso falar muito para dizer bastante.

A vida não se diz só com os lábios. E há gestos que dizem tudo!

publicado por Theosfera às 07:05

De Evágrio Pôntico a 29 de Maio de 2013 às 07:53
Mais um excelente post, Sr. Padre João António !

Na verdade, o silêncio, a intimidade serena, é que colocam o homem diante de Deus... e, afinal, diante de si próprio...

Neste turbilhão diabólico em que se vive hoje, ampliado ainda mais pelos media, cada vez se sente mais a necessidade do silêncio do deserto.

E, quanto às palavras, devíamos fazer jus à expressão latina: "pauca, sed bona" - poucas, mas boas...

Saudações fraternas de Paz e Bem.


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